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Em tempos de "IA advogando", o marketing é um aliado da advocacia

É preciso rever o art. 4o, § 2º, do Provimento 205/2021, que proíbe que a advocacia divulgue decisões e resultados dos seus casos, mesmo aqueles que são públicos.

terça-feira, 25 de março de 2025

Atualizado às 13:55

1. Um mundo robotizado

Vivemos em um mundo robotizado e isso não é nenhuma novidade. Temos ciência de veículos transitando sem motoristas, com sensores controlados via satélite. São os chamados carros autônomos:

Utilizando uma combinação de sensores, câmeras, radares e inteligência artificial, esses veículos conseguem perceber o ambiente ao seu redor e tomar decisões em tempo real para navegar com segurança1

Para além disso, o que víamos antigamente no desenho futurista "The Jetsons" já é uma realidade. Há trabalhos de protótipos de carros voadores em diversos países, mundo a fora. Em 21/3/25 foi publicado que a Embraer fecha acordo com Coreia do Sul para popularizar carros voadores:

A Eve Air Mobility, braço da Embraer responsável pela fabricação das eVTOL  - aeronaves de pouso e decolagem vertical, popularmente chamadas de "carros voadores", fechou uma importante parceria com a Coreia do Sul.

A empresa brasileira e a UI Helicopter, maior operadora de helicópteros do país asiático, se comprometeram a compartilhar tecnologias e, assim, viabilizar o uso dos carros voadores como um meio de transporte popular na região.2

E falando de mundo robotizado, a IA vem nos causando muitos receios e preocupações. Mesmo diante de avanços tecnológicos na velocidade da luz, a contrario sensu, em nosso cenário jurídico, ainda estamos discutindo pautas conservadoras; aliás dinossaurescas, tais como vínculo empregatício e uberização; pejotização e terceirização de serviços.

Na vida contemporânea, portanto, a depender do canal, continuamos assistido The Jetsons e Família Dinossauro.

Feitas estas constatações do mundo contemporâneo - robotizado e dinossauresco, ao mesmo tempo - é preciso fazer um recorte, para tratarmos da advocacia na atualidade e suas agruras, notadamente na questão envolta ao marketing.

Neste mote, como estamos em termos de possibilidades e regras de marketing na advocacia? Ainda cabe concebermos certas vedações de marketing aos advogados? Ainda é crível ser proibido ao advogado publicizar suas conquistas profissionais e dar conhecimento de decisões que lhe foram favoráveis, em suas redes sociais?

Antes de adentrar nas questões atinentes às perguntas problemas propostas, faz-se necessário refletirmos sobre a sustentabilidade da advocacia; sobre a sobrevivência da profissão. É preciso lembrar que a IA vem ameaçando o a (co) existência do ofício, notadamente no formato mais tradicionalista. Neste contexto, José Roberto de Castro Nevez traz importantes lições sobre "Os advogados num mundo líquido", em seu livro "Como os advogados salvaram o mundo":

"No futuro não haverá advogados", dizem os que acreditam que a inteligência artificial dominará a atividade humana. Já existem hoje programas de computador de alta tecnologia, dotados de sistemas cognitivos sofisticados, que permitem à máquina, a partir de uma capacidade enciclopédica de arquivar informações, compreender e se comunicar com o homem.

Para muitos, o sinal da primazia do Homo sapiens sobre a máquina foi dada em 1997, quando aquele que provavelmente é o maior enxadrista de todos os tempos, o russo Garry Kasparov, um gênio do jogo, perdeu a disputa para um computador, o Deep Blue. Um programa técnico, desprovido de intuição, mas capaz de analisar uma infinidade de alternativas e antecipar seus resultados, jogava xadrez melhor do que o campeão dos humanos.

Uma nova geração tecnológica, na qual a computação cognitiva interage com o homem. Um tema é proposto à máquina, que, munida de muito mais informação do que qualquer pessoa - ou mesmo qualquer grupo - poderia dominar, oferecer ideias, respostas, diferentes formas de enfrentar e resolver a questão. O computador adota uma postura ativa: a máquina noa apenas responderá a um questionamento, mas também tomará decisões, indicará caminhos alternativos, emitirá opiniões.3

Como a temática é muito sensível, tramita no Congresso Nacional o PL 2.338/23, que trata do marco da lA, visando regulamentar a questão:

IA generativa e sistemas de propósito geral

Os sistemas conhecidos como generativos e de propósito geral terão regras específicas. Antes de esses sistemas serem disponibilizados no mercado, seus agentes devem realizar a avaliação preliminar para classificação de risco. Devem também demonstrar que identificaram e mitigaram possíveis riscos aos direitos fundamentais, ao meio ambiente, à liberdade de expressão, à integridade da informação e ao processo democrático. Esses sistemas devem ser concebidos de modo a reduzir o uso de energia e outros recursos e a produção de resíduos. Também só poderão processar dados em conformidade com as exigências legais.

