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Os bancos e a concessão do "crédito do trabalhador", à luz da EAD

Se a sociedade não cooperar com as problemáticas que tangenciam o mercado de crédito, podemos vislumbrar um cenário de escassez, cujos impactos socioeconômicos são péssimos.

sexta-feira, 4 de abril de 2025

Atualizado às 13:34

1. A importância socioeconômica do consignado privado

O governo Federal, visando fomentar a economia e propiciar a concessão de crédito aos trabalhadores, editou a MP 1.292 de 12/3/25, cujo art. 1º reza: "Esta Medida Provisória altera as disposições sobre as operações de crédito consignado de empregados regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, aprovada pelo Decreto-Lei n. 5.452, de 1º de maio de 1943, de trabalhadores regidos pela Lei nº 5.889, de 8 de junho de 1973, e pela Lei Complementar n. 150, de 1º de junho de 2015, e de diretores não empregados com direito ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço - FGTS, e dispõe sobre a operacionalização das operações de crédito consignado por meio de sistemas ou de plataformas digitais."

O novo crédito consignado privado foi batizado de "crédito do trabalhador" e consiste em uma operação de empréstimo, cuja garantia é o desconto no contracheque do tomador do crédito (leia-se: do empregado contratante). Com os descontos diretamente na fonte pagadora da remuneração, os riscos de inadimplência são mitigados e, consequentemente, os juros são mais baixos do que em outras operações de créditos. A associação brasileira de recursos humanos complementa:

Desde o dia 21 de março, a MP 1292/25 autoriza operações de crédito consignado para trabalhadores do setor privado, com carteira assinada, em plataformas digitais de instituições financeiras. Também conhecida como "Crédito do Trabalhador", a MP tem validade de 60 dias e passa agora por análise no Congresso Nacional. "Este crédito oferecido a juros baixos diminui o controle que o trabalhador tem sobre sua própria renda mensal e está preocupando o RH das empresas", afirma Inês Restier, diretora financeira da ABRH-SP.

A MP 1292/25 define o limite de comprometimento da renda do trabalhador em até 35% do salário para o pagamento das parcelas. O empregado pode usar até 10% do saldo do FGTS como garantia ou até 100% da multa de rescisão, em caso de demissão sem justa causa, que corresponde a 40% do valor do saldo. O desconto das prestações é efetuado diretamente na folha de pagamento pelo eSocial.1

Uma política de crédito acessível, rápido e com um custo reduzido à classe trabalhadora é louvável, no aspecto de efetivar a função social das empresas. Aqui, esqueçamos qualquer ideologia política ou viés politiqueiro; não é este o propósito das reflexões que ora nos debruçamos.

Em menos de um mês, o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal ultrapassam um bilhão de reais em novas concessões de créditos privados, numa demonstração de um mercado promissor e uma capilaridade vasta. Sem contar que outros bancos devem entrar na operação e que futuramente serão oportunizadas outras modalidades de contratações, a exemplo de refinanciamentos; portabilidade de créditos; cessão de créditos; etc.

Caixa e Banco do Brasil superam R$ 1 bilhão em empréstimos no consignado privado

A Febraban - Federação Brasileira de Bancos informou à Folha que a concessão total já superou R$ 2 bilhões, mostrando tração e apetite no início do novo consignado, no último dia 21. A entidade afirma que estão sendo feitos ajustes e avanços operacionais importantes em conjunto com o governo.

Batizado de Crédito do Trabalhador, o programa é ofertado na plataforma do eSocial, onde os trabalhadores com carteira assinada têm acesso às taxas oferecidas pelos bancos e fintechs, e podem compará-las na hora de decidir contratar o empréstimo.

