Artigo 5 - Quinta e última parte da análise sobre a proposta de novo guia de Leniência do CADE: Flexibilidade e celeridade da negociação, formalização do acordo e leniência plus
A proposta de atualização do Guia de Acordos de Leniência Antitruste do CADE busca maior celeridade e flexibilidade, com modificações no procedimento e adesões.
segunda-feira, 24 de março de 2025
Atualizado em 21 de março de 2025 15:01
Neste artigo, apresento meus últimos comentários sobre a proposta de atualização do Guia do CADE para os Acordos de Leniência Antitruste, referentes à busca de celeridade e flexibilidade na negociação de Acordos de Leniência Antitruste, reformas no procedimento de formalização, adesões e leniência plus.
Nos artigos anteriores dessa série sobre a proposta de atualização do Guia do CADE para os Acordos de Leniência Antitruste apresentamos o que entendemos ser a quarta fase, atual, no processo de evolução do Programa de Leniência Antitruste do CADE, bem como a proposta de expansão de ilícitos e de signatários trazidos em sede de consulta pública. Ademais, apresentamos comentários sobre dosimetria das sanções, cessação da conduta, amplitude da confissão e leniência antitruste parcial. Ainda, destalhamos a proposta de nova fase prévia na negociação de Acordos de Leniência Antitruste e as mudanças referentes à análise de disponibilidade do marker à luz dos critérios de "conhecimento prévio da infração" e "provas suficientes para assegurar a condenação". Também destacamos as mudanças referentes ao processo de negociação em si de um Acordo de Leniência Antitruste e as consequências de um eventual arquivamento da investigação.
PARTE II. 3. Apresentação de informações e documentos que comprovem a infração
Merecem registro as modificações na Proposta de Novo Guia de Leniência do CADE voltadas a garantir maior flexibilidade e celeridade da negociação. Houve a inclusão de trecho no sentido de que a estrutura do histórico da conduta é adaptável às especificidades das condutas reportadas e às características de cada caso concreto, desprendendo-se de uma estrutura mais rígida, anteriormente existente. Ademais, houve a definição de que haverá a elaboração de um cronograma de negociação, com os produtos e os prazos esperados.
Ademais, e cientes de que a inclusão de pessoas físicas tem sido um dos principais fatores responsáveis pela morosidade de alguns processos administrativos e, cientes de que, em casos de Acordo de Leniência, os casos têm demorado mais anos do que tipicamente se poderia esperar , a SG/CADE sinaliza uma prática recente de maior cautela na definição do polo passivo do processo administrativo, em especial para pessoas físicas. Isso porque a SG/Cade indicou que terá como propósito: (i) manter as investigações da forma mais objetiva possível, focando em empresas e indivíduos com participação central na conduta; e (ii) instaurar o inquérito ou processo administrativo com maior celeridade possível após a celebração do acordo de leniência.
PARTE II. 4. Quarta fase da negociação: Formalização do acordo de leniência
As alterações nessa seção específica da Proposta de Novo Guia de Leniência do CADE foram no sentido de apresentar esclarecimentos adicionais, todas mais procedimentais, a nosso ver. Houve a inclusão da exigência de que a procuração deve dar poderes específicos para propor, negociar e celebrar o acordo de leniência.
Ademais, o procedimento de contato com os Ministérios Públicos mudou - possivelmente como uma decorrência do encerramento dos grupos de combate a cartéis especializados no MPF/SP . A apresentação do caso não é mais realizada necessariamente por meio de distribuição de ofício e as provas poderão ser apresentadas ao Ministério Público antes da assinatura. Ainda, foram apresentados esclarecimentos sobre uma celeuma histórica sobre a atribuição Federal ou estadual, sinalizando que frequentemente se trata de ofensa que agride o mercado de forma ampla e por isso atrai competência do MPF (ainda mais evidente quando envolvidos recursos Federais). Em casos envolvendo interesses locais, contudo, é possível a interveniência de MPE. Em qualquer circunstância a definição do Ministério Público anuente demanda colaboração com o proponente e manifestação de interesse por parte do respectivo órgão ministerial.
Por fim, houve uma indicação de sinalização de possível restrição à adesão de pessoas físicas ao Acordo de Leniência, em especial após a instauração do processo administrativo. Como se sabe, pessoas físicas são elegíveis para aderir ao acordo de leniência celebrado entre a SG/CADE e outra pessoa física, funcionário da mesma empresa à qual o aderente está ou esteve vinculado, desde que cooperem com as investigações e firmem o instrumento em conjunto com a empresa proponente (art. 86, §6º da lei 12.529/11 c/c art. 198, §1º do RiCade). Com relação às adesões, salvo em situações excepcionais e no interesse da instrução, a SG/CADE sinalizou que buscará celebrar aditivos que estiverem em harmonia com os termos do primeiro acordo de leniência, nas seguintes condições: (i) preferencialmente, antes da instauração do inquérito ou processo administrativo ou de os demais representados terem celebrado TCC; (ii) após a instauração do inquérito ou processo administrativo, apenas se o aderente for capaz de provar a conduta com informações e documentos ainda não conhecidos. Ou seja, parece haver um esforço de trazer todas as pessoas físicas antes da instauração do processo administrativo.
