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De bitcoin em bitcoin - A empresa enche o caixa

Mineração de oportunidades tributárias para empresas no Brasil.

quinta-feira, 3 de abril de 2025

Atualizado às 10:42

A utilização de criptoativos - com especial destaque para as criptomoedas - como ferramenta de planejamento tributário tem adquirido crescente relevância no cenário empresarial brasileiro. Diante da elevada carga fiscal imposta pelo ordenamento jurídico nacional, aliada à intensificação da internacionalização das atividades econômicas, observa-se o esforço de entes empresariais na adoção de mecanismos lícitos voltados à mitigação da carga tributária (elisão fiscal), afastando, contudo, práticas caracterizadas como evasão.

Os criptoativos, reconhecidos pela Receita Federal do Brasil (RFB) como ativos digitais, ostentam natureza jurídica singular: embora não se constituam como moeda de curso legal, são qualificados como bens móveis incorpóreos ou, ainda, como direitos com expressão econômica. Tal indefinição normativa enseja tanto oportunidades quanto desafios à estruturação de planejamentos tributários empresariais, impondo uma análise técnica rigorosa e a observância estrita do arcabouço legal e regulamentar vigente.

A seguir, examinam-se as principais estratégias adotadas, os benefícios potenciais, os riscos envolvidos, bem como os aspectos contábeis e fiscais atinentes aos criptoativos, à luz da legislação brasileira e das diretrizes emanadas da autoridade fiscal.

Criptoativos e sua Utilização Estratégica no Âmbito Empresarial

Diversas sociedades empresárias nacionais têm incorporado criptoativos em suas estruturas de planejamento tributário com a finalidade de viabilizar a redução lícita de seus encargos fiscais. O planejamento tributário, nesse contexto, refere-se à adoção prévia e consciente de medidas jurídicas destinadas à economia de tributos, em conformidade com os limites legais, distinguindo-se, de forma categórica, da evasão fiscal - prática vedada pelo ordenamento.

No que concerne aos criptoativos, tal planejamento envolve a utilização das operações com criptomoedas - tanto em sua titularidade quanto em sua movimentação - como forma de otimizar a carga tributária, desde que sem contrariar a legislação vigente. Como exemplo, destaca-se a possibilidade de recebimento de contraprestações em criptoativos, o que, além de reduzir custos operacionais vinculados a intermediários financeiros, permite à empresa definir o momento mais oportuno para a conversão desses ativos em moeda corrente, postergando, assim, o fato gerador de determinados tributos.

Entre as estratégias correntes, identificam-se: a manutenção de criptoativos como instrumentos de tesouraria; a fragmentação temporal das operações; e a utilização de regimes fiscais diferenciados, respeitado o propósito negocial legítimo que afaste qualquer indício de abuso ou simulação.

Potenciais Vantagens, Estratégias Empregadas e Ganhos Viáveis

Sob a ótica da legalidade, o emprego de criptoativos pode ensejar vantagens de ordem tributária e financeira às pessoas jurídicas, conforme se delineia a seguir:

a) Redução da Carga Tributária (Elisão Fiscal):

Em razão do regime jurídico próprio dos criptoativos, as operações envolvendo tais ativos permitem o planejamento temporal da ocorrência dos fatos geradores tributários, de modo a proporcionar economia fiscal. Por exemplo, a alienação fracionada de criptomoedas pode ser organizada de maneira a enquadrar as operações dentro de limites de isenção ou faixas de tributação mais favoráveis.

No âmbito das pessoas físicas, é prática comum limitar-se às alienações mensais inferiores a R$ 35.000,00 para se beneficiar da isenção de Imposto de Renda sobre o ganho de capital. No caso das pessoas jurídicas, embora inexista limite de isenção específico, é viável diferir a tributação ao postergar a conversão dos criptoativos em moeda corrente nacional ou a alienação formal do ativo. Essa manipulação legítima do momento do fato gerador pode ensejar economia tributária lícita, em consonância com o princípio da liberdade econômica.

b) Proteção Patrimonial e Diversificação de Ativos:

Criptoativos também são utilizados como forma de reserva de valor e instrumento de proteção patrimonial. Empresas os empregam com vistas à diversificação de seus ativos e à mitigação de riscos decorrentes de variações cambiais ou da desvalorização do real.

Criptomoedas de referência, como o Bitcoin, caracterizam-se por oferta limitada e valorização atrelada a mercados globais, o que pode preservar o patrimônio empresarial de eventuais desvalorizações da moeda nacional ou de medidas restritivas de política econômica. Ademais, por não estarem necessariamente inseridos no sistema bancário tradicional, os criptoativos conferem certa resiliência em face de medidas de bloqueio de capitais ou confisco. Ressalte-se, todavia, que os criptoativos devem ser devidamente declarados às autoridades competentes, e que a proteção patrimonial mencionada possui natureza exclusivamente estratégica e financeira. Qualquer tentativa de ocultação de bens perante credores ou o fisco caracteriza infração legal, vedada pelo ordenamento jurídico.

c) Otimização do Fluxo de Caixa Internacional:

Empresas com atuação em múltiplas jurisdições têm recorrido aos criptoativos como instrumento para otimizar a gestão de fluxos de caixa internacionais. As transferências internacionais realizadas por meio de criptoativos são liquidadas com maior celeridade, menor custo e fora do sistema bancário tradicional, o que facilita, por exemplo, o pagamento de fornecedores no exterior ou a repatriação de receitas provenientes da exportação.

Ao contrário das operações cambiais convencionais - sujeitas à supervisão do Banco Central e à incidência do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF-Câmbio) -, as transações internacionais realizadas por meio de criptoativos não são consideradas operações de câmbio, e, portanto, não estão sujeitas à alíquota de 0,38% normalmente aplicada. Tal peculiaridade permite uma economia tributária imediata, além da redução da burocracia envolvida.

Como exemplo prático, uma sociedade exportadora pode receber em criptoativos pelas mercadorias comercializadas e, posteriormente, utilizar esses mesmos ativos para custear a importação de insumos, eliminando múltiplas conversões cambiais e seus respectivos custos tributários.

