O debate sobre pejotização no TST (IRR 373-67.2017.5.17.0121)
Exercendo nossa cidadania, apresentamos manifestação escrita e demos o nosso ponto de vista no debate sobre a possibilidade de "pejotização" no TST.
sexta-feira, 4 de abril de 2025
Atualizado às 11:34
1. Da problematização
1. Para fins de objetivar a presente manifestação, deixar-se-á de tecer considerações mais propedêuticas, de modo que a parte conceitual fica subentendida.
2. O debate incide em torno da pejotização, em suma, sob dois ângulos diferentes, a saber:
1ª) É válida a contratação de trabalhador que constitui pessoa jurídica para a realização de função habitualmente exercida por empregados no âmbito da empresa contratante ('pejotização')?
2ª) E a conversão de relação de emprego em relação pejotizada?
3. Pode-se dizer que a pejotização foi problematizada em dois momentos distintos: 1º) quando da contratação; 2º) mudança no formato da contratação, no decorrer dos serviços.
4. Antes de adentrarmos nas reflexões quanto aos dois momentos diversos, é preciso debater os fundamentos declinados nos autos. Para tanto, partiremos da análise do voto vencido, do relator ministro Hugo Carlos Scheuermann:
2. Considerações sobre a razão de decidir no R. voto vencido
5. O relator ministro deu tratamento igual em casos em que há imposição na pejotização e em casos onde há acordo entre contratante e contratado: Se a prestação de serviços ocorre de forma não eventual, com onerosidade, pessoalidade e subordinação jurídica (como reconhecido pelo Tribunal Regional), a contratação do trabalhador mediante pessoa jurídica por ele constituída - seja por imposição do tomador, seja por acordo entres as partes - atrai a aplicação do art. 9º da CLT.
6. Com o devido respeito, em nosso ponto de vista a análise deve ser realizada de forma distinta, separando ambas as situações, que, aliás, representam contextos jurídicos diversos.
2.1. Em caso de imposição da pejotização
7. No caso de imposição por parte do contratante, podemos aventar um contrato de adesão, o qual pode ter seus efeitos relativizados - a depender o caso em concreto -, nos termos do art. 423 do CC: Art. 423. Quando houver no contrato de adesão cláusulas ambíguas ou contraditórias, dever-se-á adotar a interpretação mais favorável ao aderente.
8. Essa imposição também pode ser concebida como dolo da parte contratante e, neste caso, o negócio seria anulável, conforme arts. 145 e 171, II do CC. Consequentemente, a maquiagem deve ser desfeita e se estabelecer a relação de emprego (caracterizando o vínculo empregatício).
9. E se o dolo foi da parte contratada, que solicitou que o formato fosse pejotizado?
10. Bem, neste caso, entendemos que ela não deve se beneficiar com a validação superveniente de um vínculo empregatício, sob pena de estarmos dando guarida jurídica a quem se aproveita da própria torpeza.
11. Este tipo de solicitação do contratado se justifica, por exemplo, quando se percebe os beneplácitos dados pelo ME - Estatuto Nacional da Microempresa e da EPP - Empresa de Pequeno Porte - LC 123/26 -, que estabelece tratamento diferenciado e favorecimentos às ME e às EPP. Igualmente, temos a figura do MEI - Microempreendedor Individual, que mitiga a informalidade e garante benefícios de ordem tributária, previdenciária, direitos creditícios, dentre outros.
12. Por fim, pode ocorrer de ambas as partes (contratante e contratado) procederem intencionalmente com o dolo de pejotizar. Neste caso, segundo o art. 150 do CC, nenhum pode alegá-lo para anular o negócio ou reclamar indenização, ou seja, prevalece a pejotização.
2.2. Em caso acordo entre contratante e contratado, a vontade das partes deve prevalecer
13. Não havendo qualquer vício, nulidade, ou anulabilidade no acordo entre as partes, as suas vontades devem prevalecer, sob pena de afronta ao fundamento republicano da livre iniciativa (art. 1º, IV, CRFB/88); bem como afronta ao objetivo fundamental da construção de uma sociedade livre (art. 3º, I, da CRFB/88); ao direito fundamental do livre exercício de qualquer trabalho, serviço ou ofício (art. 5º, XIII, CRFB/88).
14. A liberdade das partes escolherem o formato pejotizado também encontra respaldo constitucional na livre iniciativa, vista como princípio da atividade econômica e no livre exercício de qualquer atividade econômica (art. 170, CRFB/88 e seu parágrafo único).
