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É possível pedir o reembolso do congelamento de óvulos ao plano de saúde?

Embora a reprodução assistida seja um procedimento excluído do rol de coberturas obrigatórias da ANS, há situações em que a negativa de reembolso é abusiva.

quarta-feira, 26 de março de 2025

Atualizado às 13:26

A FIV - fertilização in vitro é uma técnica que utiliza óvulos congelados para a realização da reprodução assistida e, ao longo dos anos, tem se tornado a principal alternativa para mulheres que desejam engravidar, mas possuem comorbidades que afetam a capacidade reprodutiva. Diante disso, surge o questionamento: É possível o reembolso do procedimento de congelamento de óvulos pelo plano de saúde?

Pois bem, a princípio, a inseminação artificial é um procedimento excluído do rol de coberturas obrigatórias, conforme dispõe o art. 10, III, da lei 9.656/1998, sendo a manipulação de óvulos incluída no conceito de inseminação artificial pela resolução normativa 387/16 da ANS. Desse modo, o procedimento de congelamento ou criopreservação de óvulos para manipulação e fertilização futura estaria excluída da cobertura obrigatória dos planos de saúde.

Contudo, a situação não é assim tão simples, pois beneficiárias que possuem comorbidades que afetam diretamente a fertilidade - como endometriose, adenomiose, câncer, doenças autoimunes, insuficiência ovariana prematura, entre outras -, devem ter o procedimento de congelamento de óvulos integralmente coberto pelo plano de saúde, desde que comprovada a indispensabilidade do procedimento para a preservação da sua fertilidade, já que não se trata de um procedimento meramente eletivo.

Isso se deve ao fato da infertilidade feminina ser patologia classificada no Código Internacional de Doenças (CID 10-N97). Portanto, sendo a infertilidade uma doença, que possui cobertura obrigatória pelos planos de saúde e, sendo o congelamento de óvulos a forma de tratamento mais eficaz para evitar a infertilidade feminina, o plano de saúde não pode negar o seu custeio sob a alegação de que a criopreservação não se enquadra nas hipóteses de cobertura previstas no §4º e §13 do art. 10 da lei 9.656/1998.

Ressalte-se, ainda, que, embora o rol de procedimentos da ANS tenha caráter taxativo, situações excepcionais podem justificar a cobertura de tratamentos não incluídos na lista. Nesse sentido, a lei 14.454/22, promulgada em 22/9/22, alterou a lei 9.656/1998 para estabelecer expressamente que o rol da ANS serve apenas como "parâmetro básico" para os planos de saúde (Art. 2º, §12), eliminando definitivamente seu caráter taxativo, já que coibir o tratamento de uma patologia catalogada no Código Internacional de Doenças é atentatório à dignidade da pessoa humana e impede o restabelecimento da saúde da beneficiária do plano de saúde, que é um direito de todos, nos termos do art. 196 da Constituição Federal.

O Judiciário tem analisado diariamente casos em que beneficiárias - com comorbidades que impactam sua fertilidade -, buscam o reembolso do congelamento de óvulos. Nesta toada, o entendimento majoritário dos Tribunais caminha no sentido de condenar as operadoras ao reembolso total do procedimento, sem prejuízo ao dano moral, decorrente da recusa do reembolso em sede administrativa.

Em recente julgado, datado de 26/1/25, o 9º Juizado Especial Cível da Comarca da Capital do Estado do Rio de Janeiro, condenou a Unimed a reembolsar uma beneficiária o valor de R$ 42.290,00, gasto com o procedimento de congelamento de óvulos, além de imputar ao convênio médico o pagamento de uma indenização a título de danos morais de R$ 3.000,00 (processo 0804757-76.2024.8.19.0254, patrocinado pelo titular deste artigo).

Ao analisar o caso concreto, o magistrado Ricardo de Andrade Oliveira, salientou que a indispensabilidade do procedimento de congelamento de óvulos foi comprovada pela autora com a juntada do relatório médico indicando o tratamento para a preservação de sua fertilidade.

Ademais, o juízo salientou que "se mostra abusiva cláusula que exclua procedimentos, técnicas e materiais a serem utilizados visando o adequado tratamento da moléstia diagnosticada. Além do mais, a presente hipótese atrai a incidência do enunciado 340 da súmula de jurisprudência desta Corte Estadual, in verbis: 'Ainda que admitida a possibilidade de o contrato de plano de saúde conter cláusulas limitativas dos direitos do consumidor, revela-se abusiva a que exclui o custeio dos meios e materiais necessários ao melhor desempenho do tratamento da doença coberta pelo plano'."