Entretanto, essa estratégia de arbitragem normativa requer especial cautela: embora a remessa em criptoativos não se caracterize, formalmente, como evasão de divisas - dado que o Bitcoin e demais criptomoedas não são reconhecidos como moeda estrangeira pelo sistema jurídico atual -, a autoridade fiscal realiza monitoramento rigoroso desses fluxos, exigindo que os valores correspondentes sejam devidamente registrados, convertidos e contabilizados quando incorporados ao patrimônio nacional.

Riscos Legais, Fiscais e Reputacionais na Utilização de Criptoativos no Planejamento Tributário Empresarial

A inserção de criptoativos na estrutura de planejamento tributário empresarial demanda criteriosa avaliação de riscos, de modo a evitar que os eventuais benefícios fiscais obtidos sejam comprometidos por contingências de natureza legal, fiscal ou reputacional. Nesse sentido, destacam-se os seguintes aspectos:

a) Risco Legal e Fiscal:

A principal vulnerabilidade reside na possibilidade de desconsideração, por parte da fiscalização, da estrutura de planejamento adotada, sobretudo quando esta carece de propósito negocial substancial e evidencia intuito exclusivo de redução da carga tributária. Embora a Receita Federal do Brasil admita a prática da elisão fiscal, desde que dentro dos estritos limites legais, tem-se observado uma intensificação da atividade fiscalizatória no tocante às operações com criptoativos.

Em situações reputadas como abusivas ou simuladas, a autoridade fiscal pode desqualificar o planejamento tributário e exigir a tributação correspondente. Exemplo representativo encontra-se na Solução de Consulta COSIT 214/21, por meio da qual a RFB equiparou a permuta entre criptoativos a uma alienação, exigindo, assim, a incidência de Imposto de Renda sobre eventual ganho de capital, mesmo na ausência de conversão dos ativos em moeda corrente.

Tal entendimento, embora alvo de críticas e objeto de controvérsia - inclusive sendo questionado em projeto legislativo que visa à sua revogação sob o argumento de que a permuta não configura acréscimo patrimonial tributável -, permanece vigente até que haja alteração legislativa ou pacificação jurisprudencial em sentido contrário.

Dessa forma, empresas que realizem reestruturações de carteiras cripto devem estar preparadas para calcular e recolher o tributo sobre os ganhos latentes decorrentes dessas trocas, sob pena de serem autuadas futuramente.

b) Incerteza Normativa:

A natureza recente dos criptoativos implica em lacunas legislativas e em instabilidade normativa, o que acarreta um cenário de incerteza jurídica. O ordenamento jurídico brasileiro ainda não dispõe de legislação tributária específica acerca das criptomoedas, aplicando-se, por analogia, os dispositivos concernentes a bens móveis ou ativos financeiros.

Essa ausência de normatização específica favorece interpretações divergentes por parte da administração tributária. Por exemplo, a classificação contábil dos criptoativos - se como ativos intangíveis ou estoques, especialmente no caso de entidades que atuam como traders - influencia diretamente o momento de incidência da tributação. Diante da carência de normativas padronizadas, é imperiosa a diligência da empresa em justificar a classificação adotada com base nas normas brasileiras de contabilidade (CPCs) e nos parâmetros internacionais (IFRS).

Ademais, o ambiente regulatório encontra-se em constante evolução. A lei 14.478/22 instituiu o marco legal dos criptoativos, atribuindo ao Banco Central a competência para sua regulação. Simultaneamente, a Receita Federal sinalizou a intenção de revisar a Instrução Normativa 1.888/19, com o objetivo de alinhar os procedimentos brasileiros ao Crypto-Asset Reporting Framework (CARF), iniciativa promovida pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

Essas mudanças legislativas e infralegais tendem a ampliar as obrigações acessórias e a exigir maior transparência nas operações com criptoativos, limitando, consequentemente, a margem de manobra para planejamentos de natureza mais agressiva. Há, portanto, risco concreto de que estruturas hoje lícitas sejam futuramente restringidas, seja por modificações legais, seja pela intensificação do controle fiscal.

c) Volatilidade e Risco de Mercado:

Diferentemente dos ativos financeiros tradicionais, as criptomoedas apresentam elevado grau de volatilidade. Assim, a adoção desses ativos como instrumento de planejamento tributário pode expor a empresa a oscilações abruptas de valor, com repercussões patrimoniais e contábeis significativas.

A eventual postergação da alienação de criptoativos, com vistas à economia tributária, pode, por exemplo, resultar em perdas econômicas caso o valor de mercado dos ativos sofra desvalorização expressiva. Ademais, há riscos operacionais relevantes, como a perda de chaves privadas ou a ocorrência de ataques cibernéticos, especialmente em situações de custódia inadequada.

Embora se trate, em princípio, de riscos de natureza financeira e operacional, suas consequências impactam diretamente a esfera fiscal e jurídica da empresa - notadamente na hipótese de entidades auditadas ou com deveres fiduciários perante sócios, acionistas ou investidores externos.

d) Risco Reputacional e de Conformidade Regulatória:

A utilização intensiva de criptomoedas no ambiente empresarial pode desencadear escrutínio acentuado por parte de stakeholders, reguladores e da sociedade em geral. Ainda persiste, em determinados setores, a associação dos criptoativos a práticas ilícitas, como lavagem de dinheiro e financiamento de atividades ilegais.

Empresas que optem por incorporar tais ativos à sua estrutura operacional devem, portanto, implementar políticas robustas de compliance, com destaque para os controles voltados à prevenção da lavagem de dinheiro e ao conhecimento do cliente (Know Your Customer - KYC).

A ausência de transparência ou de mecanismos de controle adequados pode resultar em desgaste institucional e comprometer a reputação da empresa perante o mercado. Instituições financeiras, inclusive, podem impor restrições ao relacionamento com sociedades que operam intensamente com criptoativos - havendo precedentes de encerramento de contas bancárias de corretoras com base em critérios de risco setorial.

Assim, qualquer estratégia de natureza tributária deve ser acompanhada de criteriosa avaliação quanto ao impacto reputacional e à conformidade com os ditames da lei 9.613/98 (Lei de Prevenção à Lavagem de Dinheiro), sob pena de que ganhos fiscais pontuais resultem em perdas contratuais, comerciais ou institucionais relevantes.

