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Cirurgia liberada sem material? Saiba o que os planos de saúde omitem

Este artigo aborda a negativa abusiva dos planos de saúde em fornecer materiais cirúrgicos, esclarece direitos dos pacientes e mostra caminhos jurídicos práticos para garantir cobertura.

terça-feira, 25 de março de 2025

Atualizado às 14:42

A negativa de materiais cirúrgicos por planos de saúde tem sido um dos temas mais discutidos no Direito da Saúde, gerando inúmeros litígios entre operadoras e beneficiários. A conduta de restringir a cobertura de insumos essenciais ao sucesso da cirurgia contraria normas da ANS - Agência Nacional de Saúde Suplementar, dispositivos da lei 9.656/1998 e o CDC.

O STJ já consolidou o entendimento de que a operadora pode estabelecer quais doenças terão cobertura, mas não pode restringir o tratamento indicado pelo médico assistente, especialmente quando se trata de insumos imprescindíveis ao procedimento.

A base legal da obrigação dos planos de saúde

A legislação brasileira impõe obrigações claras às operadoras de planos de saúde quanto à cobertura de procedimentos médicos e materiais indispensáveis à sua execução.

Lei 9.656/1998 - Obrigação de cobertura

A lei dos planos de saúde estabelece os direitos dos beneficiários e as regras para a cobertura dos procedimentos contratados excluídos da cobertura, mas determina que todos os procedimentos necessários ao tratamento de doenças listadas na CID - Classificação Internacional de Doenças devem ser garantidos pelo plano.

O inciso VII do art. 10 prevê que a operadora pode excluir da cobertura apenas órteses, próteses e acessórios não ligados ao ato cirúrgico. Isso significa que, quando esses materiais são indispensáveis para a realização da cirurgia indicada pelo médico assistente, a negativa da operadora pode ser considerada ilegal.

O art. 12 da mesma lei estabelece que a cobertura dos planos privados de assistência à saúde deve incluir todos os materiais e medicamentos necessários para a realização dos procedimentos cobertos, salvo exclusões expressamente previstas.

Resoluções da ANS e a cobertura obrigatória de materiais

A ANS, responsável pela regulação do setor de saúde suplementar, emitiu diversas resoluções normativas que reforçam a obrigatoriedade da cobertura de materiais cirúrgicos essenciais.

A RN 465/21 dispõe sobre o rol de procedimentos e eventos em saúde e estabelece que os planos de saúde devem garantir a cobertura de todos os insumos necessários para a realização dos procedimentos listados.

O art. 2º da RN 465/21 determina que os procedimentos cobertos pelos planos de saúde devem incluir os materiais necessários para sua execução. Essa norma reforça que as operadoras não podem limitar a cobertura apenas ao procedimento cirúrgico em si, excluindo materiais imprescindíveis para sua efetivação.

Já a RN 424/17 regula os critérios para análise de coberturas e a obrigatoriedade de parecer técnico quando há divergência sobre a necessidade de determinado material. A norma estabelece que, em caso de discordância quanto à indicação do material pelo médico assistente, a operadora deve convocar uma junta médica composta por três especialistas na área da patologia do paciente, sendo que um dos médicos pode ser indicado pelo beneficiário.

Assim, quando um plano de saúde discorda da indicação de um material cirúrgico prescrito pelo médico assistente, ele não pode simplesmente negar a cobertura.

Existem procedimentos legais e regulatórios que devem ser seguidos para garantir que a negativa não seja considerada abusiva. Assim, quando o plano de saúde discorda de um material indicado pelo médico ligado ao ato cirúrgico deve:

Justificar a negativa por escrito

Conforme determina o art. 12, inciso II, alínea "d" da lei 9.656/1998, qualquer negativa de cobertura deve ser formalmente comunicada ao paciente, com justificativa detalhada, fundamentada na legislação vigente, nas regras do contrato e nas diretrizes da ANS.