Em nota, o diretor de empréstimos e financiamentos do BB, Antonio Chiarello, diz que é importante que o trabalhador avalie bem todas as propostas recebidas, comparando de forma qualitativa as condições dos empréstimos oferecidos, a exemplo do valor disponibilizado, taxas de juros, prazos de pagamento e custo efetivo total.2

Para além do aquecimento do mercado financeiro e do fomento à economia do país, uma política de crédito acessível, rápido e com um custo reduzido à classe trabalhadora também é louvável no aspecto de efetivar a dignidade humana. Significa que o crédito do trabalhador fomenta desenvolvimento ao país e garante cidadania aos trabalhadores. A propósito, o site Valor Econômico publicou a matéria "Trabalhador com nome sujo pode pedir o novo empréstimo consignado privado?":

O Banco do Brasil diz que seu programa prevê que qualquer empregado via CLT pode solicitar o empréstimo por meio do app da Carteira de Trabalho Digital. A instituição já desembolsou mais de R$ 600 milhões em operações desde 21 de março, em mais de 3.000 municípios de todas as regiões do país.

"As condições de oferta envolvem atributos relacionados ao valor e o prazo de cada empréstimo, a combinação integrada das variáveis, informações e perfil das empresas e dos trabalhadores em cada relação de vínculo e a observância das políticas de crédito", informa o banco.

(...)

A Caixa Econômica Federal não detalhou se libera o crédito para quem está com o nome sujo, mas informou ter taxas entre 1,60% e 3,17% ao mês, a depender da análise de crédito do cliente.

Segundo o banco, para definir a contratação, a Caixa realiza, de forma permanente, "análise estratégica e estudos de rentabilidade e sustentabilidade do negócio".

Um gerente de uma agência da Caixa visitada pela reportagem afirmou que, na etapa da proposta de crédito no aplicativo da Carteira de Trabalho Digital, os bancos ainda não têm informações sobre o histórico de pagamento do cliente, e por isso a análise é feita depois, em até cinco dias úteis após a solicitação.

"Tem gente que, mesmo com restrição no crédito, consegue fazer, outros são recusados. É feita uma análise de risco, o banco verifica o score [de crédito], o histórico, se o cliente ficou muitos anos inadimplente", afirma o funcionário, que pediu para não ser identificado.3

Antes de passarmos a refletir sobre os riscos da operação e as precauções que os bancos devem tomar para dar sustentabilidade à mesma, vamos abrir um pequeno parênteses para responder àqueles que são contra essa política creditícia, alegando que isso só causa pobreza e endividamento. Vamos alcunhar de síndrome do coitadismo.

Em primeiro lugar, não há obrigação alguma de se tomar o crédito. Em segundo lugar, não devemos tratar exceções como se fossem regras e tão pouco dar ouvidos aos extremismos rasos de quem não pensa coletivamente. Pois bem, aos que se encontram em uma situação de (super) endividamento, há meios legais e administrativos para se negociar, reorganizar financeiramente e seguir com uma vida saudável economicamente. Inclusive, em razão do custo do crédito consignado privado ser mais baixo, os trabalhadores poderão pagar outros empréstimos e financiamentos, onde as taxas são maiores.

Hoje, data que se popularizou como "o dia da mentira", não cogitamos qualquer justificativa para contrariar o fomento ao "crédito do trabalhador", seja pela ausência de plausibilidade e razoabilidade, seja pela ausência de fundamentos analíticos e macro contextualizados. A verdade é que o consignado privado carrega consigo uma importante função social, com a capacidade de socorrer o trabalhador que estava se afogando em dívidas.

Ultrapassado tal parênteses, é preciso combater a síndrome do avestruz e tratar de aspectos que tangenciam a operação do crédito consignado e causam riscos à sua sustentabilidade. Para tanto, faremos uma abordagem que não é tão explorada pelos operadores das ciências jurídicas: o consignado privado sob a ótica da EAD.