Tributos Incidentes e Tratamentos Fiscais Aplicáveis às Operações com Criptoativos

A utilização de criptoativos no contexto empresarial demanda a observância de um conjunto diversificado de obrigações tributárias nas esferas federal, estadual e municipal. A seguir, apresentam-se os principais tributos incidentes sobre tais operações, bem como os respectivos tratamentos fiscais, conforme a legislação vigente e os entendimentos normativos atualmente adotados:

a) Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL):

As pessoas jurídicas domiciliadas no Brasil estão sujeitas à tributação ordinária dos resultados decorrentes de operações com criptoativos, integrando tais receitas as bases de cálculo do IRPJ e da CSLL. Para fins de Imposto de Renda, a Receita Federal do Brasil equipara as criptomoedas a ativos mobiliários ou financeiros, devendo tais ativos ser contabilizados como componentes do ativo da empresa.

No regime de apuração pelo lucro real, os ganhos provenientes da alienação de criptoativos integram o lucro tributável, sujeitando-se à tributação regular. Quando se tratar de alienação de ativo não circulante, os ganhos podem ser submetidos a tratamento específico como ganho de capital, tributado de forma autônoma. Não há previsão de isenção específica para pessoas jurídicas, razão pela qual qualquer ganho realizado comporá integralmente a base de cálculo do IRPJ (15%, acrescido de adicional de 10% sobre a parcela que exceder R$ 20.000,00 mensais) e da CSLL (alíquota geral de 9%).

No regime do lucro presumido, os resultados decorrentes da venda de criptoativos - desde que classificados como ativos não operacionais - poderão ser tributados como ganho de capital, à alíquota de 15%, acrescida da CSLL correspondente.

No âmbito do Simples Nacional, a eventual receita oriunda da alienação de criptoativos poderá integrar o cálculo unificado dos tributos apenas se tal atividade estiver vinculada ao objeto social da empresa. Ressalte-se, entretanto, que atividades de natureza financeira são vedadas no referido regime, restringindo tal hipótese a situações em que o criptoativo seja utilizado como meio de pagamento ou instrumento de investimento acessório.

Cumpre destacar que a mera valorização contábil não realizada dos criptoativos - mark-to-market - não constitui, em regra, fato gerador do IRPJ ou da CSLL. Sendo os criptoativos registrados como ativos intangíveis ao custo histórico de aquisição, somente haverá tributação no momento da alienação ou baixa do ativo. Eventual reavaliação contábil voluntária, não expressamente prevista em norma fiscal, tampouco gera efeitos tributários imediatos no âmbito do lucro real.

b) PIS/PASEP e COFINS:

As contribuições sociais ao PIS/PASEP e à COFINS incidem, de forma geral, sobre a receita bruta das pessoas jurídicas. Contudo, a incidência nas operações com criptoativos depende da natureza da atividade empresarial envolvida.

Empresas cuja atividade preponderante seja a intermediação ou comercialização de criptoativos - como é o caso de exchanges e mineradoras que alienam criptomoedas obtidas por mineração - deverão considerar tais receitas como operacionais, sujeitas ao regime tributário aplicável. No regime não cumulativo, incidirão as alíquotas combinadas de 9,25% sobre a receita bruta, com possibilidade de dedução de créditos autorizados. No regime cumulativo, aplica-se a alíquota de 3,65%, sem direito a créditos.

Todavia, no caso de empresas que realizem investimentos próprios em criptoativos, sem que essa atividade configure seu objeto social ou atividade fim, há controvérsia quanto à sujeição das receitas de alienação ao conceito de receita bruta tributável para fins de PIS/COFINS. Há precedentes no sentido de que a alienação eventual de ativos imobilizados ou intangíveis não caracteriza receita operacional, afastando a incidência das referidas contribuições.

No âmbito do planejamento tributário, observa-se a estratégia de segregação patrimonial das operações, de forma que os criptoativos sejam mantidos como ativos de investimento - cuja alienação se configure como evento eventual - e não como mercadorias rotineiramente comercializadas, hipótese esta que poderia atrair a incidência de PIS/COFINS.

Por outro lado, receitas decorrentes da prestação de serviços relacionados a criptoativos - como corretagem, consultoria ou processamento de pagamentos - integram, indubitavelmente, a base de cálculo das contribuições. Assim, o tratamento tributário exigirá cuidadosa análise da natureza das receitas, distinguindo entre alienação de ativos (potencialmente não tributável) e prestação de serviços ou atividade comercial habitual (tributável).

c) Imposto sobre Operações Financeiras (IOF):

Atualmente, a legislação não prevê a incidência de IOF sobre a aquisição, alienação ou posse de criptoativos. O IOF recai sobre operações de crédito, câmbio, seguro e sobre valores mobiliários, categorias nas quais os criptoativos ainda não se inserem de maneira inequívoca.

Por não serem considerados moeda de curso legal, as transações de conversão entre reais e criptoativos não são qualificadas como operações de câmbio, escapando, assim, do IOF-Câmbio (cuja alíquota ordinária é de 0,38% nas remessas internacionais). Esta característica abre espaço para estratégias de planejamento tributário que visam à economia fiscal em transações internacionais.

Exceção ocorre quando a aquisição de criptoativos se dá por meio de instrumento de crédito regulado, como é o caso do uso de cartão de crédito internacional, hipótese em que haverá incidência de IOF sobre a operação de crédito (atualmente à alíquota de 6,38%), e não sobre o criptoativo em si.

Adicionalmente, é relevante mencionar que, nos termos da legislação vigente, está isenta de Imposto de Importação, até o ano de 2025, a importação de equipamentos destinados à mineração de criptomoedas, demonstrando orientação favorável à promoção da atividade. No entanto, a possibilidade de futura incidência de IOF sobre determinadas operações com criptoativos permanece em debate, especialmente caso sejam estes regulados como valores mobiliários pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) ou pelo Banco Central. Por ora, a ausência de IOF representa uma das vantagens fiscais concretas do uso de criptoativos em fluxos financeiros empresariais.

d) Impostos Estaduais - ICMS:

O Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) incide sobre a circulação de bens corpóreos e sobre determinados serviços. A incidência do ICMS sobre criptoativos ainda carece de previsão normativa expressa.

