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Valor venal do IPTU: CIB, transparência e responsabilidade fiscal

Complemento ao artigo publicado em "Majoração do IPTU por decreto: Inconstitucionalidade do valor venal" com foco na LC 214/25 e no CIB.

sexta-feira, 4 de abril de 2025

Atualizado às 14:18

1. Da caixa preta ao CIB: Integridade cadastral e segurança fiscal

O valor venal historicamente foi um elemento opaco e pouco controlável na tributação municipal. Em inúmeros casos, a definição dessa base de cálculo foi distorcida por critérios subjetivos ou decretos unilaterais do Executivo, afastando-se de parâmetros objetivos ou legais.

Com a instituição do CIB - Cadastro Imobiliário Brasileiro, previsto no art. 59 da LC 214/25, inaugura-se um novo ciclo de controle institucional. Esse cadastro nacional, interligado aos sistemas do IBS e da CBS, exige que as informações sobre os imóveis sejam organizadas, auditáveis e integradas. Trata-se de uma ruptura com o modelo informal de gestão do valor venal.

O contribuinte passa a ter não só o direito, mas os instrumentos para confrontar o lançamento com base em dados técnicos. A integridade fiscal deixa de ser promessa e se torna exigência legal.

2. Transparência e controle: Fim do aumento por decreto

O valor venal deixou de ser uma cifra manipulável. O STF, no RE 1.245.097/PR, já havia declarado inconstitucional a alteração do valor venal por decreto municipal, sem respaldo legislativo. A Corte firmou entendimento de que qualquer majoração real deve passar por lei em sentido formal e respeitar os princípios da legalidade e da capacidade contributiva.

A LC 214/25 reforça esse entendimento ao prever que os municípios devem integrar seus cadastros ao ambiente nacional de dados fiscais, sob pena de sanções. O valor venal, nesse contexto, é tratado como dado público estruturante - e não mera estimativa política.

3. A LC 214/25 e o novo pacto federativo tributário

A reforma tributária promovida pela EC 132/23 e regulamentada pela LC 214/25 estabelece obrigações técnicas e operacionais para os entes federados. A gestão da base de cálculo do IPTU passa a ser fiscalizável em nível nacional, e a omissão do município pode gerar sanções reais - como a suspensão de transferências voluntárias e o comprometimento da arrecadação futura.

O art. 59 da LC 214/25 deixa claro que os dados cadastrais dos imóveis devem estar integrados ao CIB, e a ausência dessa integração implica descumprimento legal, com reflexos financeiros e institucionais.

4. Riscos ao gestor que manipula o valor venal

A insistência em práticas ilegais - como decretos de majoração travestidos de atualização monetária - pode ensejar responsabilização pessoal do gestor público. A violação ao princípio da legalidade tributária, em sua dimensão objetiva, configura hipótese de improbidade administrativa (art. 11 da lei 8.429/1992) e pode motivar a atuação do Ministério Público.

Além disso, o lançamento tributário baseado em valor venal arbitrário pode ser judicialmente anulado, gerando passivo fiscal para o município e perda de arrecadação futura.

5. O valor venal como dado público estruturante

O valor venal deve ser compreendido como um dado técnico, público, objetivo, vinculado à planta genérica de valores e aos critérios urbanísticos e de mercado. A LC 214/25 trata expressamente da necessidade de padronização e integração dessas informações.

A sua manipulação compromete não apenas o lançamento do IPTU, mas a credibilidade da arrecadação, os indicadores de política urbana e a relação institucional entre município e contribuinte.

6. O protagonismo do contribuinte: Cidadania fiscal ativa

No novo cenário, o contribuinte deixa de ser um agente passivo. Com acesso aos cadastros, mapas, critérios e simulações, é possível impugnar administrativamente os lançamentos abusivos, exigir motivação legal e, se necessário, buscar o Judiciário.