Essa modificação é positiva, por um lado, na medida em que evita reinstaurações de processos administrativos ao longo de toda a fase instrutória do caso. Apesar disso, pode haver situações em que as pessoas físicas apenas são incluídas após a instauração do inquérito administrativo ou do processo administrativo justamente para evitar prejuízos à confidencialidade do caso, em especial quando houver buscas e apreensões. A sugestão, portanto, é que não seja um critério rígido, mas adaptável às realidades de cada caso concreto.
PARTE III. Após a celebração do acordo de leniência
As alterações nessa seção específica da Proposta de Novo Guia de Leniência do CADE foram no sentido de atualizar o Guia diante das alterações que a lei 14.470/21 realizou na lei 12.529/11, voltadas para as ARDCs - Ações de Reparação por Danos Concorrenciais.
Importante registrar a inclusão do que acontece com o histórico da conduta após o julgamento do processo administrativo pelo Tribunal do CADE. Segundo a nova redação, o histórico da conduta deve permanecer confidencial mesmo após o julgamento do caso pelo Tribunal do Cade, não devendo ser publicado qualquer trecho do histórico da conduta na versão pública dos votos dos Conselheiros do Tribunal do CADE, nos termos da resolução 21/18 e da portaria Cade 869/19. Assim, o Cade poderá conceder acesso àqueles documentos de maneira excepcional, em caso de: I - expressa determinação legal; II - decisão judicial específica; III - autorização do signatário do Acordo de Leniência ou do compromissário do TCC, com a anuência do Cade, desde que não haja prejuízo à investigação; ou IV - cooperação jurídica internacional, prevista nos arts. 26 e 27 do CPC, mediante autorização do CADE e autorização do signatário do Acordo de Leniência ou do compromissário do TCC, desde que não haja prejuízo à investigação. Entendemos que essa inclusão se alinha às melhores práticas internacionais , justamente porque o histórico da conduta é um documento elaborado especificamente para fins da negociação, e permitir sua disponibilização colocaria o signatário do Acordo de Leniência em posição de desvantagem em relação aos demais envolvidos na prática, o que feriria um dos pilares dos Programas de Leniência no Brasil.
Ademais, houve a sinalização, nos termos determinados no art. 47 e 47-A da lei 12.529/11, a partir das alterações que a lei 14.470/21, no sentido de que o signatário do acordo de leniência: (i) responderá somente pelos danos efetivamente causados aos prejudicados, não devendo responder em dobro pelos prejuízos causados em relação às infrações confessadas ao Cade; e (ii) não será solidariamente responsável pelos prejuízos causados pelos demais coautores da infração à ordem econômica.
PARTE IV. Leniência plus
As alterações nessa seção específica da Proposta de Novo Guia de Leniência do CADE foram no sentido de apresentar esclarecimentos adicionais. Observa-se uma modificação na redação do texto e das imagens, para incluir "infração" e não "cartel". Conforme já mencionado, essa modificação está incluída no espectro mais amplo, identificado na Parte I, de tentativa de ampliação da interpretação de ilícitos passíveis de celebração de Acordo de Leniência para além do cartel.
Ademais, houve um esclarecimento das possibilidades de concessão de leniência plus, que já estavam detalhadas na versão anterior, mas que se tornaram ainda mais didáticas:
- Impossibilidade de concessão de leniência plus: Quando o Acordo de Leniência for anterior e a nova investigação for posterior, pois signatário não fica com "crédito" de leniência plus;
- Impossibilidade de concessão de leniência plus: Cada novo Acordo de Leniência autoriza a concessão de benefício de leniência plus em um processo administrativo anterior, não sendo possível trazer duas novas leniências e ter dois descontos de leniência plus em um mesmo processo;
- Possibilidade de concessão de leniência plus: Houve o reforço da possibilidade conjugar benefício de leniência plus e TCC, inclusive com a concessão de modo "condicional", caso a SG/CADE identifique forte probabilidade de êxito no Acordo de Leniência. De todo modo, deixou-se expresso que benefício da leniência plus não é condicionado à celebração de TCCs, ou seja, o signatário pode ter o benefício da leniência plus sozinho, sem a necessidade de cumulá-lo com o benefício de TCC, caso não queira colaborar com a outra investigação.
Conclusão
As propostas de alteração no Guia de Leniência do CADE são fruto de um amplo debate público sobre as necessidades de aprimoramento do Programa de Leniência Antitruste. Após análise da experiência internacional e da experiência nacional, tanto da SG/Cade quanto do Tribunal do CADE, foram propostas modificações que visam a aumentar os incentivos para novas colaborações com a autoridade no Brasil.
