STF reconhece preferência dos honorários advocatícios sobre créditos tributários
O STF reconheceu a preferência dos honorários advocatícios sobre créditos tributários, equiparando-os aos trabalhistas. A decisão reforça a natureza alimentar da remuneração e valoriza a advocacia.
quarta-feira, 2 de abril de 2025
Atualizado às 12:03
1. Introdução
O STF concluiu, em sessão virtual finalizada em 28 de março de 2025, o julgamento do RE 1.326.559, com repercussão geral reconhecida (Tema 1.220), estabelecendo um importante precedente para a advocacia brasileira. A Corte, por maioria, reconheceu a validade constitucional do parágrafo 14 do art. 85 do CPC, confirmando que os honorários advocatícios têm preferência em relação aos créditos tributários, equiparando-os aos créditos trabalhistas em termos de privilégios.
Esta decisão representa um marco significativo na valorização da advocacia e no reconhecimento da natureza alimentar dos honorários. Ao estabelecer que os honorários advocatícios, inclusive os contratuais, devem ser pagos preferencialmente em relação aos créditos fiscais, o STF pacificou um entendimento que vinha gerando controvérsias e divergências jurisprudenciais há anos.
O presente artigo analisa os fundamentos desta decisão histórica, suas implicações práticas para a advocacia e para a Fazenda Pública, além de contextualizar o debate à luz dos princípios constitucionais e da legislação vigente.
2. A natureza alimentar dos honorários advocatícios
Os honorários advocatícios constituem a principal fonte de subsistência dos profissionais da advocacia. Sua natureza alimentar já vinha sendo reconhecida pela jurisprudência brasileira, mas encontrou consagração expressa no CPC de 2015, que em seu art. 85, parágrafo 14, estabelece que "os honorários constituem direito do advogado e têm natureza alimentar, com os mesmos privilégios dos créditos oriundos da legislação do trabalho".
A caracterização dos honorários como verba alimentar decorre do entendimento de que eles se destinam à subsistência do advogado e de sua família, sendo indispensáveis para o provimento de necessidades básicas como alimentação, moradia, saúde e educação. Esta natureza especial justifica a proteção diferenciada conferida pelo ordenamento jurídico, como a impenhorabilidade parcial e a possibilidade de pagamento preferencial em determinadas situações.
O reconhecimento da natureza alimentar dos honorários está alinhado com a valorização da advocacia como função essencial à justiça, conforme previsto no art. 133 da Constituição Federal. Ao garantir que o advogado tenha assegurado o recebimento de seus honorários com preferência sobre créditos tributários, o STF reafirma a importância desses profissionais para o funcionamento adequado do sistema de justiça e para a efetivação do direito fundamental de acesso à justiça.
3. O conflito normativo entre o CPC e o CTN
O cerne da controvérsia julgada pelo STF residia no aparente conflito entre o disposto no parágrafo 14 do art. 85 do CPC e o art. 186 do CTN - Código Tributário Nacional. Enquanto o CPC confere aos honorários advocatícios natureza alimentar com os mesmos privilégios dos créditos trabalhistas, o CTN estabelece que " O crédito tributário prefere a qualquer outro, seja qual for sua natureza ou o tempo de sua constituição, ressalvados os créditos decorrentes da legislação do trabalho ou do acidente de trabalho. ".
A Fazenda Pública sustentava que a preferência do crédito tributário, estabelecida pelo CTN, não poderia ser afastada por disposição do CPC, argumentando que o tratamento privilegiado aos honorários advocatícios representaria uma violação à ordem de preferência estabelecida pela legislação tributária, que tem status de lei complementar.
Por outro lado, a classe dos advogados defendia que, ao equiparar os honorários aos créditos trabalhistas, o CPC apenas explicitou que estes se enquadram na exceção já prevista no próprio art. 186 do CTN, que ressalva a preferência dos créditos decorrentes da legislação trabalhista em relação aos tributários.
O STF, ao analisar a questão, considerou que não há incompatibilidade entre os dispositivos, pois o CPC não criou uma nova exceção à regra de preferência do crédito tributário, mas apenas qualificou os honorários advocatícios como verba de natureza alimentar, equiparando-os aos créditos trabalhistas que já possuíam preferência reconhecida pelo CTN.
4. Os fundamentos da decisão do STF
Ao julgar o Recurso Extraordinário 1326559, o Supremo Tribunal Federal fixou a seguinte tese de repercussão geral: "É formalmente constitucional o § 14 do art. 85 do Código de Processo Civil no que diz respeito à preferência dos honorários advocatícios, inclusive contratuais, em relação ao crédito tributário, considerando-se o teor do art. 186 do CTN."
A decisão fundamentou-se em diversos aspectos jurídicos e principiológicos. Primeiramente, a Corte reconheceu que, embora o Código Tributário Nacional tenha status de lei complementar, a regulamentação da natureza jurídica dos honorários advocatícios não se insere nas matérias reservadas a esta espécie normativa pelo artigo 146 da Constituição Federal. Assim, o CPC, como lei ordinária, poderia validamente dispor sobre a natureza alimentar dos honorários e seus privilégios.
Além disso, o STF observou que o próprio CTN, ao estabelecer a preferência do crédito tributário, ressalvou expressamente os créditos decorrentes da legislação do trabalho. Ao equiparar os honorários advocatícios aos créditos trabalhistas, o CPC apenas os inseriu no âmbito desta ressalva já existente, sem criar nova exceção à regra de preferência.
A Corte também considerou o princípio da valorização do trabalho humano, consagrado nos artigos 1º, IV, e 170 da Constituição Federal, reconhecendo que os honorários representam a contraprestação pelo trabalho intelectual do advogado e constituem sua fonte de subsistência, justificando-se assim o tratamento privilegiado.
Por fim, o STF destacou que o reconhecimento da preferência dos honorários sobre os créditos tributários não implica em vulneração ao interesse público, uma vez que a própria lei tributária já admite exceções à preferência do crédito fiscal, como no caso dos créditos trabalhistas, em razão de sua natureza alimentar e da proteção constitucional conferida ao trabalho.
Conclusão
A decisão do STF no julgamento do RE 1.326.559, com repercussão geral reconhecida (Tema 1.220), representa um marco histórico para a advocacia brasileira, ao reconhecer a validade constitucional da preferência dos honorários advocatícios, inclusive contratuais, em relação aos créditos tributários.
A tese fixada pelo STF, ao declarar a constitucionalidade formal do § 14 do art. 85 do CPC, pacifica controvérsia que há muito permeava os tribunais brasileiros, conferindo maior segurança jurídica tanto aos advogados quanto aos órgãos fazendários. A equiparação dos honorários aos créditos trabalhistas, para fins de preferência sobre os tributários, encontra respaldo na natureza alimentar da remuneração advocatícia, destinada à subsistência do profissional e de sua família.
Essa decisão evidencia a valorização da advocacia como função essencial à justiça, reforçando a proteção jurídica conferida à remuneração dos advogados e reconhecendo a importância social e econômica do exercício da profissão. Ao mesmo tempo, impõe novos desafios à administração tributária, que precisará adaptar suas estratégias de cobrança e execução fiscal considerando a preferência reconhecida aos honorários advocatícios.
Do ponto de vista constitucional, o julgamento demonstra a possibilidade de uma interpretação sistemática e harmônica entre diplomas legais de diferentes hierarquias, desde que respeitados os núcleos essenciais das matérias reservadas à lei complementar pela Constituição Federal. A interação entre o CPC e o CTN, validada pelo STF, reafirma a unidade e coerência do sistema jurídico brasileiro.