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Ética de Botequim

Numa semana, o Zeca Pagodinho apareceu à sua frente, no meio do Jornal Nacional e recomendou: "experimenta!". Pouco depois, voltou, arrependido, e confessou que foi só um amor de verão, que estava voltando para a número um. E você também, claro, deveria voltar.

terça-feira, 6 de abril de 2004

Atualizado em 5 de abril de 2004 10:13

Ética de Botequim

 

Mauro Caramico*

 

Numa semana, o Zeca Pagodinho apareceu à sua frente, no meio do Jornal Nacional e recomendou: "experimenta!". Pouco depois, voltou, arrependido, e confessou que foi só um amor de verão, que estava voltando para a número um. E você também, claro, deveria voltar.

 

Bebendo cerveja, ou não, gostando de pagode, ou não, fomos, todos, um pouco afetados pelo episódio, porque envolve uma questão ética muito evidente: está certo, o Pagodinho? Uns dizem que ele cuspiu no prato em que comeu (ou no copo em que bebeu...); outros, que está certo, mesmo, em aceitar dinheiro para declarar as suas verdadeiras preferências.

 

A ética tem a ver com o valor que as pessoas, individualmente e em sociedade, dão às coisas. Por isso, a ética vai, sempre, além da lei - a princípio, tudo que está na lei, é eticamente correto, mas nem tudo que é eticamente correto, está na lei.

 

Para dar um exemplo óbvio: receber dinheiro, para matar alguém, além de ser um crime (porque assim prevê o Código Penal), será uma infração à ordem ética, porque a pessoa que praticar esse ato terá dado mais valor ao dinheiro, que à vida humana.

 

Já se alguém mentir para a namorada, dizendo que passou a noite no enterro da avó, quando, na verdade, bebia (uma Skol, talvez) com os amigos, não estará praticando nenhum crime, porque não há lei que o obrigue a ser sincero no namoro. Mas estará infringindo a ética, pois pôs a sua própria vontade, como valor superior à verdade.

 

Não há lei que impeça o Pagodinho de desdizer-se. Mas, ao fazê-lo, que escala de valores ele revela?

 

Se ele tem preferência por alguma das cervejas (qualquer das duas), recebeu dinheiro da outra para mentir. Vale dizer, para ele, o dinheiro vale mais que a verdade.

 

Se, para ele, tanto faz, Brahma ou Nova Schin ou qualquer outra (conquanto que esteja gelada...), então terá cometido dupla falta: primeiro, porque indicou preferir uma, quando nenhuma preferia, colocando, mais uma vez, o dinheiro acima da verdade. Segundo, porque, ao desdizer-se, além de repetir o mesmo pecado, ainda recebeu mais dinheiro, para faltar com a sua palavra.

 

Assusta, nesse episódio, ter o Pagodinho substituído a ética pela etílica, ciência cujo primado assim poderia ser deduzido: "mais valem dois goles no gogó, que uma reputação na mesa". Mas o que esperar dos Pagodinhos?

 

Assusta, ainda mais, a benevolência com que alguns admitem a malandragem, quase como se fosse ato de um bom ladrão, como se não passasse de um milionária molecagem. Como se faltar à ética, nestas terras tupiniquins, fosse uma virtude.

 

Mas o que aterroriza, mesmo, é que as mesmas armas que se usam na guerra das cervejas, também valem, hoje, nas campanhas políticas. São as mesmas agências, as mesmas técnicas, os mesmos atores.

 

Torçamos, apenas, para que não sejam os mesmos valores éticos.

 

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* Advogado do escritório Jayme Vita Roso Advogados e Consultores Jurídicos

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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