Prevalece o entendimento, tanto na doutrina quanto na jurisprudência administrativa, de que as criptomoedas não se qualificam como "mercadorias" para fins de ICMS, uma vez que não constituem bens corpóreos destinados ao consumo. Nesse sentido, a Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo, por meio da Resposta à Consulta Tributária 22.841/20, manifestou-se no sentido de que a alienação de criptoativos não caracteriza operação de circulação de mercadoria nos termos da Lei Complementar 87/96.

Tal orientação tem sido reproduzida em outras unidades federativas e alinha-se à prática internacional, na qual operações com criptoativos são geralmente excluídas da incidência do imposto sobre valor agregado (IVA/ICMS). Assim, a alienação de criptoativos por mineradoras ou plataformas de negociação (exchanges) não atrai, em regra, a incidência de ICMS, estando apenas sujeita à tributação pelo imposto de renda sobre o lucro auferido.

Importa salientar, contudo, que se os criptoativos forem utilizados como meio de pagamento na aquisição de bens tangíveis, o ICMS incidirá normalmente sobre a operação de saída da mercadoria. Juridicamente, trata-se de uma permuta: o vendedor recebe criptoativos em contraprestação, mas a operação se mantém sujeita ao ICMS, nos termos do art. 162, I, do Código Tributário Nacional.

e) Impostos Municipais - ISS:

O Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS) incide sobre as atividades elencadas na lista anexa à Lei Complementar 116/03. A alienação de criptoativos, por si só, não configura prestação de serviço, e, portanto, não enseja a incidência do ISS.

A atividade de mineração, igualmente, não se amolda à definição de prestação de serviço tributável, por ausência de tomador identificável: a obtenção de criptoativos como recompensa é fruto de atividade autônoma, comparável à geração de bem novo, e não à contraprestação por serviço prestado. O mesmo se aplica às taxas de transação recebidas de forma descentralizada, sem vínculo contratual com beneficiário específico.

Contudo, atividades acessórias relacionadas a criptoativos podem, sim, ser alcançadas pelo ISS. Por exemplo, serviços de consultoria em criptoativos, assessorias tecnológicas envolvendo blockchain, corretagem ou intermediação em plataformas de negociação - todas essas hipóteses integram a lista de serviços tributáveis, como nos itens de "agenciamento", "intermediação" ou "gestão de negócios", sujeitando-se à alíquota municipal aplicável (geralmente entre 2% e 5%).

Cita-se, a título ilustrativo, o Município de São Paulo, que já manifestou entendimento no sentido da incidência do ISS sobre a taxa de corretagem cobrada por exchanges de criptoativos, equiparando tal atividade ao item 10.02 da lista da LC 116/03. Em síntese, enquanto a negociação direta de criptoativos não enseja ISS, os serviços correlatos prestados a terceiros estão submetidos à tributação municipal correspondente.

f) Outros Tributos Possivelmente Envolvidos:

A depender do contexto de utilização dos criptoativos, outros tributos podem ser desencadeados. Destacam-se, entre eles, o Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD), de competência estadual, cuja incidência ocorre nas transmissões gratuitas de criptoativos - como em doações realizadas por holdings familiares -, à alíquota variável entre 2% e 8%, conforme a legislação estadual aplicável.

Também merece atenção a hipótese de Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF) em pagamentos ao exterior. Caso uma empresa brasileira contrate serviços de não residente e efetue o pagamento em criptomoeda, o valor correspondente permanece sujeito à retenção do IRRF, bem como, eventualmente, da CIDE, com base no valor em reais atribuído ao criptoativo transferido. O pagamento em criptoativo não afasta a obrigação de retenção tributária, sob pena de autuação fiscal.

Dessa forma, o planejamento tributário envolvendo criptoativos deve abranger a totalidade da cadeia de incidência tributária, assegurando que a inovação tecnológica na forma de pagamento ou investimento não resulte em descumprimento das obrigações fiscais tradicionais.

Enquadramento Contábil e Fiscal dos Criptoativos Conforme a Natureza da Operação Empresarial

A forma de utilização dos criptoativos pelas sociedades empresárias, bem como o seu respectivo tratamento contábil, exerce influência direta sobre os efeitos tributários incidentes. A depender da finalidade e da frequência das operações, distintas classificações contábeis e fiscais podem ser aplicadas, conforme se delineia a seguir:

a) Mineração de Criptoativos:

A atividade de mineração consiste na validação de blocos em redes descentralizadas, sendo o minerador recompensado por meio da emissão de novas unidades de criptomoedas ou do recebimento de comissões. No âmbito empresarial, os criptoativos obtidos por essa via podem ser equiparados a produtos oriundos do processo produtivo da empresa.

Sob o aspecto contábil, admite-se o reconhecimento dos criptoativos minerados como estoques (ativo circulante), mensurados pelo custo de produção, o qual engloba despesas com equipamentos, energia elétrica e demais insumos utilizados na atividade de mineração. Alternativamente, há posicionamentos que os classificam como ativos intangíveis gerados internamente, em virtude da ausência de tangibilidade e da natureza digital desses bens.

Em virtude da ausência de norma contábil brasileira específica sobre o tema, a classificação tem sido realizada com base nos pronunciamentos contábeis correlatos - notadamente o CPC 16 (Estoques), o CPC 04 (Ativos Intangíveis) - e nas orientações internacionais, como a IFRIC 12, vinculada ao IFRS, que sugere a classificação dos criptoativos como intangíveis, salvo quando mantidos com o propósito de venda no curso ordinário das operações, hipótese em que seriam considerados estoques.

Assim, caso a empresa mineradora tenha como objeto social a comercialização dos criptoativos obtidos, é plausível a classificação como estoques, reconhecendo-se receita no momento da alienação e sujeitando-se os resultados ao regime de tributação de lucros operacionais.

