A (nova) consolidação substancial e seu deferimento pelo juízo sem a apreciação da assembleia como medida de efetividade do processo
A consolidação substancial, cumpridas as exigências legais, permite ao magistrado decidir rapidamente, tornando o processo mais eficiente e focado na preservação da empresa e pagamento dos credores.
quarta-feira, 26 de março de 2025
Atualizado em 27 de março de 2025 07:28
A consolidação substancial na recuperação judicial é um instituto presente desde a entrada em vigor da lei 11.101/05, pois especialmente em casos de estruturas mais complexas é natural que exista mais de uma sociedade e que essas atuem em conjunto em atividades complementares ou muitas vezes na mesma atividade, com um CNPJ para cada loja, ponto comercial ou unidade de negócios, ou ainda com a criação de novas empresas à medida em que as mais antigas começam a enfrentar algum nível de dificuldade como falta de certidões negativas e/ou outras pendências que podem em algum nível obstaculizar a consecução parcial de suas atividades. Some-se a isso, administração familiar, nem sempre com um grau de profissionalização compatível à necessidade, centralizada, com caixa único, entre outros fatores que demonstram que apesar da existência de várias sociedades, todas são tratadas como um só negócio.
Contudo, até a reforma de 2020 a consolidação substancial era em grande parte implícita1. Eram ajuizadas as recuperações em litisconsórcio ativo, apenas um plano de recuperação judicial era apresentado e votado e com sua aprovação era concedida a recuperação a estas empresas.
Com o passar do tempo e maior qualificação dos operadores, começou-se a discutir se poderia ser realizada essa união da forma proposta ou se haveria a necessidade de um plano de recuperação para cada empresa, a ser votado pelos respectivos credores, e consequentemente em várias assembleias, o que trazia, e ainda traz uma série de transtornos uma vez que a viabilidade dependeria da dinâmica de funcionamento de cada grupo. Exemplo disso se dá quando uma empresa detém os funcionários que trabalham exclusivamente para outra empresa desse grupo, não tendo uma existência independente, mas o passivo é concentrado na empresa operacional, o que inviabilizaria essa apreciação em separado, pois de nada valeria aprovar o plano da empresa que concentra os empregados e convolar em falência a da empresa operacional, que é a responsável pelas receitas, inclusive daquela que emprega seus funcionários.
Os credores, por sua vez, poderiam entender que seria mais vantajoso receberem de uma empresa promissora, mas que, se unida com outra do grupo econômico, teria severamente diminuída a sua capacidade de pagamento em razão das dívidas dessa última.
Nesse cenário, consolidou-se o entendimento de que os credores deveriam aprovar em assembleia a consolidação substancial antes de levada à apreciação o plano de recuperação judicial único apresentado, o que também causa controvérsia, pois poderia haver conflito quanto ao quórum adequado, pois todos os credores votariam em conjunto ou cada empresa votaria a consolidação separadamente. No caso de votação em conjunto na hipótese de uma empresa possuir a maior parte dos credores e esses votassem favoravelmente, isso poderia representar prejuízo aos demais credores das demais.
Assim, com a reforma trazida pela lei 14.112/20 houve a positivação da consolidação substancial e a possibilidade de o juízo autorizá-la, independentemente da AGC, desde que cumpridos os requisitos previstos no caput e incisos do art. 69-J.
O caput do artigo 69-J estabelece que de forma excepcional, independentemente da AGC, o juízo poderá autorizar a consolidação substancial quando constatar os dois requisitos do caput, que são a interconexão e a confusão entre ativos ou passivos dos devedores; e confusão entre ativos ou passivos dos devedores, sem que seja possível identificar a sua titularidade sem excessivo dispêndio de tempo ou de recursos; e dois dos quatro requisitos apresentados nos incisos, quais sejam: i) existência de garantias cruzadas; ii) relação de controle ou de dependência; iii) identidade total ou parcial do quadro societário; iv) atuação conjunta no mercado entre os postulantes.
Deste modo, a "forma excepcional" ali indicada está vinculada ao cumprimento dos requisitos legais, ou seja, a contrariu sensu não evidenciados, haverá a forma regular de processamento com a apreciação do assunto pela assembleia de credores. Não se trata de ato discricionário do magistrado, que poderia ainda assim negar tal pedido diante do atendimento das exigências contidas a norma.
Atualmente muitos pedidos de consolidação substancial vem sendo realizados na petição inicial e em muitos casos autorizados já na decisão de deferimento do processamento da recuperação judicial. E isso é saudável, pois dentre as complexas questões que precisam ser enfrentadas no curso do processo, subtrai-se essa, por haver orientação objetiva para sua apreciação, diminuindo a quantidade de possíveis controvérsias, otimizando o processo e seu tempo de duração, concentrando-se no que deve ser o principal que é a preservação da empresa, postos de trabalho, função social permitindo que possa quitar suas obrigações com os credores.
A celeridade do processo de recuperação judicial é um ponto crucial a ser resolvido, pois segundo estudo elaborado pela Fundação Getúlio Vargas, quanto menor o tempo de sua duração, maior o interesse dos empresários em recorrer ao instituto, o que pode ao fim, resultar em um menor número de falências desnecessárias2, o que na prática diminui consideravelmente a chance de recebimento por grande parte dos credores. A baixa celeridade afeta a eficiência do processo, na visão dos próprios magistrados, conforme aponta o referido estudo, o que não se alinha ao propósito traçado no art. 8º do Código de Processo Civil3.
Portanto, diante da possibilidade de solução objetiva da consolidação substancial tal como determinada na lei e cumpridas as exigências legais, entende-se oportuno ao magistrado decidi-la de pronto, tornando o processo mais eficiente, célere e concentrado em suas finalidades essenciais, a preservação da empresa e pagamento dos credores.
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1 CEREZETTI, Sheila Christina Neder e SOUZA JÚNIOR, Francisco Satiro de. A silenciosa "consolidação" da consolidação substancial. Revista do Advogado, v. 36, n. 131, p. 216-223, 2016Tradução . Acesso em: 25 mar. 2025
2 https://justica.fgv.br/sites/default/files/2024-10/recuperacaodeempresas.pdf. Acesso em 25 de março de 2025.
3 Art. 8º Ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz atenderá aos fins sociais e às exigências do bem comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana e observando a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência.
Luciana Abreu
Advogado especialista em Direito Empresarial. Pós-graduada em Direito Empresarial e Direito Tributário, MBA em Gestão Estratégica e Econômica de Negócios e especialização em Administração Judicial (TJRJ). Sócia e head das Áreas Empresarial e Cível do Gameiro Advogados.