Impedimento e suspeição no STF: A controvérsia sobre a relatoria de Alexandre de Moraes no caso dos ataques de 8 de Janeiro
Reflexão sobre os limites entre a independência judicial e a influência de fatores externos na condução do julgamento.
sexta-feira, 28 de março de 2025
Atualizado em 27 de março de 2025 16:52
Encerradas as investigações, na data de 18/2/25, a Procuradoria Geral da República (PGR) apresentou denúncia ao STF em relação aos crimes de golpe de Estado, abolição violenta do Estado Democrático de Direito e organização criminosa referente aos ataques do 8 de janeiro. Dentre os acusados estão o ex-Presidente Jair Bolsonaro e outras 33 (trinta e três) pessoas, entre eles diversos militares e ex-ministros como Walter Braga Netto, Augusto Heleno e Anderson Torres, assim como Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro.
As acusações são frutos de um inquérito da Polícia Federal que objetivou a investigação do referido ataque em que diversos golpistas invadiram as instalações das sedes dos 3 poderes, Congresso Nacional, do Supremo Tribunal Federal e do Palácio do Planalto, recusando-se a aceitar a vitória de Lula nas eleições de 2022.
Todavia, outra trama recebeu destaque nas investigações, que concluíram pela existência de um plano para assassinar o Presidente Lula, o vice-Presidente Geraldo Alckmin e o Ministro do STF Alexandre de Moraes.
Durante o trâmite regular do feito, houve apresentação da defesa prévia dos denunciados e, por via de consequência, a apresentação de resposta pela Procuradoria Geral da República (PGR).
Verifica-se, porém, que o atual relator do caso é o próprio Ministro Alexandre de Moraes, um dos alvos do plano de assassinato. Tal cenário motivou, então, a defesa de Jair Bolsonaro, e de outros denunciados, a apresentar pedido de impedimento e suspeição do relator.
O impedimento ocorre quando há uma relação objetiva e legalmente determinada entre o juiz e o caso, um certo interesse pessoal direto na demanda. Já no caso da suspeição há fatores subjetivos que possibilitam o comprometimento da imparcialidade do julgador, como amizade, inimizade, interesses emocionais ou declarações públicas sobre o caso. Contudo, o impedimento é absoluto, podendo, inclusive, ser reconhecido de ofício, já a suspeição deve ser arguida pelas partes sob pena de preclusão e será analisada conforme as circunstâncias.
No final de fevereiro, o STF rejeitou o pedido do ex-Presidente sob o fundamento de que, ainda que ele fosse alvo de um plano como este, os crimes em discussão de tentativa de golpe de estado têm como sujeito passivo toda a coletividade, e não uma vítima individualizada, não havendo a configuração automática de suspeição. Na data de 19/3/25, novamente o STF analisou o caso e formou maioria para manter Moraes no julgamento.
Sabe-se que é humanamente impossível para um juiz, desembargador ou ministro julgar um caso com absoluta neutralidade. Antes mesmo de se estudar a lei, já se carrega convicções pessoais que podem influenciar, ainda que sutilmente, a percepção da justiça. Embora nenhum julgador consiga garantir, com plena certeza, que sua experiência pessoal não impacte, mesmo que minimamente, suas decisões, a proximidade direta de um ministro com o caso em questão intensifica o debate sobre uma possível parcialidade.
A indagação que se traz é se realmente é possível a imparcialidade de um julgador ocorrer de forma plena, quando este foi alvo de um possível assassinato nas acusações. Ou seja, quando um juiz se torna uma possível vítima. A frieza que se exigiria de alguém nessas condições é, no mínimo, questionável.
Contudo, ainda que a neutralidade seja imprescindível, a frieza não pode ser predominante. Dentre as inúmeras qualidades que se deve possuir um julgador, certamente a humanidade deve prevalecer, pois somente assim a justiça se concretizará. Nas palavras do advogado Roberto Delmanto: "Entre o legal e o justo, deve preferir este; e, entre ser justo ou mais humano, certamente o último, por estar mais perto do verdadeiro ideal de justiça".1
Ainda que haja um teor de pessoalidade nas acusações, é evidente que esse plano só atingiu o ministro devido ao seu cargo de alta representatividade do Poder Judiciário, bem como ao seu poder de decisão nos casos, em específico, envolvendo o ex-presidente. Porém, e se houvesse um cenário ainda mais extremo, em que o plano que objetivasse o assassinato de todos os 11 ministros? Todos seriam impedidos?
A continuação do trâmite do processo, em que outros acusados alegaram a referida suspeição demonstra que não é um assunto que se encerrará facilmente. Principalmente pelo fato de o impedimento poder ser arguido em qualquer fase do processo, já que é uma matéria de ordem pública. Inclusive posteriormente ao trânsito em julgado, ocasião em que ainda é possível a apresentação de ação rescisória por possível violação à norma jurídica.
De fato, a possibilidade de impedimento ou suspeição da atividade de Alexandre de Moraes como relator dos referidos atos antidemocráticos é um tema controverso. Não é todo dia que o juiz se torna uma possível vítima e nem sempre a legislação e jurisprudência já enfrentaram todos os fatos da realidade.
Portanto, ainda que a decisão sobre o tema seja de competência da Suprema Corte, o debate persiste. Especialmente porque o conceito de imparcialidade não se restringe apenas à legalidade, mas também à percepção pública de justiça.
A manutenção de Alexandre de Moraes como relator evidencia a necessidade de reflexão sobre os limites entre a independência judicial e a influência de fatores externos na condução do julgamento. Inevitavelmente, o mundo jurídico é dotado de subjetividade, por isso, a evolução da discussão deve ser constante, em específico para que a imparcialidade judicial não seja apenas um princípio abstrato, mas uma garantia concreta na busca pela justiça.
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1 MIGALHAS. O juiz humano. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/286348/o-juiz-humano. Acesso em: 6 mar. 2025.
Carlyle Popp
Mestre em Direito Público pela UFPR. Doutor em Direito Civil pela PUC/SP. Membro do Instituto dos Advogados do Paraná, da Academia Paranaense de Letras Jurídicas, do Conselho Editorial da Juruá Editora, do Instituto de Direito Privado, da ALUBRA e do IBERC. Foi professor dos Cursos de Graduação e Pós-Graduação (mestrado) do Centro Universitário Curitiba (UNICURITIBA) até 2012. Advogado Sócio de Popp Advogados Associados. Ex-professor da PUC/PR. É escritor.
Bianca Mengue Chelski
Acadêmica de Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná - PUC/PR.