No plano fiscal, a alienação desses criptoativos constitui receita bruta tributável para fins de IRPJ e CSLL, e, dependendo da natureza da operação, pode atrair a incidência de PIS/COFINS, conforme anteriormente exposto. Por outro lado, não se verifica, em regra, a incidência de ICMS ou ISS, por não se tratar de mercadoria típica nem de prestação de serviço. Caso a empresa opte por manter os criptoativos obtidos como forma de investimento, admite-se seu registro como ativo intangível de longa duração (ativo não circulante), submetendo-se, nesse caso, a tributação sobre eventual ganho de capital apenas no momento da alienação.

Independentemente da classificação adotada, os dispêndios relacionados à atividade de mineração - tais como energia elétrica, manutenção e depreciação de equipamentos - podem ser considerados despesas dedutíveis na apuração do lucro real, desde que devidamente escrituradas.

b) Compra e Venda (Trading) de Criptoativos:

Diversas empresas, embora não atuem na produção de criptoativos, realizam operações de aquisição e alienação destes ativos, seja como estratégia de tesouraria, seja como atividade de natureza especulativa.

A classificação contábil dependerá da intenção da empresa e da frequência das operações. Quando a sociedade empresária atua como trader habitual ou como exchange, os criptoativos podem ser tratados como estoques - bens circulantes destinados à revenda. Nesse contexto, cada alienação enseja o reconhecimento de receita operacional e correspondente custo de venda, integrando-se o resultado à base de cálculo do lucro tributável ordinário.

Alternativamente, se os criptoativos forem adquiridos com finalidade de investimento eventual, tendem a ser classificados como ativos intangíveis ou financeiros. Há, inclusive, debate técnico sobre a possibilidade de certos tokens configurarem ativos financeiros, embora, diante da inexistência de legislação específica, prevaleça a classificação como intangíveis de vida útil indefinida. Nessa hipótese, os ativos são contabilizados ao custo de aquisição, podendo ser reavaliados a valor justo mediante adoção voluntária, desde que em conformidade com as normas contábeis aplicáveis.

A alienação desses ativos enseja o reconhecimento de ganho ou perda no resultado do exercício, correspondente à diferença entre o valor de venda e o valor contábil registrado. No regime de lucro real, os ganhos apurados deverão ser acrescidos à base tributável (tributação total de 34%), sendo facultado o aproveitamento de eventuais perdas para fins de compensação, desde que observados os limites legais e a caracterização da despesa como necessária ou da perda como efetiva.

A Receita Federal do Brasil, por meio da Solução de Consulta COSIT 214/21, firmou entendimento no sentido de que mesmo as permutas entre criptoativos, sem conversão em moeda corrente, configuram eventos de realização de ganho de capital. Portanto, cada operação de troca deve ser tratada como se houvesse alienação de um ativo e aquisição de outro, exigindo-se a apuração do resultado em reais.

Esse tratamento demanda controle contábil minucioso dos custos unitários dos ativos, com adoção de métodos como PEPS (primeiro a entrar, primeiro a sair) ou média ponderada, em linha com os critérios utilizados para ações e mercadorias fungíveis.

Em síntese, operações frequentes de trading sujeitam-se ao mesmo regime tributário das empresas comerciais ou financeiras, enquanto aquisições esporádicas podem ser geridas como ativos não circulantes, com incidência tributária diferida para o momento da alienação.

c) Utilização como Meio de Pagamento:

Quando a empresa utiliza criptoativos como instrumento de pagamento a fornecedores, ou os recebe como forma de pagamento por bens ou serviços prestados, incidem efeitos contábeis e fiscais específicos.

Na hipótese de pagamento a fornecedores, configura-se a baixa de um ativo (criptoativo) para extinção de um passivo. A eventual diferença entre o valor contábil do criptoativo e o valor do passivo liquidado deve ser reconhecida como ganho ou perda no resultado, conforme a valorização ou desvalorização do ativo desde sua aquisição.

No caso de recebimento de criptoativos como pagamento de clientes, a empresa deverá emitir o documento fiscal correspondente, com base no valor em reais da operação na data da transação. A moeda digital, nesse caso, atua apenas como meio de liquidação, não alterando a natureza da operação subjacente. Assim, os tributos incidentes (ICMS ou ISS, PIS/COFINS e IRPJ/CSLL) devem ser calculados com base no valor em reais da receita auferida.

Nos termos do art. 258 do Regulamento do Imposto de Renda (RIR/2018) e dos princípios contábeis vigentes, o valor do criptoativo recebido deve ser convertido para reais com base na cotação de mercado na data do recebimento, reconhecendo-se o respectivo montante como receita tributável.

Eventuais ganhos financeiros podem advir da economia de taxas de intermediários financeiros (cartões ou transferências bancárias), e, se os criptoativos recebidos forem mantidos em carteira e posteriormente valorizarem, o ganho será tributado apenas na ocasião da alienação.

Importante observar que, em operações internacionais liquidadas por meio de criptoativos, permanecem válidas as normas de comércio exterior. Apesar de tecnicamente não se qualificarem como operações de câmbio reportáveis ao Banco Central, tais transações devem ser registradas contabilmente pelo valor correspondente em reais, observando-se, ainda, eventuais obrigações acessórias aduaneiras.

O uso de criptoativos como meio de pagamento, portanto, pode representar vantagem operacional - como a não incidência de IOF - e postergar os efeitos tributários sobre variações de valor, sem, contudo, afastar a incidência dos tributos ordinários sobre a operação mercantil ou de prestação de serviço.

d) Criptoativo como Reserva de Valor (Investimento de Tesouraria):

Determinadas empresas optam por alocar parcela de seus recursos em criptoativos, com a finalidade de constituí-los como reserva de valor ou investimento de longo prazo, em posição análoga à aquisição de commodities como o ouro.

Nesses casos, a classificação contábil recai, em regra, sobre o ativo intangível não amortizável ou investimento de longa duração, conforme a natureza do ativo e a política contábil adotada. A mensuração poderá ocorrer ao custo histórico, sendo o valor de mercado divulgado apenas em notas explicativas, especialmente em companhias abertas, salvo se adotada a mensuração a valor justo conforme o IFRS 9 - hipótese controversa diante da ausência de consenso sobre a qualificação do criptoativo como instrumento financeiro.

