Criptomoedas e a reforma tributária: O que muda?
A reforma tributária marca uma mudança nas regras que coloca, de forma clara, os criptoativos no foco da fiscalização e da regulação pelo Estado brasileiro.
terça-feira, 1 de abril de 2025
Atualizado às 13:13
Atualmente, o tratamento tributário conferido aos criptoativos no ordenamento jurídico brasileiro se concentra, majoritariamente, no âmbito do imposto de renda, com distinções normativas entre pessoas físicas e jurídicas. Não há, até o presente momento, a incidência de tributos indiretos específicos sobre a negociação de criptoativos - como o ICMS ou o ISS sobre a operação de compra e venda de tais ativos - de modo que a carga tributária recai, essencialmente, sobre os rendimentos e os ganhos auferidos com sua alienação ou utilização.
Pessoa física
No que se refere às pessoas físicas, os rendimentos obtidos com a alienação de criptoativos são qualificados como ganhos de capital, estando sujeitos à incidência do IRPF - Imposto de Renda da Pessoa Física, desde que ultrapassados determinados limites legais. A partir do exercício de 2019, a Receita Federal do Brasil passou a exigir a declaração e a tributação das operações com criptoativos nos seguintes termos: quando o valor total das alienações realizadas no mês ultrapassar o montante de R$ 35.000,00, deve-se apurar o ganho de capital e recolher o tributo correspondente. Trata-se, portanto, de um limite mensal de isenção, aplicável às alienações cujo valor total permaneça inferior a R$ 35 mil - hipótese em que eventuais ganhos obtidos na operação restam isentos de tributação. Contudo, superado o referido limite, a integralidade do ganho obtido no período passa a ser tributável, não apenas a parcela excedente ao teto isencional.
As alíquotas incidentes sobre os ganhos de capital decorrentes da alienação de criptoativos seguem a sistemática progressiva prevista para bens em geral, observando-se os seguintes percentuais: 15% para ganhos de até R$ 5 milhões; 17,5% para a faixa entre R$ 5 milhões e R$ 10 milhões; 20% para a faixa entre R$ 10 milhões e R$ 30 milhões; e 22,5% para ganhos superiores a R$ 30 milhões. O imposto apurado deve ser recolhido até o último dia útil do mês subsequente ao da operação, mediante DARF - Documento de Arrecadação de Receitas Federais, sob o código 4600, conforme regulamentação da Receita Federal.
Ressalte-se, ainda, que a permuta entre criptoativos configura, para fins fiscais, evento de alienação, sendo igualmente passível de apuração de ganho de capital. Assim, a troca de um criptoativo por outro - como, por exemplo, a substituição de Bitcoin por Ethereum - consubstancia fato gerador do imposto de renda, mesmo na ausência de conversão em moeda fiduciária. A Receita Federal já manifestou entendimento expresso no sentido de que tais operações devem ser tratadas para fins tributários de forma análoga à alienação onerosa em moeda corrente.
Ademais, a IN RFB 1.888, de 2019, instituiu a obrigatoriedade de prestação de informações mensais por parte das pessoas físicas relativamente às operações realizadas com criptoativos fora do ambiente de exchanges domiciliadas no Brasil - a exemplo das realizadas em plataformas estrangeiras ou mediante negociação direta entre particulares (peer-to-peer - P2P). A referida obrigação incide quando o valor total das operações no mês ultrapassar R$ 30.000,00, devendo o contribuinte prestar as informações pertinentes até o último dia do mês subsequente. Por outro lado, as exchanges sediadas em território nacional são responsáveis pelo envio direto das informações ao Fisco, desonerando os investidores da obrigação individual de declaração nessas hipóteses. Tais obrigações acessórias visam assegurar a rastreabilidade das operações e o cruzamento de dados fiscais, conferindo maior efetividade à atividade fiscalizatória no âmbito das operações com criptoativos.
No tocante à Declaração de Ajuste Anual do Imposto de Renda, os criptoativos, embora não equiparados a moedas de curso legal, são considerados bens ou ativos para fins de declaração patrimonial. Assim, os investidores pessoas físicas devem declarar a titularidade dos criptoativos na ficha "Bens e Direitos" da DIRPF, utilizando os códigos próprios integrantes do grupo 08 (Criptoativos), sempre que o custo de aquisição de cada ativo ultrapassar R$ 5.000,00. Deve-se informar, para tanto, o valor de aquisição dos ativos, e não seu valor de mercado, conforme sistemática aplicável a outros ativos financeiros, como ações. Em caso de alienação com apuração de ganho tributável, o imposto é calculado e recolhido mensalmente, sendo os dados consolidados na declaração anual, com indicação dos ganhos obtidos e dos tributos recolhidos no exercício.
Importa destacar, ainda, que o regime atual contempla a tributação dos rendimentos produzidos pelos criptoativos, os quais não se confundem com os ganhos de capital obtidos em sua alienação. São exemplos desses rendimentos aqueles oriundos de operações de staking, programas de "earn" ou empréstimos de criptoativos - situações em que o investidor cede temporariamente seus ativos digitais, geralmente em plataformas especializadas, visando à obtenção de rendimentos periódicos (juros ou recompensas). A Receita Federal passou a interpretar tais operações como contratos de mútuo, dado o caráter fungível do objeto emprestado, determinando a incidência de IRRF - Imposto de Renda na Fonte sobre os juros auferidos, à semelhança do regime jurídico das aplicações financeiras de renda fixa.
Na prática, isso implica que corretoras domiciliadas no Brasil que ofertem produtos de staking ou remuneração passiva em criptoativos deverão reter o imposto na fonte, aplicando-se a tabela regressiva de alíquotas conforme o prazo da aplicação: 22,5% para aplicações com prazo de até 180 dias; 20% entre 181 e 360 dias; 17,5% entre 361 e 720 dias; e 15% para prazos superiores a 720 dias. Esse entendimento foi consolidado pela Receita Federal por meio da solução de consulta COSIT 184/23. Observa-se, assim, a existência de hipóteses de retenção na fonte no contexto das operações com criptoativos, ainda que restritas aos rendimentos decorrentes de juros. Por outro lado, os ganhos de capital permanecem sob regime de apuração e recolhimento direto pelo contribuinte, não se aplicando, por ora, retenção na fonte para operações de alienação de criptoativos realizadas fora do ambiente de bolsa.
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