Conteúdos sintéticos como textos, imagens, vídeos e áudios produzidos ou modificados por meio de IA deverão conter identificador - que poderá ser disponibilizado na forma de metadados - para que se possa verificar a sua autenticidade e a sua proveniência. O texto aprovado prevê a regulamentação (em parceria com a iniciativa privada, profissionais de pesquisa e a sociedade civil) de formas de identificar e rotular esses conteúdos. 4

O CNJ, por sua vez, publicou a resolução 615 de 11/3/25, estabelecendo diretrizes para o desenvolvimento, utilização e governança de soluções desenvolvidas com recursos de IA no Poder Judiciário. O art. 1º nos dá um panorama geral, quando expressa: "A presente resolução estabelece normas para o desenvolvimento, a governança, a auditoria, o monitoramento e o uso responsável de soluções que adotam técnicas de IA no âmbito do Poder Judiciário, com o objetivo de promover a inovação tecnológica e a eficiência dos serviços judiciários de modo seguro, transparente, isonômico e ético, em benefício dos jurisdicionados e com estrita observância de seus direitos fundamentais".

Dada a preocupação com o duration da advocacia no formato de hoje, é preciso inovar no sentido de garantir a sobreviviência e a sustentabilidade do ofício, que conta com aproximadamente um milhão e meio de advogados, segundo a OAB nacional5.

2. O marketing é um aliado e precisa andar de mãos dadas com a advocacia.

Sobreviver exclusivamente da advocacia passou a ser dificultoso e isso é fato notório. A profissão empobreceu ao longo dos anos, notadamente pelo quantitativo de profissionais, onde o Brasil é destaque mundial neste ponto. Somos o país com mais advogados no mundo.

Assim como nas demais profissões, a concorrência dificulta o lugar ao sol, principalmente àqueles profissionais que não são apadrinhados e que não possuem algum berço advocatício ou condições financeiras favorecidas.

Com o mundo sintonizado em rede, todavia, existe a possibilidade de qualquer advogado divulgar seu trabalho, independentemente de seu status econômico. Basta ter uma internet e usar redes sociais.

O marketing, portanto, é uma das formas de garantir espaço no mercado e valorização à advocacia, com paridade de armas entre os advogados. O marketing pode ser a luz solar que tantos advogados e advogadas estão necessitando, para viver dignamente através dos seus ofícios.

O quesito marketing, entretanto, deve ser dotado de ética, boa fé e ser usado sem exageros ou banalizações mercantilistas. É dizer que não se deve proceder com promiscuidades ou com concorrência desleal. Não é crível, por exemplo, abrasileirarmos a comédia/série americana "Better Call Saul", cujo protagonista - o advogado Saul Goodman - é picareta de plantão que faz de tudo para se dar bem.

A figura do "Aparício esbanjador" também é bem controvertida e foge à ideia de marketing saudável, afinal a dignidade da advocacia advém do seu múnus público e de sua função social e não do exibicionismo financeiro da persona. A essencialidade da advocacia, ressalve-se, não condiz com o exagero teatral e com o besteirol dos esbanjadores.

Buscando um equilíbrio salutar à advocacia, a OAB nacional regulou a questão no Provimento 205/2021:

O CONSELHO FEDERAL DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL, no uso das atribuições que lhe são conferidas pelo art. 54, V, da lei n. 8.906, de 4/7/1994, e considerando as normas sobre publicidade e informação da advocacia constantes no Código de Ética e Disciplina, no provimento 94/2000, em resoluções e em assentos dos Tribunais de Ética e Disciplina dos diversos Conselhos Seccionais; considerando a necessidade de ordená-las de forma sistemática e de especificar adequadamente sua compreensão; e considerando o decidido nos autos da proposição 49.0000.2021.001737-6/COP, RESOLVE:

Art. 1º É permitido o marketing jurídico, desde que exercido de forma compatível com os preceitos éticos e respeitadas as limitações impostas pelo Estatuto da Advocacia, Regulamento Geral, Código de Ética e Disciplina e por este Provimento.

(.)

Art. 4º No marketing de conteúdos jurídicos poderá ser utilizada a publicidade ativa ou passiva, desde que não esteja incutida a mercantilização, a captação de clientela ou o emprego excessivo de recursos financeiros, sendo admitida a utilização de anúncios, pagos ou não, nos meios de comunicação, exceto nos meios vedados pelo art. 40 do Código de Ética e Disciplina e desde que respeitados os limites impostos pelo inciso V do mesmo artigo e pelo Anexo Único deste provimento.

