O que a Justiça entende como "medicamento de alto custo"?
Descubra como os tribunais brasileiros definem medicamentos de alto custo e se há um parâmetro objetivo adotado pela jurisprudência brasileira.
terça-feira, 1 de abril de 2025
Atualizado às 17:11
Introdução
O termo medicamento de alto custo é cada vez mais frequente nas petições, sentenças e manchetes relacionadas à judicialização da saúde no Brasil. No entanto, poucos sabem que esse conceito não possui definição legal específica. Afinal, o que o Poder Judiciário realmente entende como medicamento de alto custo? Existe algum parâmetro fixado pelos tribunais? Ou tudo dependerá da situação concreta de cada paciente? Essas são questões cruciais, especialmente para quem atua no Direito da Saúde - e é justamente sobre elas que trataremos neste artigo.
O que o Judiciário entende por "medicamento de alto custo"?
No cenário jurídico brasileiro, o conceito de medicamento de alto custo é um típico exemplo de conceito jurídico indeterminado. Isso significa que sua definição não está fixada de maneira objetiva em norma legal, cabendo ao Poder Judiciário, com base em critérios técnicos e humanos, interpretá-lo conforme o caso concreto.
A jurisprudência nacional tem sinalizado que o "alto custo" de um medicamento não se resume a um valor numérico fixo. Ao contrário, o Judiciário leva em consideração aspectos sociais, econômicos e clínicos, tais como:
- A imprescindibilidade do medicamento para o tratamento de doenças graves ou raras;
- A inexistência de alternativa terapêutica eficaz fornecida pelo SUS;
- E principalmente, o impacto financeiro que a aquisição representa em relação à renda do paciente ou de sua família.
É a partir da conjugação desses fatores que se constrói a noção de que determinado medicamento é, juridicamente, de alto custo.
Há algum parâmetro fixado pelos tribunais?
Apesar da ausência de um conceito legal rígido, alguns tribunais e normas administrativas têm se esforçado para estabelecer balizas que auxiliem na caracterização do "alto custo".
O Tribunal de Justiça do Mato Grosso, por exemplo, no Recurso Inominado nº 1001860-65.2023.8.11.0055, aplicou como critério objetivo o disposto em Instrução Normativa local: considerou de alto custo o medicamento cuja despesa mensal supera 70% do salário mínimo, conforme o art. 4º, § 1º da Instrução Normativa do Conselho de Supervisão do Sistema Integrado de Saúde.
Já outros tribunais, como o TJ/SP e o TRF-1, vêm adotando uma abordagem mais qualitativa. Em decisões envolvendo medicamentos como Tafamids e Stelara, o custo elevado foi reconhecido sem qualquer parâmetro financeiro fixo, mas com base na necessidade médica comprovada e no impacto econômico individualizado.
O Superior Tribunal de Justiça, por sua vez, ao julgar o Tema 106 dos recursos repetitivos, não tratou diretamente do custo, mas estabeleceu requisitos cumulativos para a concessão de medicamentos não padronizados pelo SUS: (i) laudo médico fundamentado sobre a necessidade do fármaco; (ii) incapacidade financeira do paciente; e (iii) registro do medicamento na ANVISA. Esses critérios, embora voltados à análise da responsabilidade estatal, também acabam se refletindo na caracterização de medicamentos de alto custo no âmbito jurisprudencial.
Conclusão
Diante da ausência de definição legal objetiva, o Poder Judiciário brasileiro tem interpretado o conceito de medicamento de alto custo de forma ampla, contextual e casuística. Em outras palavras, não se trata de uma categoria definida por cifras, mas por circunstâncias. O que é de alto custo para um, pode não ser para outro - e é exatamente esse olhar individualizado que tem prevalecido nos tribunais.
Portanto, ainda que algumas balizas possam ser encontradas na jurisprudência, não há um parâmetro financeiro universalmente aceito. O que há, de fato, é um compromisso judicial com a efetividade do direito fundamental à saúde, consagrado no artigo 196 da Constituição Federal. E é sob essa perspectiva que o debate sobre medicamentos de alto custo deve continuar a ser conduzido - com técnica, sensibilidade e respeito à dignidade do paciente.