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Lavagem de dinheiro: Como identificar falhas na denúncia

O presente artigo aborda a prática na defesa penal do crime de Lavagem de Capitais no que diz respeito a identificação de falhas na petição acusatória do Ministério Público.

quarta-feira, 26 de março de 2025

Atualizado às 13:27

É de amplo conhecimento que para o recebimento da denúncia no caso de lavagem de dinheiro basta a probabilidade, quer dizer, a existência de indícios suficientes, e não a indubitabilidade da infração penal antecedente. 

No Brasil, o crime de lavagem de dinheiro, disciplinado pela lei 9.613/1998, é estruturado sob o modelo de acessoriedade limitada, o que significa que não se exige o trânsito em julgado da condenação pela infração penal antecedente para que se possa imputar a lavagem de ativos. Basta a comprovação da existência do crime antecedente em termos de materialidade e indícios de autoria. A necessidade de demonstrar o crime antecedente gera o fenômeno da "justa causa duplicada".

A denúncia, por sua vez, deve demonstrar indícios suficientes do crime antecedente, ainda que não tenha sido objeto de condenação. Nessa esteira, a tese da justa causa duplicada pode ser um forte fundamento para descaracterizar a peça acusatória que não demonstra de forma clara e suficiente a relação entre o crime antecedente e a lavagem de capitais.

Falta de individualização da conduta (violação ao art. 41 do CPP)

É evidente a exigência de que a petição acusatória deva descrever a conduta de forma clara e precisa, possibilitando o exercício da ampla defesa. Em muitos casos, a acusação de lavagem de dinheiro baseia-se em suposições sobre a origem ilícita dos valores, sem indicar quais atos concretos foram praticados pelo acusado para ocultar ou dissimular os bens.

Imagine que o MP denuncia alguém por lavagem de dinheiro apenas porque a pessoa recebeu valores de uma empresa investigada por corrupção, sem apontar atos concretos de ocultação ou dissimulação. Nesse exemplo, pode-se argumentar que há uma presunção indevida da ilicitude dos valores, sem demonstração suficiente da autoria e materialidade.

Inclusive, ao reconhecer a inépcia de denúncia em caso de lavagem de dinheiro, o STF assentou que:

"[.] 5. Denúncia que não descreve adequadamente o fato criminoso é inepta. Precedentes. 6. Nos termos do art. 41 do Código de Processo Penal, um dos requisitos essenciais da denúncia é "a exposição do fato, com todas as suas circunstâncias". 7. Esse requisito, no caso concreto, não se encontra devidamente preenchido em relação ao crime de lavagem de dinheiro. 8. A denúncia não descreve minimamente os fatos específicos que constituiriam os crimes antecedentes da lavagem de dinheiro, limitando-se a narrar que o paciente teria dissimulado a natureza, a origem, a localização, a disposição e a movimentação de valores provenientes de crimes contra a Administração Pública. 9. Não há descrição das licitações que supostamente teriam sido fraudadas, nem os contratos que teriam sido ilicitamente modificados, nem os valores espuriamente auferidos com essas fraudes que teriam sido objeto de lavagem. 10. A rigor, não se cuida de imputação vaga ou imprecisa, mas de ausência de imputação de fatos concretos e determinados. 11. O fato de o processo e julgamento dos crimes de lavagem de dinheiro independerem do processo e julgamento dos crimes antecedentes (art. 2º, II, da lei  9.613/9198) não exonera o Ministério Público do dever de narrar em que consistiram esses crimes antecedentes. 12. O grave defeito genético - ausência de descrição mínima da conduta delituosa - de que padece a denúncia não pode ser purgado pelo advento da sentença condenatória, haja vista que, por imperativo lógico, o contraditório e a ampla defesa, em relação à imputação inicial, devem ser exercidos em face da denúncia, e não da sentença condenatória. 13. A sentença condenatória jamais poderia suprir omissões fáticas essenciais da denúncia, haja vista que o processo penal acusatório se caracteriza precisamente pela separação funcional das posições do juiz e do órgão da persecução. 14. Ademais, sem uma imputação precisa, haveria violação da regra da correlação entre acusação e sentença. 15. A deficiência na narrativa da denúncia inviabilizou a compreensão da acusação e, consequentemente, o escorreito exercício da ampla defesa." (STF, HC 132.179, 2ª T., rel. min. Dias Toffoli, j. 26/9/17)

Ausência de justa causa: denúncia sem comprovação mínima da infração penal antecedente. A acessoriedade limitada do crime exige que haja, no mínimo, indícios concretos da existência do crime antecedente. Se a denúncia não apresenta provas mínimas desse delito, há um problema de justa causa, podendo ser alegada a sua inépcia.