No âmbito tributário, não incide tributação sobre a valorização não realizada desses ativos, o que permite diferir os efeitos fiscais até o momento da alienação ou desinvestimento parcial. Essa característica difere dos investimentos financeiros tradicionais, sujeitos a regimes de tributação periódica (como o come-cotas em fundos de investimento ou IR sobre cupons em renda fixa).

Algumas holdings patrimoniais têm utilizado essa estrutura para acumular valor em criptoativos - como o Bitcoin - visando realizar ganhos em momentos estrategicamente mais oportunos, diluindo o impacto fiscal ao longo do tempo.

Ressalte-se, todavia, que eventual desvalorização relevante e prolongada do criptoativo poderá justificar o reconhecimento contábil de perda por impairment. Caso caracterizada como perda permanente e comprovadamente irrecuperável, admite-se sua dedutibilidade para fins de apuração do lucro real, observadas as exigências probatórias da Receita Federal.

Finalmente, o adequado compliance dessas operações exige documentação robusta das aquisições (tais como comprovantes de exchanges e recibos de transferência), com vistas à conformidade contábil e à prestação de informações ao Fisco.

Escrituração Contábil e Obrigações Acessórias Relativas aos Criptoativos

A adequada escrituração contábil e o rigor no cumprimento das obrigações acessórias relacionadas às operações com criptoativos são imperativos para garantir a conformidade tributária das empresas. O ordenamento jurídico brasileiro impõe que todas as movimentações economicamente relevantes sejam devidamente refletidas na contabilidade, em observância aos princípios da competência, da materialidade e da prevalência da essência econômica sobre a forma. No âmbito fiscal, a Receita Federal do Brasil (RFB) tem intensificado os mecanismos de rastreabilidade das operações envolvendo criptoativos, por meio da imposição de obrigações acessórias específicas, conforme se delineia:

a) Instrução Normativa RFB 1.888/19:

A mencionada Instrução Normativa instituiu a obrigatoriedade de reporte à RFB das operações realizadas com criptoativos. Em vigor desde agosto de 2019, estabelece que as exchanges domiciliadas no território nacional devem, mensalmente, prestar informações detalhadas ao Fisco acerca das transações efetuadas por seus clientes, incluindo dados como os valores negociados, os tipos de criptoativos, as datas das operações, os titulares envolvidos, entre outros.

Além disso, pessoas físicas ou jurídicas residentes ou domiciliadas no Brasil que realizarem transações com criptoativos por meio de exchanges estrangeiras, ou diretamente entre partes (operações peer-to-peer), estão obrigadas a prestar essas informações quando o volume mensal transacionado ultrapassar o montante de R$ 30.000,00. Nessa hipótese, o declarante deverá, até o último dia útil do mês subsequente, submeter as informações por meio do sistema e-CAC, indicando o tipo de operação (compra, venda, permuta, doação, pagamento), o criptoativo negociado, o valor correspondente em reais, os endereços das carteiras digitais envolvidas, dentre outros dados exigidos.

O descumprimento dessa obrigação acessória sujeita o infrator à imposição de penalidades pecuniárias, que, no caso das pessoas jurídicas, podem atingir até 3% do valor da operação não declarada corretamente. Destaca-se, ademais, que a IN 1.888/19 tem sido objeto de alterações visando à ampliação de seu escopo, incluindo novos tipos de criptoativos (como os tokens não fungíveis - NFTs) e prevendo futura harmonização com os parâmetros internacionais do Crypto-Asset Reporting Framework (CARF), promovido pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

Para as empresas, o cumprimento rigoroso da referida norma é essencial, não apenas para evitar penalidades, mas também para assegurar que as informações prestadas estejam alinhadas com as declarações de receitas submetidas à apuração do IRPJ e da CSLL. Assim, a integração entre os sistemas internos da companhia e a escrituração contábil é indispensável para garantir a fidelidade das informações reportadas e a sua rastreabilidade em eventual procedimento fiscalizatório.

b) Declarações de Imposto de Renda e Demonstrações Contábeis:

Independentemente das obrigações acessórias previstas na IN 1.888/19, é dever das pessoas jurídicas refletirem os criptoativos em suas demonstrações financeiras e nas declarações fiscais anuais. No caso das empresas submetidas ao regime de tributação pelo lucro real, os resultados obtidos com criptoativos já deverão estar incorporados aos livros contábeis transmitidos via Escrituração Contábil Digital (ECD) e Escrituração Contábil Fiscal (ECF).

Recomenda-se, ainda, a inclusão de informações específicas nas notas explicativas das demonstrações financeiras, especialmente quanto à posição em criptoativos mantida pela entidade (quantidade, classificação e valor de mercado), dada a materialidade potencial desses ativos.

Para fins de controle patrimonial, a Receita Federal instituiu códigos próprios na ficha de "Bens e Direitos" da Declaração de Ajuste Anual do Imposto de Renda, aplicáveis tanto a pessoas físicas quanto a pessoas jurídicas imunes ou isentas obrigadas à entrega da DIPJ. Esses códigos segregam os ativos digitais por categoria - Bitcoin, outras criptomoedas, stablecoins, NFTs, etc. -, o que torna recomendável a segregação contábil dos criptoativos segundo essa classificação oficial.

As empresas que mantêm criptoativos no exterior também devem observar a obrigatoriedade de entrega da Declaração de Capitais Brasileiros no Exterior (DCBE) ao Banco Central, caso o valor total dos ativos ultrapasse US$ 1.000.000,00 na data-base de 31 de dezembro. Segundo entendimento amplamente aceito, criptoativos custodiados fora do território nacional - em wallets privadas ou em exchanges estrangeiras - se enquadram como "demais ativos" passíveis de declaração.

c) Documentação e Lastro Fiscal das Operações:

Ainda que inexistam documentos fiscais específicos para criptoativos - como, por exemplo, uma "nota fiscal de Bitcoin" -, é recomendável que as empresas emitam documentos fiscais convencionais com indicação expressa do recebimento ou pagamento em criptoativos, para fins de cumprimento das obrigações tributárias relativas ao ICMS, ao ISS e à escrituração obrigatória.