15. Mesmo que estejam presentes elementos de relação de emprego na pejotização - principalmente em casos de MEI, ME e EPP -, cremos que a liberdade no formato da contratação deve (sempre) prevalecer em um país democrático. Afinal, a legislação incentiva o desenvolvimento do país, justamente através desta categorização de empresas tidas como menores, as quais empregam muito e, portanto, fomentam o crescimento sustentável no aspecto sócio-econômico.
16. Em um país cuja economia passa por percalços internos e por desafios advindos do exterior, a super proteção ao emprego e a indisponibilidade dos direitos dos trabalhadores precisam ser analisadas sem o manto do protecionismo exacerbado. Ao invés de gerar postos de trabalho, este formato super protecionista finda desestimulando a empregabilidade, pela lógica da eterna bolha de dificuldade empresarial; pelos dificultadores do empreendedorismo, onde a classe empresária tem o sentimento de continuar andando no contra fluxo da um esteira rolante chamada Brasil desincentivador. Aqui, estamos abordando um aspecto do consequencialismo das decisões judiciais (art. 20 da LINDB) e do bem comum (art. 5º, da LINDB), que precisam ser avaliados por esta Justiça Especializada, tão importante ao nosso país e que consegue historicamente tratar e distinguir, com equilíbrio e justiça, todos os tipos de relações contratuais (de trabalho, de emprego e de serviços).
17. Ultrapassada a questão do consequencialismo das decisões judiciais, é importante voltar ao aspecto da liberdade ou autonomia das partes. Pois bem, retirar a autonomia da vontade das partes, para impor uma relação de emprego, consubstanciada na proteção de um hipersuficiente, vai onerar mais o contratante e, portanto, pode estimular a redução remuneratória do contratado ou mesmo a escassez de serviço a este último.
18. Falar em imperatividade de normas trabalhistas por si só parece equivocado, uma vez que imperium soa extremo, unilateral, irredutível, anti democrático e contraproducente para com a lógica do law and economics (que se alinha com o consequencialismo das decisões judiciais).
19. No voto vencido, inclusive, o relator ministro reconheceu que não desconsidera a decisão proferida pela 1ª turma do STF, em que se reputou lícita a contratação de médicos por pessoas jurídicas (Rcl 47.483). Explicou, contudo, que o caso dos autos se diferencia, uma vez que aqui o reclamante foi admitido como empregado e posteriormente houve a alteração por acordo entre as partes, dando a entender que haveria fraude ao vínculo de emprego.
20. Indaga-se:
a) uma vez que se trata de efetivo acordo bilateral, deve-se conceber juridicamente que houve fraude e imputar um vínculo empregatício goela abaixo?
b) ao concordar com a mudança no formato da contratação, o reclamante - que é médico e, portanto, não é hipossuficiente jus-intelectual -, não estaria se aproveitando da própria torpeza (venire contra factum proprium), in casu?
c) analisando o consequencialismo dessa interpretação e o cenário de insegurança jurídica, haverá estímulo ou receio nas futuras contratações? E quando um empreendedor/ pessoa física precisa contratar uma pessoa jurídica para lhe prestar serviços?
21. Vimos que o relator ministro Hugo Carlos concebeu a posição da 1ª turma do STF na reclamação 47.483. Portanto, seu entendimento poderia ser outro se a contratação pejotizada tivesse ocorrido desde o início, ou seja, se no momento da contratação inicial as partes já tivessem entabulado a pejotização: "Com efeito, na hipótese examinada pelo STF, a prestação de serviços, desde o início, se deu mediante pessoa jurídica. No caso dos autos, diferentemente, o reclamante foi admitido como empregado, tendo havido, posteriormente, alteração da modalidade contratual por acordo firmado entre as partes, o que levou o Tribunal de origem a concluir pela fraude à legislação trabalhista, porquanto inalteradas as condições de trabalho".
22. Numa ótica de pragmatismo consciente, o entendimento pela impossibilidade de mudança no formato da contratação estará estimulando a substituição do médico por uma outra empresa (na forma da Rcl 47.483). Leia-se: proceder com a rescisão do contratado e uma realizar uma nova contratação pejotizada traduz um cenário de menos insegurança jurídica.