Nesse contexto, em decisão de maio de 2020, a Terceira Turma do STJ manteve a condenação de um plano de saúde a custear o congelamento de óvulos de uma paciente com risco de infertilidade devido a um tratamento quimioterápico contra câncer de mama

O colegiado entendeu que a criopreservação integra o tratamento médico, uma vez que seu objetivo é preservar a fertilidade da paciente, considerando o risco de perda da função ovariana após a quimioterapia, vejamos:

"RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. CPC/2015. PLANO DE SAÚDE. TRATAMENTO QUIMIOTERÁPICO PARA CÂNCER DE MAMA RECIDIVO. PROGNÓSTICO DE FALÊNCIA OVARIANA COMO SEQUELA DA QUIMIOTERAPIA. PLEITO DE CRIOPRESERVAÇÃO DOS ÓVULOS. EXCLUSÃO DE COBERTURA. RESOLUÇÃO NORMATIVA ANS 387/2016. NECESSIDADE DE MINIMIZAÇÃO DOS EFEITOS COLATERAIS DO TRATAMENTO QUIMIOTERÁPICO. PRINCÍPIO MÉDICO "PRIMUM, NON NOCERE". OBRIGAÇÃO DE COBERTURA DO PROCEDIMENTO ATÉ À ALTA DA QUIMIOTERAPIA NOS TERMOS DO VOTO DA MIN. NANCY ANDRIGHI. 1. Controvérsia acerca da cobertura de criopreservação de óvulos de paciente oncológica jovem sujeita a quimioterapia, com prognóstico de falência ovariana, tornando-a infértil. 2. Nos termos do art. 10, inciso III, da lei 9.656/1998, não se inclui entre os procedimentos de cobertura obrigatória a "inseminação artificial", compreendida nesta a manipulação laboratorial de óvulos, dentre outras técnicas de reprodução assistida (cf. RN ANS 387/16). 3. Descabimento, portanto, de condenação da operadora a custear criopreservação como procedimento inserido num contexto de mera reprodução assistida. 4. Caso concreto em que se revela a necessidade atenuação dos efeitos colaterais, previsíveis e evitáveis, da quimioterapia, dentre os quais a falência ovariana, atenção ao princípio médico "primum, non nocere" e à norma que emana do art. 35-F da 9.656/1998, segundo a qual a cobertura dos planos de saúde abrange também a prevenção de doenças, no caso, a infertilidade. 5. Manutenção da condenação da operadora à cobertura de parte do procedimento pleiteado, como medida de prevenção para a possível infertilidade da paciente, cabendo à beneficiária arcar com os eventuais custos do procedimento a partir da alta do tratamento quimioterápico, nos termos do voto da Min.a NANCY ANDRIGHI. 6. Distinção entre o caso dos autos, em que a paciente é fértil e busca a criopreservação como forma de prevenir a infertilidade, daquele outros em que a paciente já é infértil, e pleiteia a criopreservação como meio para a reprodução assistida, casos para os quais não há obrigatoriedade de cobertura. 7. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE PROVIDO."

Direto ao ponto, podemos dizer que, os planos de saúde têm de oferecer, como cobertura mínima, o tratamento das doenças listadas pela OMS na Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde, ou simplesmente CID - Classificação Internacional de Doenças, sendo considerada abusiva qualquer decisão em contrário.

Logo, não há qualquer razão para a recusa do custeio dos tratamentos de reprodução assistida, prescritas por profissionais habilitados para o tratamento da infertilidade feminina, lembrando que não é admissível que as operadoras aleguem a existência de soluções alternativas, ou menos onerosas, uma vez que é atribuição do médico assistente a decisão acerca do tratamento mais adequado ao caso concreto, não cabendo às operadoras qualquer participação nisso.

Para obter o reembolso do procedimento, é essencial que a paciente:

  1. Obtenha um relatório médico detalhado, indicando a sua condição de saúde, os impactos na fertilidade e a indispensabilidade do congelamento de óvulos;
  2. Solicite o reembolso formalmente pelo aplicativo do plano de saúde ou por e-mail, anexando as notas fiscais e/ou recibos (inclusive de medicamentos), comprovando os valores gastos.

Em caso de negativa indevida, procure um advogado para ingressar com uma ação judicial requerendo o reembolso e o pagamento de uma indenização por dano moral.

Kalhil Maia Kalume

VIP Kalhil Maia Kalume

Advogado, sócio do escritório Kalume Advogados. Especialista em Direito Médico e da Saúde e Pós-graduado em Processo Civil e Direito Civil pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.

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