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Resistência judicial à lei 15.109/25: Custas iniciais à advocacia

Reflexões iniciais sobre a resistência judicial à lei 15.109/25, marcada pela desconexão com a realidade prática da advocacia e por argumentos de inconstitucionalidade juridicamente questionáveis.

terça-feira, 25 de março de 2025

Atualizado às 10:56

Em março de 2025, foi sancionada a lei federal 15.109/25, de abrangência nacional, que acrescentou o §3º ao art. 82 do CPC, estabelecendo a dispensa do adiantamento de custas processuais pela advocacia na cobrança e execução de seus honorários.

Na prática, quem advoga sabe: Ao final de um processo é comum ter que pagar custas para iniciar o cumprimento de sentença, eventual penhora online, levantamento de valores, até mesmo recorrer.

A advocacia não tem escolha, é a única profissão que tem honorários decorrentes de um processo judicial e que é obrigado a arcar com custas processuais para, só depois, ter acesso à sua remuneração. Qual outra profissão paga para receber?

Apesar da clareza do texto legal e do rigoroso processo legislativo que culminou em sua aprovação - conforme o parecer da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado Federal -, algumas decisões judiciais vêm resistindo à sua aplicação, sob alegações de inconstitucionalidade formal e material.

Tais argumentos, entretanto, denotam uma interpretação superficial e, por vezes, contraditória à própria jurisprudência consolidada pelo STF.

Decisões sobre a inconstitucionalidade

As decisões que têm declarado, incidentalmente, a inconstitucionalidade da lei 15.109/25 se baseiam em dois argumentos principais: Um suposto vício de iniciativa no projeto de lei (inconstitucionalidade formal) e uma violação ao princípio da isonomia, por entenderem que a norma confere um privilégio indevido à advocacia em relação a outras categorias profissionais (inconstitucionalidade material).

Nos referidos julgados, foram citados como casos parâmetros as ADI's 3.260, 3.629 e 6.859 do STF.

Contudo, embora os parâmetros utilizados sejam relevantes, chama atenção o fato de que essas decisões não aprofundam a análise das razões de decidir (ratio decidendi) daqueles precedentes. Há uma aplicação superficial, que desconsidera nuances importantes e ignora, inclusive, a correta aplicação da teoria dos precedentes, especificamente o distinguishing, essencial para verificar se realmente existe identidade de fundamentos e contextos.

Competência legislativa: Norma processual, não tributária

Os magistrados afastaram a aplicação da lei por entender que houve usurpação da competência tributária1 dos Estados (art. 151, III da CRFB/88) e vício de iniciativa, pois o projeto de lei seria de iniciativa reservada do Judiciário (art. 98, §2º e art. 99 da CRFB/88).

Em relação ao primeiro argumento, há um claro erro de premissa, pois a lei 15.109/25 não instituiu isenção de tributos da competência estadual, não houve qualquer exclusão da obrigação tributária, apenas a definição do momento de pagamento das custas, norma enquadrada na competência legislativa concorrente.

A União, Estados e Distrito Federal têm competência concorrente para legislar sobre custas dos serviços forenses e procedimentos em matéria processual, cabendo à União dispor sobre normas gerais (art. 24, §1º da CRFB/88).

O próprio STF já reconheceu essa competência concorrente em diversas ocasiões, como no julgamento da ADI 1.926. E, na ADI 1.624, deixou claro que a instituição de isenções tributárias não integra o rol de normas gerais. O que reforça a constitucionalidade da lei 15.109/25 e a necessidade de aplicação do distinguishing, pois a norma não trata de isenção tributária, mas de procedimento de recolhimento das custas.

Ademais, vale lembrar que a dispensa ou isenção de custas não é novidade no ordenamento jurídico. O próprio CPC traz diversas situações em que há postergação ou até dispensa do pagamento, como: (i) art. 91 - custas cobradas ao final do processo, a serem pagas pelo vencido; (ii) art. 90, §3º - isenção de custas remanescentes em caso de acordo antes da sentença; (iii) art. 701, §1º - isenção de custas para o réu que cumprir a obrigação em ação monitória; (iv) art. 1.040, §2º - isenção caso a parte desista da ação com tema julgado em repetitivo.