(.)

§ 2º Na divulgação de imagem, vídeo ou áudio contendo atuação profissional, inclusive em audiências e sustentações orais, em processos judiciais ou administrativos, não alcançados por segredo de justiça, serão respeitados o sigilo e a dignidade profissional e vedada a referência ou menção a decisões judiciais e resultados de qualquer natureza obtidos em procedimentos que patrocina ou participa de alguma forma, ressalvada a hipótese de manifestação espontânea em caso coberto pela mídia6

Acreditamos que é preciso avançar e flexibilizar mais um pouco, dando mais possibilidades de marketing à advocacia. Aqui, estamos a falar especificamente do art. 4o, § 2º, do provimento 205/21, o qual proíbe que a advocacia divulgue decisões e resultados dos seus casos, mesmo aqueles que são públicos, ou seja, em que não há qualquer sigilo, segredo ou dever de confidencialidade.

Ao tempo em que o dispositivo proíbe a advocacia de divulgar suas vitórias, ele permite que a mídia o faça (até porque não tem competência para regular tal setor). Na prática, o que ocorre é que grandes bancas e advogados mais abastados financeiramente remetem o material à imprensa, mediante pagamento e ele é midiatizado. Já o advogado menos favorecido financeiramente, fica de mãos atadas, proibido de divulgar o seu próprio trabalho e seus respetivos êxitos. Onde fica a isonomia, in casu? E a sociedade, perde a chance de conhecer determinados experts, que poderiam ajudá-la?

Diante desta análise, é preciso dar paridade à toda a advocacia, o que significa mudar tal dispositivo e passar a permitir que os advogados e advogadas possam divulgar seus resultados, frutos de seus esforços. Obviamente, tal divulgação deve ser equilibrada, ética e deve estar em consonância sistêmica com o provimento, com o Código de Ética e Disciplina e com o estatuo da OAB, os quais continuam vedando os excessos, os quais são tidos como exceções e certamente serão avaliados exemplarmente pela OAB, caso a caso, nos respectivos processos disciplinares.

A flexibilização aqui mencionada deve ser debatida pelo Conselho Federal da OAB ainda este ano, tanto é que foi deliberada e aprovada à unanimidade no colégio de presidentes de seccionais que ocorreu em Manaus/AM:

O colégio de presidentes da OAB aprovou, neste sábado (22/3), em reunião realizada em Manaus (AM) com todos os dirigentes de seccionais, uma proposta de alteração no Estatuto da Advocacia para permitir a divulgação de decisões judiciais favoráveis por advogados, dentro de critérios regulatórios. Antes de sua efetivação, no entanto, a medida será encaminhada ao conselho pleno para apreciação. 

A mudança sugerida altera o artigo 4º, §2º, do provimento 205/21, que atualmente veda qualquer referência a resultados obtidos em processos patrocinados pelo profissional, salvo em casos espontaneamente divulgados pela imprensa. 

O objetivo é permitir menções a essas decisões, desde que respeitados parâmetros definidos em regulamentação específica, com caráter exclusivamente informativo e pedagógico - permanecendo vedada a mercantilização da advocacia e a exposição de dados sigilosos ou sensíveis 7.

Para o bem do estado democrático de Direito, a advocacia precisa (sobre) viver; precisa se reinventar, lidando com a IA e diversas outras problemáticas da "sociedade the Jetson"; precisa do apoio das instituições e da sociedade; precisa andar de mãos dadas com o marketing, que é um imprescindível aliado, em prol do desenvolvimento sustentável dos advogados e advogadas brasileiros.

_______

1 https://oantagonista.com.br/carros/carros-autonomos-e-o-futuro-do-setor-automotivo/

2 https://canaltech.com.br/carros/embraer-fecha-acordo-com-coreia-do-sul-para-popularizar-carros-voadores/

3 (Neves, 2020, p. 281/282).

4 https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2024/12/10/senado-aprova-regulamentacao-da-inteligencia-artificial-texto-vai-a-camar\

5 https://www.oab.org.br/institucionalconselhofederal/quadroadvogados    

6 https://www.oab.org.br/leisnormas/legislacao/provimentos/205-2021

7  http://www.oab.org.br/noticia/62987/colegio-de-presidentes-da-oab-recomenda-mudanca-em-provimento-sobre-publicidade-de-resultados 

Marcos Délli Ribeiro Rodrigues

VIP Marcos Délli Ribeiro Rodrigues

Advogado e Conselheiro Federal da OAB; Doutorando em Direito; Mestre em Direito e Desenvolvimento Sustentável; Especialista em Processo Civil.

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