Se a denúncia não demonstra, minimamente, a materialidade do crime antecedente, ela se torna especulativa, violando o princípio da justa causa (art. 395, inciso III, do CPP).

Na prática, temos o seguinte exemplo: se a denúncia afirma genericamente que o dinheiro teria origem em crimes contra a administração pública, mas não indica elementos concretos que vinculem os valores a um crime específico, pode-se alegar que há um déficit probatório que inviabiliza a ação penal.

De modo semelhante à jurisprudência do STF, no julgamento do RHC 106.107/BA, o STJ asseverou que:

"[.] A denúncia de crimes de branqueamento de capitais, para ser apta, deve conter, ao menos formalmente, justa causa duplicada, que exige elementos informativos suficientes para alcançar lastro probatório mínimo da materialidade e indícios de autoria da lavagem de dinheiro, bem como indícios de materialidade do crime antecedente, nos termos do art. 2º, § 1º, da Lei 9.613/98. Outrossim, por ocasião da elaboração da inicial com indícios suficientes da materialidade da infração antecedente, é despiciendo o conhecimento da autoria, a verificação de seu substrato da culpabilidade e sua punibilidade, sendo irrelevante haver condenação transitada em julgado ou até mesmo o trâmite processual persecutório, haja vista a autonomia relativa do processo penal do crime acessório da lavagem em relação ao seu antecedente, principal. Entrementes, necessário que se conste na peça acusatória não apenas o modus operandi do branqueamento, mas também em que consistiu a infração antecedente e quais bens, direitos ou valores, dela provenientes, foram objeto da lavagem, sem, contudo, a necessidade de descrição pormenorizada dessa conduta antecedente" (RHC 106.107/BA, relator ministro Ribeiro Dantas, 5ª Turma, julgado em 25/6/19, DJe de 1/7/19).

Contradição entre o crime antecedente e a conduta de lavagem de dinheiro.

Outro ponto crítico é quando a denúncia não demonstra o nexo de causalidade entre o crime antecedente e os atos de lavagem. Isso ocorre quando há uma confusão entre os dois crimes, especialmente em casos onde o próprio crime antecedente já envolve movimentações financeiras suspeitas (peculato, corrupção, fraude a licitação...)

A denúncia não pode apenas repetir a descrição do crime antecedente e dizer que a movimentação financeira decorrente dele já caracteriza lavagem. É necessário demonstrar atos autônomos de ocultação ou dissimulação, sob pena de inépcia. Imagine que a acusação narra que o réu recebeu dinheiro fruto do suposto crime antecedente e imediatamente comprou bens móveis, imóveis, gastou com despesas pessoais, pode-se argumentar que não houve lavagem, pois não houve ato de ocultação ou dissimulação, mas apenas a fruição do proveito econômico do crime antecedente.

Uso de presunções indevidas para fundamentar a denúncia

A denúncia pode ser considerada inepta também se a fundamentação da existência da lavagem se amparar apenas em presunções genéricas sobre a origem ilícita dos valores, sem comprovar a efetiva ocultação ou dissimulação. Isso ocorre, por exemplo, quando o MP se apóia exclusivamente em um aumento patrimonial incompatível ou na utilização de empresas offshore, sem demonstrar que houve um crime antecedente específico.

Nesta situação, deve haver uma demonstração objetiva do vínculo entre o valor movimentado e uma infração penal antecedente específica. O aumento patrimonial do acusado, por si só, não pode caracterizar a lavagem de capitais, faz-se necessário demonstrar que houve a prática do verbo nuclear do tipo penal.

As teses apresentadas possuem grande força nos tribunais superiores, especialmente quando há denúncias genéricas e sem individualização da conduta.

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Juriaprudências

(AgRg no RHC 116.914/RS, relator ministro Ribeiro Dantas, 5ª Turma, julgado em 3/8/21, DJe de 16/8/21.)

RHC 121835 AgR, Relator(a): CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 13/10/15, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-235 DIVULG 20-11-2015 PUBLIC 23-11-2015 RTJ VOL-00238-01 PP-00110.

AgInt no AREsp 1399266/GO, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, DJe 14/2/19; AgRg no REsp 1765917/CE, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, DJe 12/12/18; AgRg no REsp 1706677/MA, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, DJe 4/2/19.

Fábio Franklin Jr

VIP Fábio Franklin Jr

Advogado Criminalista. Especialista em Direito Penal Econômico - PUC/MG. Especialista em Jurisprudência Penal - CEI. Atuação em Crimes Financeiros e Lavagem de Capitais.

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