Submeter o caso à análise da junta médica

Caso discorde da indicação do médico assistente, o plano de saúde pode solicitar a avaliação por uma junta médica. A RN 424/17 da ANS estabelece que:

  • A junta médica deve ser composta por três profissionais especialistas na área da patologia do paciente.
  • O médico assistente do paciente pode indicar um dos membros da junta.
  • A decisão deve ser fundamentada e comunicada ao paciente.

Garantir a realização do procedimento em caso de urgência/emergência

Nos casos em que a cirurgia seja de urgência ou emergência, a negativa de materiais pode configurar prática abusiva. O art. 35-C da lei 9.656/1998 estabelece que os planos de saúde não podem negar cobertura de qualquer procedimento necessário para preservar a vida do paciente.

Permitir ao paciente buscar reembolso ou ressarcimento

Se o paciente, diante da negativa, adquirir o material indicado pelo médico por conta própria, ele pode ajuizar ação judicial para obter o ressarcimento dos valores pagos, conforme precedentes do STJ.

Se o plano de saúde não seguir esse procedimento e negar o fornecimento do material sem justificativa médica válida, a negativa pode ser considerada abusiva, sujeitando a operadora a sanções administrativas e ações judiciais.

Posicionamento do Poder Judiciário sobre a negativa de materiais cirúrgicos

O Poder Judiciário tem reiteradamente declarado abusivas as negativas de cobertura de materiais cirúrgicos essenciais, condenando operadoras a ressarcirem os custos do paciente e a indenizá-los por danos morais.

1. TJ-RJ - Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro

  • Processo: Apelação cível XXXXX-20.2019.8.19.0001
  • Ementa: "Considerando que o material indicado pelo médico é acessório indispensável ao sucesso da cirurgia, sua negativa com base em cláusula contratual de exclusão se revela abusiva e, portanto, nula de pleno direito."

2. TJ-MT - Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso

  • Processo: Apelação cível 0005688-75.2016.8.11.0041
  • Decisão: A 3ª Câmara de Direito Privado condenou uma cooperativa médica a pagar R$ 10.000,00 por danos morais a uma paciente, devido à negativa de cobertura de materiais cirúrgicos necessários para uma cirurgia de hérnia discal lombar.

3. TJ-SP - Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

  • Processo: Apelação Cível 1001384-94.2023.8.26.0565?
  • Ementa: "A recusa quanto à autorização para material solicitado pelo médico não restou satisfatoriamente justificada pela operadora."

Providências a serem tomadas em caso de recusa

Caso o plano de saúde negue a cobertura de materiais cirúrgicos essenciais ao procedimento indicado pelo médico assistente, o paciente deve adotar as seguintes medidas:

  1. Solicitar a negativa por escrito, com justificativa detalhada da operadora;
  2. Obter um relatório médico fundamentado, demonstrando a necessidade dos materiais para o sucesso do tratamento;
  3. Registrar uma reclamação junto à ANS, informando a negativa indevida;
  4. Buscar assistência jurídica para ingressar com uma ação judicial, solicitando a concessão de uma liminar para garantir a cobertura imediata dos materiais.

Em muitos casos, os tribunais concedem liminares determinando que o plano de saúde forneça os materiais essenciais ao tratamento sob pena de multa diária em caso de descumprimento.

Conclusão

A negativa de materiais cirúrgicos por parte das operadoras de planos de saúde é uma prática ilegal e abusiva, que afronta a lei 9.656/1998, as resoluções da ANS e os princípios do CDC, e é uma questão que afeta diretamente a qualidade e a eficácia dos tratamentos médicos no Brasil.

O entendimento consolidado do STJ e dos tribunais estaduais é de que as operadoras não podem excluir a cobertura de insumos imprescindíveis para a realização de procedimentos cirúrgicos contratados.

Diante de uma negativa indevida, é essencial que o paciente busque orientação jurídica especializada para assegurar seu direito à cobertura integral do tratamento e, quando aplicável, a indenização por danos morais.

Aline Vasconcelos

VIP Aline Vasconcelos

Advogada especialista em Saúde Suplementar, com atuação há 15 anos em assessorias de empresas e na defesa de beneficiários em questões relacionadas a planos de saúde.

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