2. Os cuidados que os bancos devem ter com a operação, sob a ótica da análise econômica do Direito

No livro "Crédito Consignado: privilégio ou malefício aos aposentados e pensionistas do INSS e aos beneficiários do BPC - LOAS?", fruto de nossa dissertação de mestrado em Direito e Desenvolvimento Sustentável, concluímos que o crédito consignado tem uma salutar importância desenvolvimentista a brasileira, onde andam de mãos dadas os aspectos social e econômico:

Então, sem disneilandizar o patamar de efetividade do Estado Brasileiro, no que tange ao aspecto do progresso socioeconômico e desprendidos do complexo do vira lata (aqueles que pensam que lucro é sinônimo de pecado), a conclusão da presente pesquisa é a de que o crédito consignado deve ser considerado um benefício eficiente, que resguarda o princípio da esperança em nosso Brasil.

Fonte: Rodrigues, 2024, p. 146.

Levando-se em conta, para fins didáticos, que o crédito consignado representa um benefício sistêmico, precisamos refletir sobre a sua sustentabilidade e, consequentemente, tapar ao máximo os possíveis gargalos operacionais e mercadológicos.

Um dos calos em qualquer operação contratual envolvendo consignado são as fraudes. Mesmo com os contratos digitais inteligentes (ou smart contracts), os estelionatários de plantão se reinventam e conseguem fraudar. Na maioria das vezes eles ("os 171") conseguem enganar os tomadores de créditos. Estes, são vítimas por fornecerem seus documentos de bom grado; por apor suas firmas com total boa fé, mas desconhecendo o teor do que estão assinando; por "emprestarem" suas contas bancárias, pensando que estão ajudando uma pessoa próxima (muitas vezes um familiar); etc.

Essas operações fraudadas causam prejuízos e desaguam em reclamações e processos administrativos, além de uma alta judicialização, aumentando sobremaneira o custo do negócio e sobrecarregando um já abarrotado sistema judicial. Com isso, por óbvio, fomentam a majoração das taxas de juros, em função do cenário de piora do fator "risco crédito". Aqui, cabe mencionar o jargão popularizado "não existe almoço grátis".

Neste mote, fazendo uma perfunctória análise econômica do direito, o pior cenário ocorre quando o fator "risco crédito" está alto e acarreta no desestímulo ao mercado de concessão de créditos. O resultado pode ser a escassez do consignado privado, uma vez que os bancos não podem ser obrigados a continuar disponibilizando o crédito, por uma questão de liberalidade, motivados no Direito Constitucional da livre iniciativa (art. 1º, IV e art. 170, da Carta Magna de 1988). Sem contar que os bancos, conceitual e principiologicamente, trabalham com o dinheiro dos seus clientes (destacando-se os investidores, sejam públicos ou privados), de modo que não devem alocar os recursos, onde se vislumbre um cenário de preocupação ou calamidade financeira.

Com a escassez de crédito barato, quem finda pagando a conta é a população. De forma direta e imediata, o empregado perde o direito de contratar o "crédito do trabalhador". Com o dinheiro deixando de circular, perde a economia e todo o sistema que lhe é envolto (comércio, impostos, macro e micro desenvolvimento, etc.). Perde o país, como um todo!

Falando em riscos, o inadimplemento e a dificuldade na recuperação do crédito se destacam no aspecto do duration do negócio. Outra preocupação que os bancos devem ter é com a concessão do crédito aos recém contratados.

Reflitamos um cenário de um trabalhador por prazo determinado que solicita tomar um empréstimo consignado privado no seu 1º mês de labor, mas sai antes do tempo, ou seja, desvincula-se da empresa antes do período pactuado, ficando desempregado e inadimplente.

A MP do consignado privado, visando mitigar o inadimplemento, diz que outros vínculos são consignáveis, ou seja, podem servir para os pagamentos. No caso acima, tão logo o trabalhador seja reempregado, os descontos na diretamente na fonte poderão ser retomados.

DAS OPERAÇÕES DE CRÉDITO CONSIGNADO DE EMPREGADOS REGIDOS PELA CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS DO TRABALHO - CLT E DEMAIS TRABALHADORES ESTABELECIDOS EM LEGISLAÇÃO ESPECÍFICA

Art. 2º A Lei nº 10.820, de 17 de dezembro de 2003, passa a vigorar com as seguintes alterações:

"Art. 1º (...)

