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Aplicação do Estatuto da Pessoa com Deficiência às crianças com TPS

O TPS se inclui no conceito legal de deficiência sensorial de longo prazo, aplicando-se, integralmente, os ditames do Estatuto da Pessoa com Deficiência às crianças com TPS no ambiente escolar.

domingo, 23 de março de 2025

Atualizado em 24 de março de 2025 18:01

TPS - Transtorno do Processamento Sensorial é uma condição neurofisiológica caracterizada pela dificuldade em processar estímulos do ambiente e os sentidos.

Assim, uma criança ou adolescente diagnosticada com TPS possui dificuldades relacionadas ao processamento neurológico do calor, do frio, do cansaço, da fome, das luzes e dos sons, dificultando ou até mesmo inviabilizando a própria inclusão da criança e do adolescente no meio escolar.

Com efeito, é comum que as crianças e adolescentes com TPS sofram com problemas emocionais, sociais e no aprendizado e educação. Alguns sentem dificuldade de se relacionar ou fazer parte de um grupo. Em alguns casos, sofrem de ansiedade, depressão, ficam agressivos ou tendem a ter problemas de comportamento.

É importante ressaltar que as crianças e adultos com TPS são tão inteligentes quanto quaisquer outras pessoas. Seus cérebros são simplesmente conectados de forma diferente e por isso precisam ser ensinados de maneiras adaptadas ao modo como processam as informações. Outrossim, precisam de atividades de lazer que atendam as suas próprias necessidades.

Logo, cabe às instituições de ensino públicas e particulares adotarem medidas capazes de permitir, de modo eficaz, a adaptação, a inclusão e a evolução educacional da criança e do adolescente com TPS.

Tal obrigação imputável às instituições de ensino decorre, agora, da lei 13.146/15, também conhecida como Estatuto do Portador de Deficiência.

Com efeito, o art. 2º do referido Estatuto estipula que impedimentos de longo prazo de natureza sensorial são abrangidos pelo conceito de deficiência:

Art. 2º Considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.

A interpretação do preceito normativo acima transcrito deve ser a mais ampla possível, tendo em vista tratar-se de direitos e garantias de hipossuficientes, de modo a se atingir a máxima efetividade normativa prevista na ratio legis.

Nesse diapasão, não cabe a interpretação de que a deficiência sensorial estaria restrita a deficiências visuais e/ou auditivas. Nesse sentido:

Do ponto de vista científico, a deficiência sensorial se caracteriza pelo não-funcionamento (total ou parcial) de algum dos cinco sentidos. Classicamente, a surdez e a cegueira são consideradas deficiências sensoriais, mas déficits relacionados ao tato, olfato ou paladar também podem ser enquadrados em tal categoria. Vamos agora ampliar este conceito, saindo da superfície rumo a uma reflexão um pouco mais elaborada. Do ponto de vista prático, a deficiência sensorial se caracteriza pela incapacidade de utilizar em plenitude os sentidos de que se dispõe, independentemente de quantos sejam. Nesta perspectiva, a deficiência sensorial não constitui a falta de um dos sentidos, mas a impossibilidade de usá-los plenamente. Assim, por um lado, as pessoas que possuam os cinco sentidos, mas que não sejam capazes de colocá-los a serviço do seu próprio bem-estar, podem ser consideradas, nesta concepção mais abrangente, como "deficientes sensoriais". (...) Em nosso cotidiano, nos deparamos com muitas pessoas que, de fato, são sensorialmente deficientes. São, em geral, pessoas que enxergam mas não vêem, escutam mas não ouvem, tocam mas não sentem, degustam mas não saboreiam, sentem cheiros mas não os apreciam. São pessoas que estão no mundo, mas que vivem, de certo modo, alheias ou insensíveis ao que se passa à sua volta. Além disso, os verdadeiros deficientes sensoriais costumam utilizar seus órgãos dos sentidos de uma forma um tanto desequilibrada, e isto os leva por vezes a terem uma visão meio distorcida da realidade. Neste caso, um dos sentidos se torna muito predominante e impede a utilização dos demais. (...) (A deficiência sensorial - https://correio.rac.com.br/a-deficiencia-sensorial-1.1074934)

Logo, não há dúvida de que o TPS se inclui no conceito legal de deficiência sensorial de longo prazo, razão pela qual aplicam-se, integralmente, os ditames do Estatuto da Pessoa com Deficiência.