Esse empoderamento é fundamental para restaurar a confiança no sistema tributário e frear condutas arrecadatórias distorcidas. O contribuinte que conhece seus direitos pode frear abusos e contribuir para a higidez fiscal de sua cidade.

7. Hugo de Brito Machado Segundo e a doutrina da legalidade estrita

Como ensina Hugo de Brito Machado Segundo, a base de cálculo do tributo, por integrar a própria hipótese de incidência, não pode ser manipulada por ato infralegal, sob pena de violação ao núcleo do fato gerador.

"A majoração do valor venal por decreto, ainda que travestida de atualização, configura aumento disfarçado de tributo e, por isso, exige lei formal."

Esse posicionamento é adotado de forma crescente por decisões de primeira e segunda instância, além de integrar cursos práticos voltados à gestão tributária municipal - como se verifica nos materiais analisados na produção deste artigo.

8. Checklist de fiscalização e autodefesa do contribuinte

Para reagir a lançamentos abusivos, o contribuinte pode adotar as seguintes medidas:

  • Solicitar a planta genérica de valores e os critérios oficiais de avaliação;
  • Requisitar os decretos de "atualização" do valor venal;
  • Comparar o aumento aplicado com a variação do IPCA/INPC no mesmo período;
  • Requerer administrativamente a revisão do lançamento com base no art. 150, I, da CF/88 e no art. 97 do CTN;
  • Promover ação judicial com pedido de tutela de urgência e prova pericial indireta, se necessário.

9. Municípios inadimplentes: Efeitos imediatos da omissão

  • O município que não integrar seu sistema ao CIB, nos termos da LC 214/25, poderá sofrer sanções operacionais e financeiras, tais como:
  • Bloqueio de transferências voluntárias da União;
  • Restrição de acesso a fundos federativos;
  • Inclusão em cadastros de inadimplência administrativa;
  • Perda de credibilidade técnica junto a órgãos de controle.
  • A responsabilidade recairá não apenas sobre o ente, mas sobre seus gestores e controladores.

10. Conclusão: Valor venal, responsabilidade pública e justiça fiscal

O valor venal do IPTU já não é uma cifra manipulável, nem um detalhe técnico secundário. Ele representa o elo entre a arrecadação justa, a política urbana e a confiança institucional.

Sua majoração disfarçada, sem lei formal, compromete o pacto federativo, gera insegurança jurídica e viola o princípio da legalidade - cláusula pétrea do Estado de Direito.

A nova legislação impõe uma conduta mais ética, transparente e fundamentada aos gestores. O CIB e a LC 214/25 não são apenas mecanismos de controle, mas marcos de uma nova cultura fiscal, em que os municípios precisam assumir responsabilidade sobre os dados que lançam e os tributos que exigem.

O contribuinte, por sua vez, passa a exercer protagonismo na construção de uma justiça tributária mais íntegra, auditável e técnica - onde o valor venal volta a ser um reflexo da realidade e não uma ficção arrecadatória.

__________

1 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 01 abr. 2025.

2 BRASIL. Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966. Código Tributário Nacional. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5172.htm. Acesso em: 01 abr. 2025.

3 BRASIL. Lei Complementar nº 214, de 2025. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/Lcp214.htm. Acesso em: 01 abr. 2025.

4 MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito. Reforma Tributária Comentada e Comparada: Emenda Constitucional 132/2023. São Paulo: Atlas, 2024.

5 PONTALTI, Mateus. Manual de Direito Tributário. 6. ed. Salvador: Juspodivm, 2025.

6 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (Brasil). Recurso Extraordinário nº 1.245.097/PR. Rel. Min. Dias Toffoli, Brasília, DF, julgado em 05 nov. 2020. Disponível em: https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=7542106. Acesso em: 01 abr. 2025.

José Reis Nogueira de Barros

VIP José Reis Nogueira de Barros

Advogado, founder @advocacianogueirabarros. Mestrando em Direito, Economia e Gestão. Palestrante, conselheiro, especialista em governança, gestão pública, tributação e relações governamentais.

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