Em síntese, há mudanças muito positivas nas propostas, dentre as quais destaco as seguintes:
- Esclarecimento sobre concessão de imunidade derivada a pessoas jurídicas do grupo econômico e seus respectivos funcionários sem a necessidade de admissão de participação na conduta;
- Confissão com escopo mais restrito;
- Nova fase, prévia e opcional, no passo a passo de negociação de acordo de leniência no CADE;
- Sobre leniência parcial, esclarecimento sobre (i) o montante de desconto da multa ao signatário do acordo de leniência parcial, (ii) o montante da alíquota da multa ao signatário do acordo de leniência parcial, (iii) a atualização do faturamento, com vistas a resguardar os incentivos à leniência parcial vis-a-vis os TCCs.
Há, ainda, espaço de aprimoramento na versão final do Guia de Leniência do CADE, dentre as quais destaco as seguintes:
- parâmetros do que se entende por "conhecimento prévio da infração" e "provas suficientes para assegurar a condenação";
- esclarecimentos sobre a interpretação das consequências da ampliação dos possíveis signatários de Acordo de Leniência com o CADE (incluindo outras pessoas jurídicas que não apenas empresas, como as associações).
Por fim, registro que, para além dos aprimoramentos na versão final do Guia de Leniência do CADE, alguns dos pontos identificados merecem ser incorporados no RICADE e, eventualmente, até mesmo na lei 12.529/11:
- Esclarecimentos sobre a interpretação das consequências da ampliação dos possíveis signatários de Acordo de Leniência com o CADE (incluindo outras pessoas jurídicas que não apenas empresas, como as associações);
- Parâmetros de dosimetria da pena aplicada pelo CADE em caso de sanções aplicadas em outras esferas;
- Esclarecimento sobre a consequência de um arquivamento da investigação por insuficiência de provas sem descumprimento da obrigação de colaboração;
- Parâmetros do que se entende por "conhecimento prévio da infração" e "provas suficientes para assegurar a condenação";
- Sobre leniência parcial, norma com parâmetros sobre o (i) o montante de desconto da multa ao signatário do acordo de leniência parcial, (ii) o montante da alíquota da multa ao signatário do acordo de leniência parcial, (iii) a atualização do faturamento; (iv) para a base de cálculo da multa do signatário do acordo de leniência parcial.
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1 ATHAYDE, Amanda. Análise da proposta de novo Guia de Leniência do CADE: 4ª fase no processo de evolução do Programa de Acordos de Leniência Antitruste, a proposta de expansão de ilícitos e de signatários e a limitação da responsabilidade solidária do grupo econômico. Migalhas, 21 de janeiro de 2025. Disponível aqui.
2 ATHAYDE, Amanda. Segunda parte da análise sobre a proposta de novo Guia de Leniência do Cade: Dosimetria das sanções, cessação da conduta, amplitude da confissão e leniência antitruste parcial . Migalhas, 3 de fevereiro de 2025. Disponível aqui.
3 ATHAYDE, Amanda. Terceira parte da análise sobre a proposta de novo guia de leniência do Cade: "Conhecimento prévio da infração", "provas suficientes para assegurar a condenação" e fase prévia na negociação . Migalhas, 12 de fevereiro de 2025. Disponível aqui.
4 ATHAYDE, Amanda. Quarta parte da análise sobre a proposta de novo guia de leniência do CADE: A negociação do acordo e as consequências de um eventual arquivamento da investigação. Migalhas, 27 de fevereiro de 2025.. : Disponível aqui.
5 BARRETO, Matheus Augusto Gomes. O CADE contra o relógio: um diagnóstico da morosidade das investigações de infrações da ordem econômica à luz da Lei 12.529/2011. Dissertação de Mestrado - Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2024.
6 Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público Federal (MPF).
7 ATHAYDE, Amanda. TREVISO, Carolina. Se, quando e como aplicar a lei n° 14.470/2022 nas ações reparatórias por danos concorrenciais? Uma análise sobre a aplicabilidade no tempo das normas de direito material e processual. Revista de Direito da Concorrência. Num. 11 (2)(2023). p. 172-191. ATHAYDE, Amanda. MEDRADO, Renê. ARDITO, Gianvito. FERNANDES, Luis Henrique Perroni. Há embate entre a Lei 14.470/22 e a decisão do STJ no REsp nº 1.971.316/SP?. Conjur, Janeiro de 2023.
8 ATHAYDE, Amanda; MAIOLINO, Isabela. Ressarcimento voluntário de danos e acordos no Cade - O que isso significa para as ações de reparação de dano por conduta anticompetitiva no Brasil? Portal JOTA, 10 dezembro. 2018.
Amanda Athayde
Professora doutora adjunta na UnB de Direito Empresarial, Concorrência, Comércio Internacional e Compliance, consultora no Pinheiro Neto. Doutora em Direito Comercial pela USP, bacharel em Direito pela UFMG e em administração de empresas com habilitação em comércio exterior pela UNA, ex-aluna da Université Paris I - Panthéon Sorbonne, autora de livros, organizadora de livros, autora de diversos artigos acadêmicos e de capítulos de livros na área de Direito Empresarial, Direito da Concorrência, comércio internacional, compliance, acordos de leniência, anticorrupção, defesa comercial e interesse público.