Embargos ambientais e o devido processo legal: Limites à atuação do Ibama
Proteção ambiental deve respeitar a lei. Medidas sem contraditório afetam direitos, travam o campo e geram insegurança jurídica.
terça-feira, 1 de abril de 2025
Atualizado em 31 de março de 2025 09:41
A proteção ambiental é um imperativo constitucional de elevada estatura normativa. O art. 225 da Constituição Federal impõe ao Poder Público e à coletividade o dever de defender e preservar o meio ambiente para as presentes e futuras gerações. Essa diretriz, contudo, não pode ser compreendida como uma carta branca para práticas administrativas arbitrárias, nem tampouco justificar o esvaziamento de garantias fundamentais asseguradas aos cidadãos, dentre as quais se destacam o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa.
A recentes operações deflagradas pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), trouxeram à tona uma faceta já conhecida - porém cada vez mais preocupante - da atuação administrativa ambiental: a imposição sumária de embargos, frequentemente desacompanhada de qualquer instrução processual minimamente adequada ou da prévia oitiva dos supostos infratores. Trata-se da perversão do embargo ambiental, que, em vez de medida cautelar excepcional, converte-se, na prática, em verdadeira sanção antecipada, aplicada sob o pretexto da tutela ambiental, mas em flagrante desrespeito ao devido processo legal.
Os reflexos dessa prática são severos: a simples menção do nome do produtor rural como titular de imóvel em área embargada é suficiente para inviabilizar o acesso ao crédito rural, essencial à manutenção da atividade agropecuária. As instituições financeiras, por imposição normativa e cautela reputacional, cessam a liberação de recursos, mesmo sem decisão administrativa definitiva. A escassez de crédito desencadeia uma cadeia de transtornos comerciais, afetando contratos já firmados, dificultando a aquisição de insumos e comprometendo o escoamento da produção. Soma-se a esse quadro a crônica morosidade do Ibama no julgamento dos processos administrativos decorrentes dos embargos, o que contrasta de forma dramática com a sazonalidade que marca o ciclo da produção rural.
No campo, tempo é fator determinante de viabilidade econômica. A postergação indefinida de uma definição sobre a legalidade da conduta imputada ao produtor inviabiliza não apenas o plantio e a colheita, mas a própria continuidade da atividade produtiva.
É certo que o embargo ambiental, como medida cautelar, possui respaldo jurídico. No entanto, sua aplicação exige requisitos mínimos de legalidade, motivação idônea e proporcionalidade. O que se observa, contudo, é a banalização desse instrumento, frequentemente convertido em sanção antecipada e automática, mesmo antes de qualquer comprovação definitiva da ilicitude da conduta imputada ao produtor rural.
Essa prática administrativa contraria frontalmente os princípios constitucionais da legalidade (art. 5º, II), do contraditório e da ampla defesa (art. 5º, LV). A imposição de medida tão gravosa - que impede o uso produtivo da propriedade, acarreta prejuízos econômicos imediatos e compromete a subsistência do produtor - não pode prescindir de um processo regular. A atuação estatal, ainda que motivada por fins nobres, não está imune aos limites do Estado de Direito.
Na prática, os efeitos do embargo ambiental imposto sem contraditório são devastadores para os produtores rurais. A área é bloqueada, a comercialização de produtos oriundos do imóvel é inviabilizada, o crédito rural é negado pelas instituições financeiras e, como demonstrado na operação Caixa Forte deflagrada pelo Ibama, os bancos que eventualmente concederam financiamento tornam-se alvo de pesadas autuações. Cria-se um cenário de insegurança jurídica, em que a presunção de culpa contamina relações privadas e asfixia atividades produtivas essenciais ao desenvolvimento regional.
Ainda mais grave é a morosidade do próprio Ibama na análise dos processos administrativos decorrentes desses embargos. Muitos produtores permanecem por anos à espera de uma decisão definitiva sobre a legalidade ou não da supressão vegetal apontada pelo órgão, com sua atividade paralisada e seus direitos suspensos sine die. A lentidão institucional agrava o quadro de injustiça, fazendo do embargo uma punição em si - e não uma medida cautelar, como deveria ser.
O embargo é medida extrema. Seu uso deve ser reservado a hipóteses em que, após análise técnica preliminar minimamente consistente, se revele necessário para evitar dano ambiental iminente ou para fazer cessar conduta lesiva já em curso. Fora desses casos, sua aplicação sem prévia apuração e sem direito de defesa converte-se em ilegalidade, abuso de poder, passível de reparação.
A proteção ambiental, por sua importância intrínseca e repercussões intergeracionais, deve ser conduzida com rigor técnico, seriedade institucional e absoluto respeito à legalidade. Isso inclui, necessariamente, a observância dos direitos processuais dos administrados. A ideia de que fins justificam meios é absolutamente incompatível com a ordem constitucional vigente.
Por fim, cabe uma reflexão inadiável: nos casos de dano ambiental efetivo, já se sabe quem paga a conta - o produtor rural, apontado como poluidor, responde civil, administrativa e penalmente pelos atos praticados. Mas nos casos de embargos ilegalmente impostos, que destroem economias, inviabilizam propriedades e comprometem reputações, quem será chamado a responder? A conta da má aplicação do poder de polícia ambiental não pode continuar sendo paga apenas por quem trabalha no campo. O debate, portanto, precisa evoluir. Proteger o meio ambiente, sim. Mas sempre nos estritos limites da lei.
Ulisses César Martins de Sousa
Advogado do escritório Ulisses Sousa Advogados Associados