No caso de aquisição de bens ou serviços mediante pagamento em criptoativos, é prudente consignar, nos contratos ou nas notas fiscais, que a quitação foi realizada por meio de transferência do criptoativo "X", no valor de R$ "Y", na data especificada, como forma de conferir robustez probatória à operação para eventual auditoria ou fiscalização.

Contabilmente, a escrituração deve refletir com exatidão as naturezas das operações. Por exemplo: no recebimento de criptoativo em contraprestação por produto ou serviço, deve-se registrar débito no ativo (criptoativo) e crédito em receita. Na hipótese de pagamento com criptoativo, registra-se crédito no ativo e débito na conta correspondente à despesa ou ao estoque.

O Livro Razão e os livros auxiliares devem conter informações detalhadas sobre as conversões monetárias, datas das operações, metodologia de avaliação e bases de cálculo tributário, de modo a permitir a completa reconstituição do evento econômico em caso de fiscalização.

d) Alinhamento às Normas da Receita Federal e Auditoria Preventiva:

O adequado cumprimento das obrigações tributárias relativas aos criptoativos pressupõe permanente atualização quanto às orientações expedidas pela Receita Federal. A administração tributária tem publicado periodicamente compilações de perguntas e respostas sobre a matéria e, recentemente, tem intensificado ações fiscalizatórias sobre o setor - a exemplo da operação "Cripto-Conforme", voltada à verificação da regularidade tributária de exchanges e usuários, em 2024.

Casos concretos de autuações fiscais e decisões judiciais autorizando a penhora de criptoativos para satisfação de débitos tributários demonstram que tais ativos estão, de forma inequívoca, sob o escrutínio do Poder Público.

Nesse cenário, recomenda-se que as empresas adotem uma postura proativa de compliance, mediante a conciliação entre os registros contábeis internos e os dados registrados em blockchain, a verificação sistemática do cumprimento das obrigações acessórias (IN 1.888/2019, DCBE, ECD, ECF), e a correção voluntária de eventuais omissões ou inconsistências detectadas - sendo certo que a referida Instrução Normativa prevê redução de penalidades caso as informações sejam retificadas antes do início de procedimento fiscal formal.

Essa conduta diligente reforça a validade jurídica do planejamento tributário adotado e reduz o risco de sua desqualificação por ausência de transparência ou por descumprimento de deveres instrumentais, assegurando maior segurança jurídica à estratégia empresarial.

Empresas Beneficiadas e Aplicabilidade Geral dos Criptoativos no Planejamento Tributário

Embora, em tese, qualquer pessoa jurídica possa empregar criptoativos como instrumento de planejamento tributário, determinadas estruturas empresariais demonstram-se particularmente propensas a extrair benefícios mais evidentes dessa prática, conforme os seguintes perfis:

a) Empresas Exportadoras e Importadoras:

Sociedades empresárias inseridas no comércio internacional encontram nos criptoativos uma ferramenta eficiente para a realização de recebimentos e pagamentos transnacionais. Empresas exportadoras podem pactuar o recebimento de valores em criptomoedas de clientes estrangeiros, mantendo os ativos no exterior ou promovendo sua conversão em moeda nacional conforme a conveniência de seu fluxo de caixa. Tal flexibilidade contribui para a mitigação de riscos cambiais entre o momento da concretização da exportação e a efetiva disponibilidade dos recursos, além de permitir a economia com tarifas bancárias e a não incidência imediata do IOF nas operações de ingresso de capitais.

Analogamente, empresas importadoras e demais entidades com cadeias globais de suprimentos podem utilizar criptoativos como meio de pagamento a fornecedores internacionais, otimizando a liquidação das obrigações e, potencialmente, negociando melhores condições contratuais - prazos ou preços - em razão da celeridade e irreversibilidade da liquidação cripto.

Em ambas as hipóteses, a exposição parcial a criptoativos pode funcionar como mecanismo de proteção cambial (hedge), considerando que determinadas criptomoedas apresentam valorização em cenários de perda de confiança em moedas fiduciárias, atuando, portanto, como reserva de valor em ambiente volátil.

b) Holdings e Veículos de Investimento:

Sociedades do tipo holding, especialmente aquelas de caráter familiar ou estruturadas no exterior (offshore), têm identificado nos criptoativos uma alternativa eficiente para preservação, gestão e transferência patrimonial. Holdings patrimoniais podem alocar parte de seus ativos em criptomoedas com alta liquidez, como estratégia complementar ou substitutiva a investimentos em ações ou títulos mobiliários.

No contexto de reorganizações societárias intragrupo, a transferência de criptoativos entre controladora e controlada pode ocorrer com base no valor contábil, evitando-se, assim, a incidência imediata de tributação, desde que observadas as condições legais de neutralidade fiscal. Além disso, para fins de planejamento sucessório, a natureza digital e a portabilidade internacional dos criptoativos facilitam a administração de bens em múltiplas jurisdições, desde que respeitada a legislação de cada país envolvido, especialmente no que se refere à declaração de ativos e à observância de normas internacionais anti-elisivas.

É oportuno lembrar que, na transmissão causa mortis, incide o Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD). Todavia, em algumas jurisdições onde holdings offshore são estabelecidas, inexiste tributação sucessória, o que, somado à utilização de criptoativos, pode ensejar significativa redução da carga tributária global sobre heranças, desde que o planejamento atenda aos requisitos legais de substância, transparência fiscal e respeito às regras de preços de transferência.

c) Empresas de Tecnologia e Startups:

O setor tecnológico, por sua natureza inovadora, tem sido protagonista na adoção de criptoativos como instrumento de financiamento e operação. Startups fintechs ou de base tecnológica frequentemente utilizam mecanismos alternativos de captação, como Initial Coin Offerings (ICOs) ou emissão de tokens, em substituição às formas tradicionais de equity.

Tais mecanismos podem diluir menos o capital dos fundadores e, em determinadas situações, postergar ou evitar tributos incidentes sobre aportes convencionais - como o IOF na entrada de capital estrangeiro ou a tributação sobre dividendos - uma vez que os investidores frequentemente só auferem ganho com a valorização dos tokens adquiridos.

