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A prematuridade da nova PEC da segurança pública e o risco ao alcance dos direitos humanos na agenda 2030

A PEC da Segurança Pública busca combater a criminalidade, mas pode ser precipitada ao desconsiderar desafios estruturais e direitos humanos no Brasil.

terça-feira, 25 de março de 2025

Atualizado às 15:24

A proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Segurança Pública, em sua justificativa, se ancora no ideal de garantir maior efetividade no combate à criminalidade. No entanto, quando analisada sob a ótica dos direitos humanos e da Agenda 2030 da ONU, revela-se como uma medida precipitada, dada a realidade do nosso país, onde as forças policiais ainda enfrentam desafios estruturais e institucionais profundos, especialmente no que tange à relação com a sociedade.

A Constituição Federal de 1988 consagrou a segurança pública como direito fundamental, prevendo-a como dever do Estado, direito e responsabilidade de todos. Contudo, a materialização desse direito depende de uma polícia que compreenda sua função não apenas como repressora, mas também como garantidora da ordem democrática e do respeito à dignidade humana, ou seja, sua função social essencial decorrente da garantia da segurança pública que é a paz social. No Brasil, infelizmente, essa maturidade institucional ainda não foi alcançada de maneira homogênea.

Por óbvio que o caráter de policiamento urbano regional a nível municipal, se apresenta como tendência de modelo, mas, casos recorrentes de violência policial, seletividade penal e abordagem discriminatória evidenciam que não estamos prontos para ampliar determinados poderes sem antes garantir o respeito irrestrito aos direitos fundamentais.

A Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável estabelece, entre seus objetivos (ODS 16), a necessidade de promover sociedades pacíficas e inclusivas, garantir o acesso à justiça para todos e construir instituições eficazes, responsáveis e inclusivas em todos os níveis. Uma PEC que impacte diretamente o direito à segurança, deveria ser pautada por essa perspectiva, priorizando a qualificação, a fiscalização e o aprimoramento das práticas policiais. Entretanto, ao invés disso, corremos o risco de aprofundar um modelo de segurança pública que perpetua desigualdades e violações, afastando-nos das metas globais para um desenvolvimento verdadeiramente sustentável.

Não há como ignorar que as forças policiais no Brasil ainda carecem de treinamento adequado, de melhores condições de trabalho e de uma cultura institucional que privilegie o respeito à vida e à dignidade da população. Como avançar em reformas constitucionais sem antes garantir o amadurecimento dessas instituições? O próprio ministro Ricardo Lewandowski afirma que a medida pode ser importante para garantir maior segurança jurídica à atuação das polícias municipais. No entanto, essa legitimidade não pode se sobrepor ao risco de aprofundamento da violência institucional, especialmente quando os mecanismos de controle e transparência ainda se mostram frágeis diante da realidade policial brasileira.

Exemplo disso é que, mesmo tendo à sua disposição os meios necessários, muitas Guardas Municipais ainda procrastinam na implementação do uso de câmeras corporais, instrumento que já demonstra resultados positivos na redução de abusos por parte da Polícia Militar em algumas regiões do país, e na legitimação das ações policiais. A resistência em adotar medidas tão básicas de controle e responsabilização revela que não estamos diante de instituições plenamente comprometidas com a transparência e com os princípios constitucionais que deveriam nortear sua atuação.

A pressa em alterar a Constituição, sem um diagnóstico aprofundado e sem o fortalecimento prévio dos mecanismos de fiscalização, pode nos lançar em um ciclo ainda mais perverso de insegurança e injustiça. Em um país que já sofre com altos índices de letalidade policial e desconfiança nas forças de segurança, logo qualquer mudança estrutural deve ser precedida de debates amplos e de compromissos reais com os direitos humanos.

Por ora, resta-nos apenas a resignação diante de mais uma tentativa de solução simplista para um problema complexo. O que poderia ser uma oportunidade de avanço para uma segurança pública humanizada corre o risco de se tornar um retrocesso, aprofundando desigualdades e afastando-nos dos compromissos internacionais firmados na Agenda 2030.

Shirley Candido Claudino

Shirley Candido Claudino

Advogada e Consultora Tributária Empresarial, e Cível e Palestrante. Membro - Comissão de Igualdade Racial e Verdade Sobre a Escravidão do. Sindicato dos Advogados de São Paulo - SASP. Vice Presidente - Comissão de Direito Sindical da OAB Santo Amaro. Membro - Comissão de Igualdade Racial e da Mulher Advogada da OAB-Subseção Santo Amaro/SP. Membro - Comissão de Igualdade Racial e Verdade Sobre a Escravidão do Sindicato dos Advogados de São Paulo - SASP.

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