MIGALHAS DE PESO

  1. Home >
  2. De Peso >
  3. Exclusão judicial de sócio em sociedade bipessoal: impasses entre CPC e Código Civil

Exclusão judicial de sócio em sociedade bipessoal: impasses entre CPC e Código Civil

O artigo analisa o conflito entre o CPC e o Código Civil na exclusão de sócio em sociedade bipessoal, defendendo soluções que superem o formalismo e garantam a efetividade da justiça.

quarta-feira, 26 de março de 2025

Atualizado às 13:25

As sociedades limitadas bipessoais, embora aparentemente simples, escondem complexidades jurídicas que se revelam em momentos de crise societária. Quando a convivência entre os dois sócios se rompe por abandono, conflito de interesses ou conduta lesiva, a dificuldade de exclusão judicial de um dos sócios revela uma verdadeira antinomia normativa entre o Código Civil e o CPC.

De um lado, o art. 600 do CPC/15 estabelece que a ação de exclusão deve ser proposta pela sociedade. De outro, o art. 1.030 do CC/2002 assegura à maioria dos sócios, o que, numa sociedade bipessoal, corresponde ao sócio remanescente o direito de promover judicialmente a exclusão do sócio por falta grave.

Aqui surge a tensão: como exigir que a sociedade atue processualmente quando sua representação depende da assinatura conjunta dos dois sócios, sendo que justamente se busca a exclusão de um deles?

A situação se agrava em sociedades bipessoais com administração conjunta, onde as decisões societárias exigem a concordância de ambos os sócios. Esse modelo, comum em constituições padrão de sociedades limitadas, funciona bem enquanto subsiste o alinhamento de interesses, no entanto, quando um sócio se torna omisso, ausente ou adversário da empresa, a gestão fica paralisada.

O problema atinge o ápice quando se pretende excluí-lo judicialmente: a formalidade processual exigida pelo art. 600 do CPC impede a propositura da ação, tornando-se um verdadeiro entrave jurídico.

Trata-se, tecnicamente, de uma antinomia jurídica de segundo grau, um conflito entre normas de mesma hierarquia, aplicáveis à mesma situação, mas que conduzem a soluções incompatíveis. Enquanto o CC busca preservar a continuidade e a funcionalidade da empresa, conferindo ao sócio remanescente o poder de deliberar pela exclusão, o CPC impõe uma formalidade procedimental que, nesse contexto, inviabiliza o exercício do próprio direito material.

Geraldo Fonseca de Barros Neto, em tese de doutorado sobre o tema, sustenta que o art. 1.030 do CC/02 legitima diretamente o sócio remanescente para propor a exclusão, em nome próprio ou da sociedade, quando a atuação do sócio demandado compromete o regular funcionamento da empresa (BARROS NETO, 2009).

Para o autor, exigir a formalidade prevista no art. 600 do CPC, nesses casos, é criar um obstáculo artificial à resolução de um impasse concreto.

A jurisprudência tem reconhecido essa tensão e buscado superá-la por meio de interpretações finalísticas. O STJ, no REsp 1.653.421/MG, reconheceu que a maioria dos sócios pode propor a exclusão judicial, mesmo contra o sócio majoritário, destacando que o objetivo maior é preservar a sociedade, e não submetê-la à paralisia decisória. Embora o precedente trate de sociedade pluripessoal, o raciocínio é perfeitamente aplicável às sociedades bipessoais com administração conjunta.

No mesmo sentido, o TJ/PR, na apelação cível 1682529-5, admitiu que o sócio minoritário promovesse a exclusão do sócio majoritário, inclusive representando a sociedade, diante do comportamento prejudicial do outro sócio.

A despeito dessas decisões, o tema ainda carece de uniformização jurisprudencial. Não há tese firmada em recurso repetitivo no STJ nem repercussão geral reconhecida pelo STF. A ausência de solução definitiva confere atualidade e relevância à matéria, exigindo da doutrina e dos tribunais uma postura ativa na construção de soluções jurídicas coerentes com a realidade empresarial.

A superação dessa antinomia pode (e deve) ser feita à luz da teoria do diálogo das fontes, proposta por Anderson Schreiber. Em vez de hierarquizar cegamente normas, busca-se uma leitura sistemática e integradora, na qual o direito material e o processual se complementem para alcançar a finalidade do ordenamento.

O formalismo do art. 600 do CPC deve ceder, em tais hipóteses, à eficácia do art. 1.030 do CC/02, sob pena de tornar ineficaz o direito à exclusão de sócio por comportamento incompatível com a sociedade.

No plano processual, o art. 489, § 1º, do CPC impõe ao magistrado o dever de enfrentar todas as questões relevantes para a solução do mérito. Ignorar o impasse fático gerado pela administração conjunta em sociedades bipessoais é incorrer em omissão relevante.

A própria lógica do sistema processual moderno, que privilegia o julgamento de mérito e a solução efetiva dos litígios, exige que se reconheça a legitimidade ativa do sócio remanescente nesses casos, ou, ao menos, que se viabilize a representação judicial da sociedade por via de nomeação judicial.

Conclusão

A controvérsia envolvendo a exclusão judicial de sócio em sociedade limitada bipessoal com administração conjunta evidencia a necessidade de se repensar o papel da forma no processo.

A rigidez do art. 600 do CPC não pode anular o conteúdo do art. 1.030 do CC/02. A antinomia entre essas normas deve ser resolvida com base em princípios como a continuidade da atividade empresarial, a função social da empresa e o acesso à tutela jurisdicional.

A esperança é que os tribunais, à luz do diálogo das fontes e da racionalidade sistêmica do Direito, consolidem entendimentos que afastem o formalismo estéril em favor de soluções jurídicas efetivas, justas e compatíveis com a realidade do ambiente societário.

__________

BRASIL. Código Civil. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002.

BRASIL. Código de Processo Civil. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015.

BARROS NETO, Geraldo Fonseca de. Exclusão de Sócio na Sociedade Limitada Bipessoal. Tese de Doutorado. PUC-SP, 2009.

SCHREIBER, Anderson. Diálogo das Fontes: o modelo brasileiro. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.

STJ. REsp 1.653.421/MG. Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva. DJe 13/11/2017.

TJPR. Apelação Cível nº 1682529-5. Rel. Desª. Denise Krüger Pereira. Julgado em 18/10/2017.

Moacir Jose Outeiro Pinto

VIP Moacir Jose Outeiro Pinto

Advogado Graduado pela Universidade Federal de Mato Grosso. Professor Universitário, Parecerista, Articulista, Palestrante - Sócio do Escritório de Advocacia Outeiro Pinto & Rosseti Advogados

AUTORES MIGALHAS

Busque pelo nome ou parte do nome do autor para encontrar publicações no Portal Migalhas.

Busca