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Limites da cobertura e exclusões contratuais: Segurança jurídica e sustentabilidade no setor securitário

A delimitação do risco é essencial no contrato de seguro, garantindo previsibilidade e estabilidade financeira. As cláusulas de exclusão são fundamentais para manter o equilíbrio atuarial.

quarta-feira, 26 de março de 2025

Atualizado em 27 de março de 2025 07:22

No âmbito do contrato de seguro, a delimitação do risco é o eixo central sobre o qual se estrutura toda a operação securitária. A cobertura é, por natureza, limitada. Ela existe para garantir previsibilidade ao sistema, permitindo que as seguradoras calibrem com precisão suas reservas e obrigações. Quando os limites contratuais são desconsiderados, em nome de uma equivocada ampliação interpretativa, compromete-se não apenas a estabilidade técnica das seguradoras, mas toda a lógica de funcionamento da mutualidade.

Essa estrutura se apoia em garantias fundamentais, como os princípios da boa-fé objetiva (art. 422 do CC) e da autonomia privada (art. 421), essenciais para assegurar a higidez da equação atuarial que sustenta a atividade securitária. A cláusula de delimitação do risco, por sua vez, encontra respaldo no art. 757 do CC, que prevê a obrigação da seguradora apenas em caso de ocorrência do risco expressamente contratado. Além disso, o art. 762 do mesmo diploma exclui a cobertura em casos de dolo do segurado, reforçando o caráter técnico e legal da limitação de coberturas. O excesso de relativização contratual afasta esses fundamentos, gerando insegurança jurídica e comprometendo a sustentabilidade financeira do setor.

As cláusulas de exclusão de cobertura são, portanto, instrumentos legítimos e imprescindíveis no contrato de seguro. São elas que possibilitam à seguradora calcular o prêmio com base em eventos previsíveis e mensuráveis, excluindo riscos extraordinários ou de natureza imprópria à mutualidade. A resolução CNSP 384/20, da Susep - Superintendência de Seguros Privados, reconhece expressamente a validade dessas cláusulas, desde que redigidas de forma clara e destacada, conforme o princípio do dever de informação previsto no CDC. No entanto, é fundamental frisar que tal princípio não pode ser usado como instrumento de ingerência judicial em cláusulas legítimas, especialmente quando o contrato for de adesão, mas transparente quanto aos seus limites.

A jurisprudência dos tribunais superiores tem, progressivamente, reconhecido a força normativa das cláusulas de exclusão. O STJ consolidou o entendimento de que a cobertura securitária está limitada ao risco contratado, não sendo razoável imputar à seguradora a responsabilidade por eventos expressamente excluídos da apólice. A lógica contratual do seguro exige previsibilidade. A ampliação judicial da cobertura para abarcar sinistros não pactuados viola não apenas a boa-fé objetiva, mas também o princípio do equilíbrio contratual, impondo à seguradora riscos que jamais foram assumidos.

Ainda que se reconheça o caráter protetivo do CDC, o Judiciário não pode ignorar a natureza técnica e regulada da atividade securitária, tampouco desconsiderar que a mutualidade pressupõe equilíbrio atuarial. O art. 757 do CC é claro ao definir que a obrigação da seguradora se limita "ao pagamento de determinada quantia, em caso de ocorrência do risco previsto no contrato". Não se trata de liberalidade, mas de obrigação vinculada aos termos contratuais. Quando o contrato exclui, por exemplo, atos ilícitos dolosos do segurado (art. 762 do CC), não há margem para ampliação interpretativa. Trata-se de vedação legal, cuja função é evitar o abuso e preservar a função social do seguro.

As exclusões de cobertura, além de legítimas, são essenciais para mitigar fraudes, especialmente em segmentos de elevada exposição, como o seguro de vida, o seguro automotivo e o seguro patrimonial. Ao permitir que o contrato seja desfigurado por interpretações que ignoram as cláusulas de exclusão, compromete-se a solvência do sistema e o interesse público subjacente ao setor de seguros, que cumpre papel relevante na economia nacional.

Para as seguradoras, é imperioso manter rigor técnico na redação das cláusulas de exclusão, garantir a devida comunicação ao segurado e registrar documentalmente a ciência das condições gerais. O cumprimento estrito desses procedimentos é a chave para a eficácia jurídica das exclusões em juízo. 

Por fim, defender os limites contratuais do seguro não é ato de restrição de direitos, mas de proteção à própria coletividade de segurados. O setor securitário só pode cumprir sua função econômica e social - de garantir estabilidade financeira frente a eventos danosos - se estiver amparado por um sistema de normas claras e respeitado em suas bases técnicas. As cláusulas de exclusão são, assim, instrumentos de justiça contratual e pilares de uma relação equilibrada e sustentável entre seguradora e segurado.

Claudinéia Pereira

Claudinéia Pereira

Sócia-diretora da Jacó Coelho Advogados. Tem MBA em Gestão Jurídica de Seguro e Resseguro pela FUNENSEG. É pós-graduada em Direito Tributário e Processo Tributário pela Faculdade Atame de Goiânia-GO e Mestranda em Direito do Agronegócio e Desenvolvimento pela UniRV.

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