§ 9º A consignação voluntária mencionada no caput será aplicável a todos os vínculos empregatícios ativos no momento da contratação do crédito que se fizerem necessários ao adimplemento das obrigações assumidas, e será autorizado, em caso de rescisão ou de suspensão do contrato de trabalho, o seu redirecionamento para:

I - outros vínculos de emprego ativos no momento da contratação do crédito, mas inicialmente não alcançados pela consignação; ou

II - vínculos empregatícios que surjam posteriormente à contratação da operação de crédito.

§ 10. Para fins do disposto no caput, ato do Poder Executivo federal disporá sobre as formalidades para a habilitação das instituições consignatárias.

§ 11. O disposto neste artigo se aplica aos empregados de que tratam a Lei nº 5.889, de 8 de junho de 1973, e a Lei Complementar nº 150, de 1º de junho de 2015, e aos diretores não empregados com direito ao FGTS." (NR)

Pensemos em outro cenário, onde é aberta uma empresa MEI - Microempreendedor Individual e se contrata um empregado tão somente para se tentar obter o "crédito do trabalhador". Neste conluio, com a obtenção do crédito simplesmente somem (MEI e empregado), deixando o prejuízo com o banco.

Diante da facilidade em se abrir um MEI e de se "contratar" um correlato empregado, agora, imaginemos este último cenário sendo multiplicado exponencialmente no país inteiro. Vislumbremos que as quadrilhas podem se valer deste modus operandi, numa atuação massiva e organizada numa sistemática ininterrupta e com verdadeiros plantões 171.

Se os bancos não se precaverem cada vez mais - inclusive, nas avaliações de suas "mesas de créditos"-; e continuarem investindo em segurança e tecnologia; se as autoridades não ajudarem no respectivo combate ao crime organizado das fraudes; se a sociedade como um todo não se educar e cooperar com tal combate, podemos vislumbrar novamente um cenário de escassez de crédito, cujas consequências mencionamos anteriormente.

Para se pensar em durabilidade e sustentabilidade dessa política creditícia, seguiremos com a análise sob a perspectiva da EAD - Análise Econômica do Direito. Assim, importa dizer que o Judiciário é um protagonista que deve ponderar bem as suas decisões, uma vez que seus reflexos sempre ultrapassam a moldura processual. Como disse o ministro Flávio Dino, em recente julgamento na 1ª turma do STF, o juiz não só pode pensar sob a ótica consequencialista, como deve (sempre) analisar todos os casos sob tal perspectiva.

Quando se pensa em sentenciar uma vultosa indenização, é preciso mentalizar os reflexos extra processuais; é necessário sempre sopesar com proporcionalidade e razoabilidade; é preciso refletir sobre o estímulo à indústria do dano moral; sobre gestão judiciária; etc.

Sem desconsiderar a busca por fazer justiça no caso concreto, também é necessário que o Judiciário tenha um olhar multifocal, que procure enxergar o consequencialismo das decisões, sob a ótica da análise econômica do Direito (EAD).

__________

1 Fonte: https://abrhsp.org.br/noticias/credito-consignado-preocupa-rhdasempresas/#:~:text=Desde%20o%20dia%2021%20de,plataformas%20digitais%20de%20institui%C3%A7%C3%B5es%20financeiras.

2 Fonte: https://timesbrasil.com.br/brasil/economia-brasileira/caixa-banco-brasil-consignado-governo/

3 Fonte: https://valor.globo.com/financas/noticia/2025/03/31/trabalhador-com-nome-sujo-pode-pedir-o-novo-emprestimo-consignado-privado.ghtml

Marcos Délli Ribeiro Rodrigues

VIP Marcos Délli Ribeiro Rodrigues

Advogado e Conselheiro Federal da OAB; Doutorando em Direito; Mestre em Direito e Desenvolvimento Sustentável; Especialista em Processo Civil.

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