A viabilidade de impetrar mandado de segurança contra ato judicial teratológico
Mandado de segurança pode ser usado contra decisões teratológicas, em situações excepcionais e sem recurso eficaz disponível.
sexta-feira, 4 de abril de 2025
Atualizado em 3 de abril de 2025 11:00
Inicialmente, devemos esclarecer que decisão teratológica é aquela que exibe vícios tão graves que a tornam juridicamente insustentável, destacando-se por sua total desconexão com os princípios do direito, como: violação direta da lei, erro grosseiro de competência, ausência de fundamentação em desconformidade com o art. 93, IX, da Constituição Federal e/ou contrariedade a precedentes obrigatórios, como súmulas vinculantes ou julgados em controle concentrado de constitucionalidade.
Já o mandado de segurança é o remédio jurídico adequado para proteger direito líquido e certo lesado ou ameaçado por ato de autoridade, quando não houver recurso com efeito suspensivo ou outro meio eficaz para sanar a ilegalidade, conforme o art. 5º, inciso LXIX, da Constituição Federal, e o art. 1º da lei 12.016/09.
Reforcemos que o writ não substitui qualquer recurso que possa ser interposto contra a decisão que se deseja questionar, especialmente em razão de sua teratologia, cabendo, inclusive, ao impetrante demonstrar a situação totalmente excepcional que carece da segurança desejada.
Diante desse cenário e da ausência de recurso a ser manejado contra decisão nos moldes acima apresentados, seguindo entendimento formado no Superior Tribunal de Justiça, resta manejar o mandado constitucional a fim de ver seus direitos assegurados.
Vejamos entendimento nesse sentido, advindo do STJ:
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO MANDADO DE SEGURANÇA. IMPETRAÇÃO CONTRA ATO JURISDICIONAL DE ÓRGÃO FRACIONÁRIO DO STJ. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE OU TERATOLOGIA. SUCEDÂNEO RECURSAL. INADMISSIBILIDADE. DESPROVIMENTO DO AGRAVO INTERNO. MANUTENÇÃO DA DECISÃO RECORRIDA. I - A jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça admite, em caráter excepcionalíssimo, o mandado de segurança para questionar decisão judicial quando se tratar de ato manifestamente ilegal ou que se apresente com fundamentação teratológica. II - Contudo, no caso vertente, não há qualquer teratologia ou manifesta ilegalidade nas decisões proferidas por este Tribunal no processo originário. Tem-se que o objetivo do Impetrante nada mais é do utilizar a ação mandamental como sucedâneo recursal, haja vista que se trata de um claro inconformismo com o resultado prolatado por este Tribunal Superior. Nesse sentido: AgInt no MS n. 28.294/DF, relator Ministro Benedito Gonçalves, Corte Especial, julgado em 21/3/2023, DJe de 24/3/2023; AgInt nos EDcl no MS n. 28.707/DF, relator Ministro Raul Araújo, Corte Especial, julgado em 13/12/2022, DJe de 21/12/2022 e AgInt no MS n. 28.522/DF, relatora Ministra Nancy Andrighi, Corte Especial, julgado em 13/12/2022, DJe de 16/12/2022. III - Agravo interno improvido. (AgInt no MS n. 29.297/PR, relator Ministro Francisco Falcão, Corte Especial, julgado em 8/8/2023, DJe de 10/8/2023, sem grifos no original)
AGRAVO INTERNO NO MANDADO DE SEGURANÇA. ATO JUDICIAL. EXCEPCIONALIDADE. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. FERIADO LOCAL. CÓPIA DE PÁGINA DA INTERNET. DOCUMENTO IDÔNEO. O mandado de segurança contra ato judicial é medida excepcional, admissível somente nas hipóteses em que se verifica de plano decisão teratológica ou ilegal. Precedentes. Nos termos da atual jurisprudência do STJ, a juntada de página extraída da internet ou de cópia de calendário do Tribunal de origem é hábil a comprovar a existência de feriado local. Precedente. Agravo interno provido. (AgInt no MS n. 28.538/DF, relatora Ministra Nancy Andrighi, Corte Especial, julgado em 19/4/2023, DJe de 27/4/2023, sem grifos no original)
Ainda, em acórdão proferido pelo ILMO. rel. min. João Otávio de Noronha (EDcl. em RMS 27746 - DJe 24.2.2022), a Corte Especial do STJ renovou esse entendimento, afirmando que:
Admite-se a impetração de mandado de segurança contra decisão judicial somente de forma excepcional, quando se tratar de ato manifestamente ilegal e/ou teratológico, se não houver instrumentos recursais próprios na via ordinária, previstos na legislação processual, de modo a impedir a lesão ou a ameaça de lesão a direito líquido e certo.
Já em análise às decisões teratológicas, é o entendimento trazido por Gregório Assagra de Almeida:
Todavia, o STJ e o STF (o que é seguido também pela jurisprudência geral de outros tribunais) admitem a impetração de mandado de segurança pela parte litigante, independentemente da interposição de recurso que eventualmente seja cabível, para impugnar atos jurisdicionais flagrantemente ilegais ou teratológicos. (ALMEIDA, Gregório Assagra de; CIANI, Mirna; QUARTIERI, Rita. Mandado de Segurança: introdução e comentários à Lei 12.016, de 07-08;2009. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 143.)
Na doutrina, vale o destaque do que entende Adilson Abreu Dallari, para quem:
decisões teratológicas são frontalmente conflitantes com o princípio da razoabilidade. Deve ser havido como teratológica, qualquer decisão precipitada, tomada sem o devido cuidado, sem medir as consequências no mundo fático, que leve à desarmonia, à invasão de competências e ao fomento do conflito e da desordem jurídica (DALLARI, Adilson Abreu. Decisões teratológicas são conflitantes com o princípio da razoabilidade. Coluna Interesse Público. Revista Consultor Jurídico, 29 de junho de 2014).
Dessa forma, considerando os conceitos acima apresentados e as diversas decisões já proferidas pelos Tribunais de todo o país, podemos concluir que, como advogados, é possível nos depararmos com decisões teratológicas do ponto de vista jurídico, para as quais não havia mais recursos a serem manejados.
Tais decisões podem, de acordo com os entendimentos também apresentados, ainda ser reavaliadas por meio do mandamus constitucional, desde que estejamos diante de situações excepcionalíssimas e aberrantes que violem direitos das partes, legislação vigente ou entendimento consolidado.
No entanto, é importante destacar que o papel dos tribunais não pode se limitar à revisão de decisões equivocadas e bizarras, pois a finalidade do processo é a entrega da tutela jurisdicional adequada e correta, sendo essa finalidade um princípio essencial do próprio Estado Democrático de Direito.
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ALMEIDA, Gregório Assagra de; CIANI, Mirna; QUARTIERI, Rita. Mandado de segurança: introdução e comentários à Lei 12.016, de 07-08-2009. São Paulo: Saraiva, 2011.
CÂMARA, Alexandre Freitas. Precisamos falar sobre teratologia. Áreas, Civil. Revista Consultor Jurídico Online, 2 maio 2024. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2024-mai-02/papel-dos-tribunais-e-reformar-toda-e-qualquer-decisao-equivocada/. Acesso em: 18 dez. 2024.
DALLARI, Adilson Abreu. Decisões teratológicas são conflitantes com o princípio da razoabilidade. Coluna Interesse Público. Revista Consultor Jurídico, 29 jun. 2014. Disponível em: https://www.conjur.com.br. Acesso em: 19 dez. 2024.