Fixada a premissa acima, cabe colacionar as obrigações legais direcionadas às instituições de ensino, cuja missão principal vem transcrita no art. 27 do citado Estatuto:

Art. 27. A educação constitui direito da pessoa com deficiência, assegurados sistema educacional inclusivo em todos os níveis e aprendizado ao longo de toda a vida, de forma a alcançar o máximo desenvolvimento possível de seus talentos e habilidades físicas, sensoriais, intelectuais e sociais, segundo suas características, interesses e necessidades de aprendizagem.

Parágrafo único. É dever do Estado, da família, da comunidade escolar e da sociedade assegurar educação de qualidade à pessoa com deficiência, colocando-a a salvo de toda forma de violência, negligência e discriminação. (nosso grifo)

Já no art. 28, o Estatuto em testilha enumera todos os direitos que a criança e o adolescente possuem no âmbito escolar:

Art. 28. Incumbe ao poder público assegurar, criar, desenvolver, implementar, incentivar, acompanhar e avaliar:

I - sistema educacional inclusivo em todos os níveis e modalidades, bem como o aprendizado ao longo de toda a vida;

II - aprimoramento dos sistemas educacionais, visando a garantir condições de acesso, permanência, participação e aprendizagem, por meio da oferta de serviços e de recursos de acessibilidade que eliminem as barreiras e promovam a inclusão plena;

III - projeto pedagógico que institucionalize o atendimento educacional especializado, assim como os demais serviços e adaptações razoáveis, para atender às características dos estudantes com deficiência e garantir o seu pleno acesso ao currículo em condições de igualdade, promovendo a conquista e o exercício de sua autonomia;

IV - oferta de educação bilíngue, em Líbras como primeira língua e na modalidade escrita da língua portuguesa como segunda língua, em escolas e classes bilíngues e em escolas inclusivas;

V - adoção de medidas individualizadas e coletivas em ambientes que maximizem o desenvolvimento acadêmico e social dos estudantes com deficiência, favorecendo o acesso, a permanência, a participação e a aprendizagem em instituições de ensino;

VI - pesquisas voltadas para o desenvolvimento de novos métodos e técnicas pedagógicas, de materiais didáticos, de equipamentos e de recursos de tecnologia assistiva;

VII - planejamento de estudo de caso, de elaboração de plano de atendimento educacional especializado, de organização de recursos e serviços de acessibilidade e de disponibilização e usabilidade pedagógica de recursos de tecnologia assistiva;

VIII - participação dos estudantes com deficiência e de suas famílias nas diversas instâncias de atuação da comunidade escolar;

IX - adoção de medidas de apoio que favoreçam o desenvolvimento dos aspectos linguísticos, culturais, vocacionais e profissionais, levando-se em conta o talento, a criatividade, as habilidades e os interesses do estudante com deficiência;

X - adoção de práticas pedagógicas inclusivas pelos programas de formação inicial e continuada de professores e oferta de formação continuada para o atendimento educacional especializado;

XI - formação e disponibilização de professores para o atendimento educacional especializado, de tradutores e intérpretes da Líbras, de guias intérpretes e de profissionais de apoio;

XII - oferta de ensino da Líbras, do Sistema Braille e de uso de recursos de tecnologia assistiva, de forma a ampliar habilidades funcionais dos estudantes, promovendo sua autonomia e participação;

XIII - acesso à educação superior e à educação profissional e tecnológica em igualdade de oportunidades e condições com as demais pessoas;

XIV - inclusão em conteúdos curriculares, em cursos de nível superior e de educação profissional técnica e tecnológica, de temas relacionados à pessoa com deficiência nos respectivos campos de conhecimento;

XV - acesso da pessoa com deficiência, em igualdade de condições, a jogos e a atividades recreativas, esportivas e de lazer, no sistema escolar;

XVI - acessibilidade para todos os estudantes, trabalhadores da educação e demais integrantes da comunidade escolar às edificações, aos ambientes e às atividades concernentes a todas as modalidades, etapas e níveis de ensino;

XVII - oferta de profissionais de apoio escolar;

XVIII - articulação intersetorial na implementação de políticas públicas.

§ 1º Às instituições privadas, de qualquer nível e modalidade de ensino, aplica-se obrigatoriamente o disposto nos incisos I, II, III, V, VII, VIII, IX, X, XI, XII, XIII, XIV, XV, XVI, XVII e XVIII do caput deste artigo, sendo vedada a cobrança de valores adicionais de qualquer natureza em suas mensalidades, anuidades e matrículas no cumprimento dessas determinações.