Quanto ao argumento sobre vício de iniciativa, também não procede. A lei 15.109/25 não interfere na autonomia financeira ou administrativa do Judiciário (art. 98, §2º e art. 99 da CRFB/88), não altera o destinatário das custas nem modifica sua destinação, apenas dispões de normas gerais sobre custas e procedimento processual, definindo que o pagamento será feito ao final.

Os precedentes utilizados para fundamentar a inconstitucionalidade (ADIn 3.629 e ADIn 6.859) tratavam de situações diferentes: leis estaduais que efetivamente concediam isenções de taxa judiciária, o que impactava diretamente na arrecadação do Judiciário.

Portanto, não há qualquer violação à competência tributária dos Estados, à iniciativa reservada ao Judiciário ou ao pacto federativo. O novo §3º do art. 82 do CPC não cria isenção tributária nem interfere na autonomia financeira do Judiciário. Apenas define que as custas devem ser pagas ao final do processo, por quem deu causa ao procedimento - o que nada mais é do que justiça.

Mais que isso: Talvez se todas as custas fossem exigidas ao final, o resultado fosse um estímulo saudável para a celeridade processual. Uma mudança de lógica que favorece tanto a advocacia quanto o jurisdicionado vitorioso na relação processual, concretizando o acesso à justiça.

Suposta violação à igualdade tributária

Em relação à violação ao princípio da isonomia tributária (art. 150, II da CRFB/88), os precedentes parâmetros utilizados foram a ADIn 3.260 - lei estadual concedia isenção de custas aos membros do Ministério Público - e a ADIn 6.859 - lei estadual concedia isenção de custas aos advogados, reproduzindo em sua fundamentação a ADIn 3.260.

Na ADIn 3.260, de fato, havia inconstitucionalidade material à isonomia tributária, não havendo qualquer justificativa para a isenção de custas aos membros do Ministério Público.

Entretanto, aplicar esse precedente à lei 15.109/25 desconsidera relevante distinção fático-jurídica exclusiva à advocacia, a qual, diferentemente de qualquer outra profissão, precisa antecipar custas processuais para poder obter seus honorários reconhecidos judicialmente.

Qual outra categoria profissional precisa pagar para ter direito àquilo que já lhe foi reconhecido em juízo? Nenhuma.

Por isso, a norma não configura privilégio injustificado. Trata-se de uma medida proporcional, direcionada à correção de uma desigualdade concreta, que impede a advocacia de exercer plenamente seu papel indispensável à administração da Justiça.

A igualdade não exige tratamento igual para situações desiguais, ao contrário, a concretização da igualdade material implica reconhecer contextos específicos - sociais, econômicos e profissionais - que justifiquem diferenciações legítimas. A lei 15.109/25 caminha justamente nesse sentido, ao corrigir um desequilíbrio que afeta exclusivamente a advocacia, sem qualquer afronta ao princípio da isonomia.

Conclusão

O tratamento diferenciado conferido à advocacia não configura um privilégio, mas uma medida proporcional e necessária para corrigir um desequilíbrio que atinge, de forma específica, os advogados, cuja remuneração depende diretamente de atos processuais.

A resistência de alguns setores do Judiciário à aplicação do §3º do art. 82 do CPC não se sustenta sob qualquer perspectiva. Parece mais uma manifestação de "inconstitucionalidade por conveniência", somada a uma preocupante tendência de esvaziamento da importância da advocacia, visível na fixação arbitrária de honorários por equidade fora das hipóteses legais e no descumprimento sistemático do Tema repetitivo 1.076 do STJ, cuja eficácia vinculante tem aplicação imediata, estando atualmente sobrestado apenas em relação à Fazenda Pública (Tema 1.255 do STF).

Assim, a norma é legítima, constitucional e harmônica com os princípios do ordenamento jurídico. Sua aplicação não deveria ser objeto de resistência, mas uma exigência mínima de respeito ao Estado Democrático de Direito e à própria advocacia, cuja dignidade profissional precisa ser afirmada e protegida, sob pena de comprometer-se a própria efetividade da Justiça.

_________

1 O entendimento do STF é de que as custas processuais/judiciais têm natureza de taxa estadual.

Felipe Caputti

VIP Felipe Caputti

Advogado especialista em Direito Público pela Unesa/RJ, bacharel em Direito pela Universidade Candido Mendes (Centro/RJ), Vice-Presidente da Comissão Nacional de Direito à Saúde - ABA.

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