Direitos autorais de obras criadas por colaboradores e prestadores de serviço
Entenda os direitos autorais de obras criadas por funcionários e prestadores de serviço. Saiba como proteger sua empresa e evitar litígios.
terça-feira, 1 de abril de 2025
Atualizado às 14:59
No Brasil, a lei de Direitos Autorais (lei 9.610/98) interpretada em conjunto com a lei da Propriedade Industrial (lei 9.279/96) estabelecem como regra geral que obras (textos, imagens, materiais gráficos, softwares, áudios, desenhos etc.) criadas por colaboradores no exercício da função contratada pertencem automaticamente à empresa. Porém, essa regra não se aplica a prestadores de serviço, para esse tipo de contratação é obrigatório um contrato escrito prevendo a transferência dos direitos autorais.
O maior risco, contudo, está nas exceções. A jurisprudência tem estabelecido interpretações contrárias à regra geral, especialmente quando não há previsão contratual clara e específica sobre os limites da cessão dos direitos autorais.
Para evitar riscos, empresas devem revisar contratos trabalhistas e de prestação de serviços, documentando todas as criações desenvolvidas por suas equipes ou terceiros e, para os casos sem contrato, providenciar a formalização para se proteger de possíveis cobranças não previstas decorrentes alegações de violações de direitos autorais.
CLT vs PJ: Regras Diferentes para Colaboradores e Prestadores de Serviço
A legislação brasileira diferencia a propriedade das obras criadas de acordo com o vínculo do criador com a empresa contratante. Entender essa distinção é fundamental para evitar litígios e assegurar direitos de exploração das criações desenvolvidas no ambiente corporativo.
Antes da análise da aplicação dos direitos autorais no caso de colaboradores com vínculo CLT ou não, é essencial conhecer a distinção entre direitos patrimoniais e morais do autor:
Exemplo: Um colaborador redige um e-book com conteúdo prático sobre determinado produto da empresa. Seus direitos morais (de ser creditado como autor, por exemplo) são intransferíveis. A empresa pode adquirir apenas os direitos patrimoniais (publicação, reprodução e comercialização da obra).
Essa distinção interfere nas cláusulas contratuais e nos direitos das empresas, uma vez que o autor pode ceder apenas os direitos patrimoniais, de exploração econômica da obra, não sendo reconhecidas cessões dos direitos morais.
Insight: Cláusulas contratuais que prevejam a cessão dos direitos autorais, sem delimitar que se trata apenas dos direitos patrimoniais, podem ser vistas como abusivas e anuladas.
1. Colaboradores com Vínculo CLT
De acordo com os artigos 49 da Lei 9.610/98 e 88 da Lei 9.279/96, obras intelectuais criadas por empregados no exercício do contrato de trabalho (ou em razão dele) pertencem automaticamente ao empregador, desde que estejam diretamente vinculadas às atividades contratuais do colaborador.
Limites importantes: a regra que prevê a cessão automática dos direitos autorais ao empregador não se aplica para:
1) Obras não relacionadas ao objeto do contrato.
Obras criadas pelo desempenho de função distinta daquela prevista contratualmente não são cedidas automaticamente à empresa contratante.
Exemplo: Engenheiro de produtos que cria software para aprimorar seu trabalho na empresa, mas que não possui previsão contratual sobre o desempenho dessa função.
2) Cláusulas contratuais genéricas.
Previsões como "tudo que o colaborador criar pertence à empresa" podem ser consideradas abusivas pelo Judiciário e declaradas nulas, portanto, o mais adequado é ser específico sobre quais os direitos cedidos e sobre quais tipos de obras.
Exemplo: Uma empresa contrata um fotógrafo para produzir imagens para catálogo impresso de produtos (objeto: divulgação física em pontos de venda). O contrato não especifica modalidades digitais de uso. A empresa utiliza as fotos em campanhas de mídia paga no Instagram e Google Ads sem autorização adicional.
3) Obra criada sem uso de recursos empresariais e/ou fora do horário de trabalho.
Recursos empresariais são equipamentos, ferramentas, softwares, rede de internet e outros recursos que são pagos ou gerados internamente pela organização e que contribuem para o desempenho das funções dos colaboradores. Nesse caso os direitos sobre a obra criada são do colaborador.
Exemplo: Um designer gráfico contratado via CLT por uma e-commerce desenvolve logotipos para campanhas internas em seu notebook pessoal, fora do horário comercial, utilizando licença própria do Adobe Illustrator.
2. Prestadores de Serviço
Para freelancers, consultores, parceiros ou prestadores de serviço, sem vínculo empregatício, é indispensável contrato por escrito com previsão expressa de transferência dos direitos autorais. A formalização de um contrato bem elaborado protege os direitos da empresa, pois afasta interpretações restritivas dos direitos dela em oposição aos direitos do profissional que criou a obra.
