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O Direito Processual de trânsito em face do Direito Processual Penal

Análise comparativa entre o processo penal e o de trânsito destaca a atuação do advogado e as garantias legais na defesa do condutor.

quarta-feira, 26 de março de 2025

Atualizado às 13:28

Introdução

O Direito Processual de Trânsito, ainda que frequentemente subestimado em sua complexidade, configura-se como ramo autônomo e híbrido do ordenamento jurídico brasileiro, composto por normas administrativas e penais. A sua interface com o Direito Processual Penal revela importantes nuances à luz do devido processo legal e da ampla defesa, especialmente quando a conduta do infrator transita entre a esfera administrativa sancionatória e a repressão penal.

Este artigo visa apresentar uma análise dogmática, teórica e prática sobre os pontos de interseção, divergência e complementaridade entre esses regimes processuais, com ênfase na atuação do advogado na defesa técnica do condutor.

1. Natureza jurídica do processo de trânsito: Subsunção ou autonomia?

O processo administrativo de trânsito é sancionador, com repercussões diretas sobre o status de habilitação do condutor e sua liberdade de locomoção. Embora regulamentado por normas administrativas, seu conteúdo exige a aplicação subsidiária de princípios penais, como a presunção de inocência, o ne bis in idem e o favor rei, dado o caráter punitivo das penalidades (suspensão ou cassação do direito de dirigir).

2. Princípios informadores: Um comparativo

Enquanto o processo penal é estruturado sob a égide de princípios garantistas (legalidade, contraditório integral, presunção de inocência), o processo de trânsito admite mitigação desses postulados. O contraditório é diferido, a legalidade se manifesta por resoluções administrativas e não há jurisdição natural prévia. Ainda assim, a CF impõe que até mesmo os processos administrativos obedeçam ao devido processo legal e à ampla defesa em sentido material.

3. Diferenças estruturais e funcionais

Início do processo:

  • Penal: Notícia-crime ou inquérito policial;
  • Trânsito: Auto de infração lavrado por agente público.

Autoridade competente:

  • Penal: Juiz de Direito;
  • Trânsito: Autoridade administrativa.

Finalidade:

  • Penal: Pena privativa de liberdade, restritiva de direitos ou multa;
  • Trânsito: Penalidade administrativa e medidas educativas.

Meios de defesa:

  • Penal: Defesa técnica com contraditório pleno;
  • Trânsito: Defesa prévia, recursos administrativos (JARI, CETRAN) e eventual judicialização.

4. Infração como ilícito penal e administrativo

Certas condutas, como dirigir sob influência de álcool, têm dupla tipificação. Nesses casos, coexistem sanções administrativas e penais. A absolvição na esfera penal por inexistência do fato pode refletir automaticamente no processo administrativo, mas não o contrário. A atuação do advogado deve considerar a independência relativa entre as esferas.

5. A defesa técnica no processo de trânsito

A atuação do advogado especializado exige domínio de normas técnicas e capacidade argumentativa voltada à nulidade de atos administrativos. Dentre suas atribuições destacam-se:

  • Impugnação de autos de infração por vícios formais ou materiais;
  • Defesa prévia e recursos administrativos com base em teses jurídicas sólidas;
  • Ajuizamento de ações anulatórias ou mandados de segurança;
  • Defesa penal integrada (em casos de lesão corporal, homicídio culposo etc.).

6. Garantias processuais e ônus probatório

Enquanto o processo penal persegue a verdade real, o processo administrativo de trânsito parte da presunção de legitimidade do ato administrativo. Cabe à defesa a elisão dessa presunção, por meio de contraprova técnica e jurídica.

7. Sanções de trânsito: Função educativa, não punitivista

A natureza pedagógica do Direito de Trânsito deve ser respeitada. A imposição de sanções desproporcionais compromete sua finalidade. O advogado tem o papel de assegurar que as medidas aplicadas respeitem os princípios da razoabilidade, proporcionalidade e adequação normativa.

8. Conclusão

A interseção entre os regimes processuais de trânsito e penal exige do operador jurídico uma atuação técnica, crítica e sensível aos direitos fundamentais. A advocacia especializada no tema cumpre papel essencial na proteção da liberdade de locomoção e na conformação de um processo justo, mesmo na esfera administrativa.

José Ricardo Adam

VIP José Ricardo Adam

Especialista em Direito de Trânsito, José Ricardo Adam atua na defesa de motoristas em Lei Seca, acidentes e crimes, elabora doutrina e defende CNH em processos administrativos.

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