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Por dentro do crédito: O que os olhos não veem, a inteligência forense descobre

Recuperação de crédito exige atuação estratégica e multidisciplinar com apoio da inteligência forense, além da via judicial tradicional.

sexta-feira, 4 de abril de 2025

Atualizado em 3 de abril de 2025 11:39

Quando o assunto é a busca da satisfação do crédito, pensar na sua recuperação apenas pela via judicial, em geral, é estar fadado ao fracasso. Perseguir, única e exclusivamente, a timeline executiva padrão (Sisbajud, Renajud e Infojud), há algum tempo, não é mais uma metodologia suficiente para a satisfação do crédito. Apesar da implementação de novas ferramentas pelo Poder Judiciário - Sniper, por exemplo -, a litigância pela via executiva, sob o prisma do credor, ainda é extremamente dispendiosa - seja pelo tempo ou pelo custo.

O CNJ corrobora a afirmação acima. Os dados divulgados pelo CNJ, no relatório "Justiça em Números"1, traz a informação de que o tempo médio de duração dos processos em trâmite na fase de execução em primeiro grau, é de 5 anos e 7 meses, ou seja, são quase 6 anos de tramitação, em média, para a tentativa de satisfação da pretensão executiva.

Uma das grandes aliadas na resolução deste tipo de demanda é a inteligência forense que, embora comumente seja associada à área criminal, possui uma maior amplitude aplicada aos litígios, servindo também, e principalmente, à esfera cível-empresarial.

Por vezes prestando-se à atuação preventiva - background check e due diligence -, no viés contencioso, a partir de uma atuação investigativa robusta, por intermédio da análise de dados e mapeamento de informações, a inteligência forense busca encontrar soluções e subsidiar a tomada de decisões estratégicas, no intuito de aumentar as chances de recuperar o crédito do credor.

Uma das principais características do expediente investigativo desenvolvido no trabalho de inteligência forense é a interdisciplinariedade. O conhecimento sobre processo civil é fundamental para uma boa condução de um processo de execução, mas isso não é suficiente. Utilizando-se da inteligência forense para recuperar o crédito, faz-se necessário o conhecimento de matérias, dentre outras, de direito societário, direito das famílias, aspectos contábeis e, principalmente, habilidades investigativas extrajudiciais.

Nos tempos dos planejamentos patrimoniais e planejamentos sucessórios, ter conhecimento sobre o direito societário é de fundamental importância. Conhecer os trâmites práticos da constituição de holdings e offshores, dentre outros modelos societários, bem como todas as nuances que envolvem a sua gestão e administração, são primordiais para compreender o lastro patrimonial dos investigados. Para além do direito societário, a compreensão de aspectos relativos às áreas contábeis tende a ser muito útil para desvendar condutas suspeitas, separando-as daquelas que são feitas em conformidade com a lei.

O conhecimento sobre as matérias do direito das famílias também é essencial. Não raro os devedores utilizam-se de regimes de bens para a ocultação patrimonial. Em aspectos estratégicos, questões pertinentes à necessidade de reserva à meação e outros fatores atinentes à temática, igualmente contribuem para a realização da precificação2 de um caso, tanto para a adoção de novas estratégias no curso da execução quanto para a cessão do crédito a outros players no mercado.

No escopo da recuperação de crédito, o conhecimento sobre a seara familiar não se esgota nos regimes de bens, encontrando esteio também no direito sucessório. Aspectos relativos à antecipação da herança e doações fraudulentas - inclusive realizadas sem observância à legítima - são temas de extrema relevância. A utilização de cláusulas de incomunicabilidade, inalienabilidade, reversibilidade e impenhorabilidade nos planejamentos patrimoniais e sucessórios são extremamente usuais, mas frise-se que não são cláusulas absolutas - o que é preciso saber observar.

O conhecimento sobre aspectos extrajudiciais, principalmente no que tange à investigação patrimonial, que se funda na ideia de localizar ativos tangíveis e intangíveis em nome dos alvos investigados e pessoas coligadas, é imprescindível.

A busca pelos ativos, a geolocalização de imóveis, a análise das matrículas imobiliárias e a aferição do valor mercadológico de cada uma delas, a localização de ativos intangíveis ou outros bens móveis e todo o arrolamento do acervo patrimonial das pessoas investigadas é um dos fundamentais pilares da inteligência forense, afinal, é a partir da constrição patrimonial e demais medidas de praxe em relação aos mencionados ativos que se busca a satisfação da pretensão executiva - seja por intermédio de um acordo ou mesmo pela monetização na própria execução.

Outro aspecto de fundamental importância é o timing do trabalho desenvolvido. Em casos de múltiplos credores, costumamos dizer que "quem chega primeiro, bebe água limpa", o que se aplica, de fato. Apesar de, em algumas ocasiões, serem localizados bens de alto valor na esfera patrimonial dos envolvidos na investigação, não há como asseverar que os mesmos são suficientes para o pagamento de todas as dívidas existentes, principalmente quando não há conhecimento técnico para uma precificação do caso.

A partir destas curtas linhas é fácil compreender que a advocacia "à moda antiga" não se mostra mais suficiente quando o assunto é propor soluções eficazes às demandas. Persuasão, conhecimento técnico, boa escrita e argumentação são fundamentais, mas a "nova" advocacia exige muito mais do que isso, exige versatilidade e multidisciplinariedade, características presentes em profissionais que alguns denominam como um "profissional T"3.

Pensar "fora da caixa" não é um mero lema comercial, tampouco uma simples soft skill, trata-se de um ato de propor soluções eficazes, cujo caminho perpassa, impreterivelmente, pela expansão de horizontes em um trânsito multidisciplinar que resulte na tomada de decisão estratégica. Se o assunto é a recuperação de crédito, inteligência forense é a mais pura tradução do pensamento out of the box e da busca pela efetiva satisfação da pretensão executiva.

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1 Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Justiça em Números 2024. Brasília: CNJ, 2024. Disponível em: . Acesso em 26 mar. 2025. p. 286

2 Destaca-se que o termo precificação não se remete à definição do valor dos honorários fixados para o desenvolvimento de um trabalho, mas sim de uma metodologia realizada na inteligência forense para compreender as expectativas de monetização em relação ao patrimônio do(s) investigado(s) e/ou em relação a determinada tese jurídica a ser adotada.

3 O denominado profissional T caracteriza-se pelos seguintes atributos: "o traço vertical do "T" é profundidade de habilidade em uma área. Já o traço horizontal do "T" diz respeito à gama de conhecimentos de áreas diversas". Você é um profissional I, T ou X? Descubra qual o seu perfil. Exame, 2019. Disponível em: . Acesso em 26 mar. 2025.

Hugo Leonardo Lippi Areas

Hugo Leonardo Lippi Areas

Sócio-diretor da área de Inteligência Forense e Negociação do Escritório Medina Guimarães Advogados. Mestre em Ciências Jurídicas pela Unicesumar, Especialista em Gestão Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas. Especialista em Direito Civil, Processual Civil e do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná.

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