Sob a ótica do planejamento tributário, startups também podem valer-se dos criptoativos para remunerar colaboradores ou prestadores de serviço no exterior, simplificando os fluxos de pagamento e reduzindo a carga tributária incidente sobre remessas internacionais, desde que observadas as normas trabalhistas e previdenciárias, que ainda carecem de regulamentação específica para a remuneração em ativos digitais.

Empresas de tecnologia mais consolidadas, por sua vez, vêm alocando parte de sua liquidez em criptoativos como estratégia de diversificação de portfólio e busca por rentabilidades superiores às das aplicações financeiras tradicionais. Casos notórios no exterior, como os de Tesla e MicroStrategy, foram amplamente divulgados, e no Brasil já há exemplos de companhias abertas que declararam posições modestas em criptoativos, sempre com enfoque em gestão de riscos.

d) Negócios Intensivos em Propriedade Intelectual:

Sociedades empresárias cujo core business reside em ativos intangíveis - como licenciamento de software, franquias, direitos autorais e similares - podem utilizar criptoativos para simplificar a liquidação de fluxos de royalties entre licenciantes e licenciados localizados em diversas jurisdições, reduzindo a burocracia e aumentando a eficiência da operação.

Por exemplo, um desenvolvedor de software estabelecido no Brasil, que licencia seu produto internacionalmente, pode receber pagamentos em criptomoeda de clientes estrangeiros, consolidando esses valores em uma holding internacional, com posterior remessa controlada ao território nacional, conforme as necessidades operacionais. Tal estrutura permite postergar o reconhecimento de lucros tributáveis, desde que respeitada a legislação fiscal, evitando-se qualquer configuração de dissimulação ou ocultação patrimonial.

Essa modalidade de operação exige planejamento jurídico rigoroso, que assegure o cumprimento dos requisitos legais em todas as jurisdições envolvidas, bem como a consistência documental e contratual necessária à legitimação da estratégia perante a fiscalização tributária.

Embora os segmentos acima destacados se beneficiem de forma mais direta da utilização dos criptoativos, é importante ressaltar que sua aplicação não se restringe a setores específicos. Qualquer empresa, independentemente do porte ou ramo de atividade, pode, em tese, integrar criptoativos ao seu planejamento tributário, desde que o faça com o suporte técnico adequado e em estrita conformidade com as normas legais.

A universalidade da tecnologia blockchain permite aplicações em setores diversos, desde o agronegócio - em que cooperativas podem lançar moedas digitais próprias para facilitar trocas internas - até o varejo, com a adoção de programas de fidelidade baseados em tokens.

A viabilidade da estratégia, portanto, não reside na natureza do setor econômico, mas na aderência legal, na motivação negocial legítima e na consistência documental do planejamento implementado. A assessoria de profissionais especializados - advogados tributaristas, contadores e consultores regulatórios - é essencial para assegurar que o uso de criptoativos se dê dentro dos limites legais, com respeito aos princípios da transparência, da boa-fé e da substância econômica.

Considerações Finais

A inserção dos criptoativos na esfera do planejamento tributário empresarial no Brasil representa uma manifestação concreta da confluência entre inovação tecnológica no setor financeiro e as estratégias de otimização fiscal lícita. Conforme exaustivamente analisado, as criptomoedas revelam-se instrumentos aptos a viabilizar a elisão tributária, seja pela postergação dos fatos geradores, seja pela redução legítima da carga tributária incidente, oferecendo ainda vantagens complementares, como a eficiência operacional nas transações internacionais, a mitigação de riscos cambiais e a proteção patrimonial frente à instabilidade econômica.

Tais benefícios, contudo, coexistem com desafios jurídicos de elevada complexidade. O marco normativo aplicável ao tema encontra-se em constante evolução, carecendo de regulamentação específica e uniforme, o que impõe ao contribuinte uma postura de rigorosa conformidade com as obrigações acessórias estabelecidas - a exemplo da Instrução Normativa RFB 1.888/19 -, sob pena de desqualificação do planejamento e aplicação de sanções fiscais relevantes.

A linguagem técnico-jurídica empregada ao longo desta análise não se presta apenas a conferir densidade conceitual ao tema, mas é reflexo da sofisticação das questões envolvidas - que abrangem desde a classificação contábil adequada dos criptoativos até a integração sistemática com os regimes jurídicos aplicáveis ao IRPJ, CSLL, PIS/COFINS, ICMS, ISS, IOF, entre outros tributos.

Nesse contexto, impõe-se ao operador do direito, bem como ao gestor empresarial, a necessidade de fundamentação sólida de cada decisão estratégica adotada, com respaldo doutrinário e jurisprudencial, aliada ao acompanhamento contínuo das manifestações interpretativas das autoridades fiscais e do Poder Judiciário. Somente por meio desse embasamento técnico é possível delinear, com segurança jurídica, os limites do uso de criptoativos no planejamento tributário, evitando incursões em práticas que possam ser caracterizadas como abusivas ou evasivas.

Em arremate, os criptoativos podem, sim, ser legitimamente incorporados à arquitetura tributária das empresas como ferramenta de otimização fiscal. Todavia, sua utilização exige elevados padrões de prudência, rigor técnico, transparência contábil e fiscal, bem como orientação especializada permanente. A inovação, nesse cenário, deve ser compreendida como instrumento de eficiência econômica e legalidade, e jamais como subterfúgio para elidir indevidamente obrigações perante o Fisco. A convergência entre tecnologia, estratégia jurídica e conformidade normativa delineia o único caminho possível para o aproveitamento seguro e eficaz dos criptoativos no ambiente empresarial contemporâneo.

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BRASIL. Receita Federal do Brasil. Instrução Normativa RFB nº 1888, de 3 de maio de 2019. Dispõe sobre a obrigatoriedade de prestação de informações relativas às operações realizadas com criptoativos. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 07 maio 2019. Disponível em: http://normas.receita.fazenda.gov.br/sijut2consulta/anexoOutros.action?idArquivoBinario=104408 Acesso em: 25 mar. 2025.

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Gilmara Cristina Nagurnhak

VIP Gilmara Cristina Nagurnhak

Gilmara Nagurnhak é advogada e fundadora do Escritório de Advocacia & Assessoria Empresarial Mestranda e especialista em Direito Tributário, com formação pela PUCRS.

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