3. Análise de Jurisprudência
Em um julgado trabalhista1, sobre um caso em que o empregado, que trabalhava como operador de ponte rolante, colaborou na elaboração de tecnologia nova, o tribunal esclareceu a diferença entre invenções "livres" e "casuais" e "de serviço":
Invenção de Serviço
- Origem: Resulta diretamente das atividades contratuais do empregado
- Direitos: Empregador detém titularidade exclusiva (Art. 88 §1º Lei 9.279/96)
- Consequência: Empregado recebe apenas salário, exceto se houver acordo prévio para participação nos lucros
Invenção Livre
- Origem: Criação independente do contrato de trabalho, sem uso de recursos da empresa
- Direitos: Titularidade exclusiva do empregado (Art. 90 Lei 9.279/96)
- Consequência: Empregador não pode reivindicar uso ou compensação
Invenção Casual
- Origem: Criação que extrapola as funções contratuais, mas utiliza recursos empresariais
- Direitos: Propriedade compartilhada (50% cada parte) (Art. 91 Lei 9.279/96), empregador tem direito exclusivo de exploração comercial
- Consequência: Empregado tem direito de receber remuneração adicional proporcional aos ganhos gerados com a obra que ajudou a criar
No caso analisado pelo tribunal, considerou-se que a tecnologia que o colaborador cooperou para criar seria uma "Invenção Casual", portanto extrapolando suas funções contratuais. Foi determinada a indenização do colaborador calculada sobre o proveito econômico da exploração da invenção.
O que Empresas Precisam Saber Além das Regras Gerais:
1. Direito de Imagem (Art. 20 CC/2002)
Os direitos de imagem possuem autonomia em relação aos direitos autorais (Lei 10.406/02), em outras palavras, mesmo que exista contrato de trabalho, é preciso previsão própria de autorização do uso de imagem de qualquer colaborador.
Contratos devem prever um prazo para essa cessão de direitos, já que, uma vez encerrado o vínculo de trabalho ou prestação de serviços, pode-se interpretar que houve a revogação da autorização de uso da imagem do ex-colaborador, especialmente nos casos em que o uso da imagem do colaborador não é uma consequência direta da função por ele desempenhada.
Frequentemente se encontram julgados de casos semelhantes com tratamentos distintos, o que gera insegurança jurídica. Por isso, se recomenda a formalização de contratos adequados, mesmo nos casos em que teoricamente não haja obrigatoriedade, para diminuir o risco de condenações.
Jurisprudências: Casos Semelhantes, Resultados Distinto
2. Contratos com Empresas Terceirizadas: Cadeia de Responsabilidade
Ao contratar serviços de desenvolvimento de softwares, materiais comerciais, produção fotográfica, design e identidade visual, por exemplo, é indispensável garantir que:
1. Cessão em Cadeia: A empresa terceirizada possui cessão válida dos direitos autorais de seus colaboradores ou prestadores de serviço
2. Cláusula de Garantia: O contrato de prestação de serviços inclui obrigação de a contratada indenizar por quaisquer reclamações de autoria originadas de seus colaboradores ou parceiros
Checklist Contratual Preventivo para Direitos Autorais
Seja para contratos de trabalho ou de prestação de serviços, existem cláusulas que devem ser previstas para assegurar a cessão dos direitos autorais patrimoniais e o direito de exploração das criações:
Como protegemos os nossos clientes:
Para minimizar ou eliminar riscos relacionados a direitos autorais, atua-se nas seguintes frentes:
1. Auditoria Contratual: Revisão minuciosa de contratos existentes para identificar brechas e riscos, propondo adequações para alinhamento com a jurisprudência atualizada.
2. Modelos Personalizados: Implementação de novos modelos contratuais (CLT e PJ) com cláusulas específicas sobre cessão de direitos, uso de imagem e propriedade intelectual, adaptados à realidade de cada cliente.
3. Distratos Seguros: Elaboração de termos de rescisão detalhados, com quitação plena de direitos autorais e autorização de uso de imagem, minimizando futuras contestações
4. Homologação Judicial: Em casos de colaboradores CLT, atuamos na homologação judicial da rescisão, garantindo segurança jurídica e prevenindo discussões sobre violação de direitos autorais.
Com essa abordagem proativa, aumenta-se a proteção dos direitos de propriedade intelectual de sua empresa, oferecendo maior segurança jurídica nas relações com colaboradores e prestadores de serviço, com base na jurisprudência atualizada e nas melhores práticas do mercado.
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1 TRT-3 - RO: 00103241420195030054 MG 0010324- 14.2019.5.03.0054, Relator: Cristiana M.Valadares Fenelon, Data de Julgamento: 30/08/2021, Setima Turma, Data de Publicação: 31/08/2021.