23. Em nossa ótica, o acordo e as vontades das partes devem prevalecer, sejam elas no início do contrato, sejam elas no decorrer da contratação.
3. Incontrovérsias relevantes ao IRR: Hipersuficiência econômica e intelectual do reclamante. Liberalidade e benefícios bilaterais
24. Dadas as características de elevada intelectualidade e alto poder financeiro do médico reclamante, fica incontroverso que não há hipossuficiência no caso em debate. Aqui, falar em autossuficiência revela timidez jurídica. É um caso típico de hipersuficiência do reclamante.
25. Do mesmo modo, não há controvérsia sobre a ausência de vício ou mácula à contratação pela via da pejotização.
26. Tais pontos, portanto, estabelecem que a mudança contratual para o formato pejotizado obedece aos princípios da primazia da realidade e a da boa fé (art. 422 do CC), tendo ambas as partes se beneficiado no interregno da prestação dos serviços. Inclusive, este formato de contratação permite a liberdade ao reclamante de prestar serviços a uma pluralidade de tomadores, dando-lhes chances de multiplicar seu portfólio e sua renda, bem como de delegar ou terceirizar os serviços, quando crível for.
27. Em caso análogo e recente, a 24ª vara do trabalho do Rio de Janeiro validou cláusula arbitral e extinguiu a reclamação, em um caso que também envolve hipersuficiência de reclamante e tentativa de reconhecimento vínculo empregatício:
Por hipersuficiência, juiz extingue ação é valida cláusula arbitral.
Ex-diretor financeiro que ajuizou pedido de reconhecimento de vínculo auferia R$ 50 mil mensais.
Ex-diretor financeiro da PetroRio, que ajuizou ação trabalhista para obter reconhecimento de vínculo de emprego, teve o pedido extinto sem resolução do mérito. O juiz do Trabalho Cássio Brognoli Selauda, da 24ª vara do Trabalho do Rio de Janeiro/RJ, reconheceu a validade da cláusula compromissória de arbitragem firmada entre as partes e avaliou que o reclamante seria "uma das pessoas mais hipersuficientes que já litigaram na Justiça do Trabalho". (fonte: https://www.migalhas.com.br/quentes/426790/por-hipersuficiencia-juiz-extingue-acao-e-valida-clausula-arbitral)
28. A livre e espontânea vontade das partes no formato de contratação já ocorre com outros profissionais, que optam pelo formato de contrato civil - que difere de relação de emprego -, a exemplo do representante comercial; do advogado associado do escritório de advocacia; do correspondente bancário; do corretor autônomo; da contratação terceirizada; do uberizado; do franqueado; etc.
29. Não havendo dolo, fraude, coação ou qualquer contaminação embutida na contratação, também não há desequilíbrio no pacto, seja no momento inicial, seja na mudança superveniente (producente e vantajosa bilateralmente. Logo, descartada a aplicação do art. 9º da CLT.
30. Assim, deve prevalecer a autonomia da vontade das partes, principalmente quando não há qualquer contaminação do que fora negociado bilateralmente. Se assim não for, estar-se-á atuando com um ativismo judicial mega protecionista e institucionalizado uma nova figura jurídica, a da fraude culposa ex ofício; estar-se-á fomentando insegurança jurídica e, consequentemente, contrariando o ODS 16 da ONU, que visa fortalecer o Judiciário; estar-se-á incentivando o efeito backlash do legislativo.
31. Estimular o empreendedorismo e a pejotização não significa precarizar o trabalho; significa fomentar ao desenvolvimento sócio-econômico do país.
4. Considerações finais
32. Ressalvando a imprescindibilidade e importância desta Justiça Especializada, acreditamos que o presente IRR deve guardar similitude de pensamento jurídico constitucional com os precedentes (e razões de decidir) do E. STF, no sentido de reconhecer - como regra - a legalidade da pejotização em ambos os momentos. Tanto na contratação inicial, como na possibilidade de mudança no formato da contratação, no decorrer dos serviços. Assim sendo:
1ª) É válida a contratação de trabalhador que constitui pessoa jurídica para a realização de função habitualmente exercida por empregados no âmbito da empresa contratante ('pejotização').
2ª) É válida a conversão de relação de emprego em relação pejotizada.
33. Casos excepcionais, em que seja comprovados vícios na contratação - a exemplo de dolo, coação ou fraude - , por óbvio, devem ser tratados com distinção (distinguish), conforme motivações supra.