Por fim, cabe apontar que o adolescente que frequente curso técnico ou profissionalizante possui direitos específicos, os quais foram enumerados no art. 30 do Estatuto da Pessoa com Deficiência:

Art. 30. Nos processos seletivos para ingresso e permanência nos cursos oferecidos pelas instituições de ensino superior e de educação profissional e tecnológica, públicas e privadas, devem ser adotadas as seguintes medidas:

I - atendimento preferencial à pessoa com deficiência nas dependências das Instituições de Ensino Superior (IES) e nos serviços;

II - disponibilização de formulário de inscrição de exames com campos específicos para que o candidato com deficiência informe os recursos de acessibilidade e de tecnologia assistiva necessários para sua participação;

III - disponibilização de provas em formatos acessíveis para atendimento às necessidades específicas do candidato com deficiência;

IV - disponibilização de recursos de acessibilidade e de tecnologia assistiva adequados, previamente solicitados e escolhidos pelo candidato com deficiência;

V - dilação de tempo, conforme demanda apresentada pelo candidato com deficiência, tanto na realização de exame para seleção quanto nas atividades acadêmicas, mediante prévia solicitação e comprovação da necessidade;

VI - adoção de critérios de avaliação das provas escritas, discursivas ou de redação que considerem a singularidade linguística da pessoa com deficiência, no domínio da modalidade escrita da língua portuguesa;

VII - tradução completa do edital e de suas retificações em Líbras.

Dos crimes que podem ser imputados, em tese, às instituições de ensino na hipótese de descumprimento dos preceitos do Estatuto da Pessoa com Deficiência

Além da tutela judicial no âmbito cível, inclusive de forma liminar, é de se asseverar que, paralela e concomitantemente, o Estado garante a tutela penal em face dos responsáveis pelas entidades de ensino que descumprem, de forma omissiva ou comissiva, os ditames trazidos pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência.

Nesse sentido, as condutas a seguir discriminadas são consideradas crimes passíveis de penas de reclusão:

Art. 88. Praticar, induzir ou incitar discriminação de pessoa em razão de sua deficiência:

Pena - reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa.

§ 1º Aumenta-se a pena em 1/3 (um terço) se a vítima encontrar-se sob cuidado e responsabilidade do agente.

§ 2º Se qualquer dos crimes previstos no caput deste artigo é cometido por intermédio de meios de comunicação social ou de publicação de qualquer natureza:

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.

§ 3º Na hipótese do § 2º deste artigo, o juiz poderá determinar, ouvido o Ministério Público ou a pedido deste, ainda antes do inquérito policial, sob pena de desobediência:

I - recolhimento ou busca e apreensão dos exemplares do material discriminatório;

II - interdição das respectivas mensagens ou páginas de informação na internet.

§ 4º Na hipótese do § 2º deste artigo, constitui efeito da condenação, após o trânsito em julgado da decisão, a destruição do material apreendido.

Art. 89. Apropriar-se de ou desviar bens, proventos, pensão, benefícios, remuneração ou qualquer outro rendimento de pessoa com deficiência:

Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

Parágrafo único. Aumenta-se a pena em 1/3 (um terço) se o crime é cometido:

I - por tutor, curador, síndico, liquidatário, inventariante, testamenteiro ou depositário judicial; ou

II - por aquele que se apropriou em razão de ofício ou de profissão.

Art. 90. Abandonar pessoa com deficiência em hospitais, casas de saúde, entidades de abrigamento ou congêneres:

Pena - reclusão, de 6 (seis) meses a 3 (três) anos, e multa.

Parágrafo único. Na mesma pena incorre quem não prover as necessidades básicas de pessoa com deficiência quando obrigado por lei ou mandado.

Art. 91. Reter ou utilizar cartão magnético, qualquer meio eletrônico ou documento de pessoa com deficiência destinados ao recebimento de benefícios, proventos, pensões ou remuneração ou à realização de operações financeiras, com o fim de obter vantagem indevida para si ou para outrem:

Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.

Parágrafo único. Aumenta-se a pena em 1/3 (um terço) se o crime é cometido por tutor ou curador.

Conclusão

Ante o exposto, conclui-se que é cabível a tutela judicial no âmbito cível e criminal das crianças e adolescentes diagnosticados com TPS - Transtorno do Processamento Sensorial no ambiente educacional, a partir da aplicação dos ditames previstos no Estatuto da Pessoa com Deficiência, obrigando, judicial e liminarmente, as instituições de ensino públicas ou particulares a promoverem medidas que garantam a plena acessibilidade e inclusão das crianças e adolescentes com TPS no meio escolar.

Amanda Fonseca Perrut

VIP Amanda Fonseca Perrut

Advogada com mais de 20 anos de experiência, é fundadora da Fonseca Perrut Advocacia, com atuação em todo o Brasil.

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