O declínio do mandado de segurança como meio de impugnação de decisões judiciais
O mandado de segurança perdeu espaço estratégico com a evolução dos recursos processuais, sendo hoje limitado a casos excepcionais de ilegalidade manifesta ou teratologia nas decisões judiciais.
domingo, 23 de março de 2025
Atualizado em 21 de março de 2025 13:36
O mandado de segurança, com previsão legal no art.5º, LXIX e LXX, da CF/88, e na lei 12.016/09, é reconhecido como um dos instrumentos mais tradicionais e importantes do Direito brasileiro para a proteção de direitos líquidos e certos. Contudo, o mencionado remédio constitucional tem sido objeto de intensos debates no que tange ao seu cabimento contra decisões judiciais.
Historicamente, o mandado de segurança foi exaltado como forma de conferir ampla tutela jurisdicional aos cidadãos contra abuso de autoridade. No entanto, com o passar do tempo, o aumento do poder estatal e valorização do interesse público, a doutrina e jurisprudência começaram a limitar a utilização do instituto, o que foi acolhido pelo legislador com a criação da lei 12.016/09.
Nesse sentido, conforme delineado nos textos apresentados, convém dizer que não substitui os recursos ordinários previstos no ordenamento jurídico, sendo admitido apenas em situações excepcionais. A excepcionalidade de seu cabimento está condicionada à demonstração de ilegalidade manifesta ou teratologia na decisão judicial impugnada. Assim, a ideia central que perpassa a análise do cabimento do mandado de segurança é a necessidade de comprovação de um ato judicial que, além de não ter outra via processual recursal disponível, apresente erro grosseiro ou evidente violação à legalidade.
Por isso, o STJ, ao longo dos anos, tem reafirmado esse entendimento, destacando que o mandado de segurança contra decisão judicial deve ser utilizado somente quando não há instrumento recursal adequado para a correção do ato impugnado. Nesse contexto, o mandado de segurança é reservado para situações em que a decisão é flagrantemente absurda ou ilegal, e em que os recursos ordinários não são cabíveis ou suficientes para evitar a lesão ao direito líquido e certo do impetrante.
Nesse contexto, com o advento do CPC/15, a estrutura recursal brasileira foi reformada, e isso teve impactos diretos na utilização do mandado de segurança contra decisões judiciais. O art. 1.009, §1º do CPC/15 ampliou o efeito devolutivo da apelação, permitindo que muitas questões interlocutórias fossem discutidas apenas nesse momento processual, e não de imediato. Por isso houve uma espécie de incentivo a utilização do writ, já que, o rol de hipóteses de cabimento do agravo de instrumento, previsto no art. 1.015 do CPC, é taxativo.
Na sequência, o art. 1.015 foi interpretado de forma mitigada pelo STJ no Tema 988, permitindo a interposição do agravo em situações de urgência. Essa flexibilização reduziu significativamente as hipóteses em que o mandado de segurança poderia ser utilizado contra decisões interlocutórias.
O STJ consolidou o entendimento de que o agravo de instrumento se tornou a principal via de impugnação das decisões interlocutórias, limitando ainda mais o uso do mandado de segurança. A jurisprudência tem reiterado que, quando houver possibilidade de agravo de instrumento ou outro recurso adequado, não se justifica a impetração do mandado de segurança. Assim, o sistema recursal brasileiro, ao prever recursos específicos para impugnar decisões interlocutórias, esvazia o cabimento do mandado de segurança como medida excepcional contra decisões judiciais.
Essa mudança reflete um movimento jurisprudencial em direção à organização processual, buscando evitar o uso excessivo de medidas extraordinárias, como o mandado de segurança, em situações em que o sistema recursal já dispõe de mecanismos apropriados. Tal esvaziamento, entretanto, não significa a exclusão total do instituto, que permanece cabível em situações de manifesta ilegalidade ou teratologia.
A principal hipótese de cabimento do mandado de segurança contra decisões judiciais está relacionada à ocorrência de uma teratologia, ou seja, uma decisão que é tão gravemente ilegal que se configura como absurda ou fora do padrão aceitável de razoabilidade e legalidade. Esse conceito, envolve decisões que apresentam erros tão evidentes e grosseiros que não podem ser sanados por meio dos recursos ordinários.
O conceito de teratologia é, portanto, um dos elementos fundamentais para a discussão do cabimento do mandado de segurança. Por isso, o STJ tem adotado esse critério rigoroso para justificar o uso do mandado de segurança contra decisões judiciais, afastando sua utilização indiscriminada. O objetivo é evitar que o mandado de segurança se transforme em um instrumento corriqueiro de revisão de decisões judiciais, especialmente quando há recursos adequados para isso.
Assim, convém ter como premissa do mencionado remédio que a teratologia é vista como um requisito adicional, devendo ser demonstrada com clareza pelo impetrante, sob pena de inviabilidade do writ.
Além disso, a decisão judicial deve ser manifestamente ilegal e causar dano irreparável ou de difícil reparação, o que reforça o caráter excepcional do mandado de segurança. O erro grosseiro na decisão judicial, especialmente quando há flagrante violação de princípios ou normas constitucionais, pode justificar a intervenção do mandado de segurança, mesmo quando o recurso ordinário não for cabível. No entanto, é necessário cautela, pois o mandado de segurança não pode ser utilizado como mero sucedâneo recursal.
Embora o mandado de segurança tenha desempenhado um papel crucial na defesa dos direitos fundamentais, ele vem enfrentando um processo de declínio, conforme observado por Leonardo Greco1. Fatores como a hipertrofia do poder estatal, a crescente valorização do interesse público e a introdução de instrumentos processuais mais amplos, como a tutela antecipada (art. 300 e seguintes do CPC), contribuíram para a sua marginalização. O mandado de segurança, que outrora era visto como uma das criações mais inovadoras do Direito brasileiro, perdeu parte de sua importância diante da evolução das ferramentas processuais de proteção aos direitos do cidadão
Portanto, o mandado de segurança continua relevante em prol do acesso à justiça, mas seu papel como instrumento de impugnação de decisões judiciais é cada vez mais restrito, focando-se em garantir uma tutela jurisdicional em casos extremos de abuso de poder e ilegalidade.
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1 GRECO, Leonardo. POR UM NOVO MANDADO DE SEGURANÇA: RETORNO À ORIGEM?. Revista Eletrônica de Direito Processual, Rio de Janeiro, v. 11, n. 11, 2015. Disponível em: https://www.e-publicacoes.uerj.br/redp/article/view/18073. Acesso em: 19 mar. 2025.