Quais são os reflexos do julgamento do Tema de repercussão geral 816/STF na tributação da renda das agroindústrias?
Entendimento do STF pode beneficiar as empresas que fazem o beneficiamento e o blend de grãos de café, que passam a ter a possibilidade de reduzir a base de cálculo do lucro presumido.
sexta-feira, 21 de março de 2025
Atualizado às 17:45
No dia 26/2/25, o STF concluiu o julgamento do RE 882.461 (Tema de repercussão geral 816), em que decidiu que o ISSQN não incide sobre serviços de beneficiamento (também entendidos como industrialização por encomenda) quando a referida atividade é realizada no decorrer de uma cadeia produtiva.
O leading case encerrou uma discussão que se arrastou por anos, solucionando, enfim, um intricado conflito de competência para a cobrança do ISSQN, IPI e ICMS.
Isso, porque, o beneficiamento/aprimoramento de produtos é uma atividade que está descrita tanto no item 14.05, da lista anexa à LC 116/03, que trata dos serviços em geral, tributáveis pelo ISSQN; como no art. 46 do CTN, que trata dos serviços de industrialização, tributáveis pelo IPI. Daí, então, ser oportuno que o STF delimite/estabeleça quais são os critérios objetivos que devem ser considerados pelo intérprete, para identificar quando há a incidência do ISSQN, em detrimento da incidência do IPI e ICMS1.
Vê-se, portanto, que o referido leading case possui relevância própria e o potencial per se de sedimentar as balizas pelas quais devemos interpretar o ordenamento jurídico tributário. Mas, neste texto, nós pretendemos ir além da exposição do seu contexto histórico-jurídico, e chamar a atenção do leitor para os importantes reflexos que esse paradigma tende a gerar na tributação da renda.
De forma mais específica, nós analisaremos a urgente necessidade de a Receita Federal revogar a Solução de Consulta Cosit 183/15, que concluiu (incorretamente, em nossa visão) que algumas empresas do setor agroindustrial deveriam recolher o IRPJ e a CSLL, apurados no lucro presumido, considerando a margem específica de 32%, em detrimento das margens mínimas de 8% (para o IRPJ) e 12% (para a CSLL).
É que, para justificar essa conclusão, o Fisco Federal afirmou que a atividade de (re)beneficiamento e mistura ("blend") de grãos de café seria uma espécie de serviço geral, sujeita à incidência do ISSQN, e não uma atividade industrial, sujeita à cobrança do IPI. Daí, então, a RFB concluir que a margem presumida de lucro dessa atividade seria a prevista na alínea "a", do inc. III, do art. 15, c/c o art. 20, inc. I, da lei 9.249/1995, para os serviços em geral; e não aquelas previstas residualmente no caput do art. 15 e inc. III, do art. 20, da lei 9.249/1995, para os serviços industriais.
Adiante, então, analisaremos os pontos de tensão entre a incidência do ISSQN e do IPI, bem como os equívocos que foram cometidos pela Solução de Consulta Cosit 183/15, ao indicar como deve se dar a tributação da renda das agroindústrias, que fazem o beneficiamento e blend de grãos de café, como forma de viabilizar a posterior venda e exportação.
Breves considerações sobre o conflito de competência entre o ISSQN e o IPI/ICMS
É relevante entender um pouco melhor o histórico do conflito de competência entre ISSQN e IPI/ICMS, pois a própria Receita Federal reconheceu, na Solução de Consulta Cosit 183/15, e no ADIn - Ato Declaratório Interpretativo 26/08, que devem ser tratadas como atividades industriais - para fins de aferição da base de cálculo do IRPJ e da CSLL -, aqueles serviços que estiverem sujeitos à incidência do IPI.
Logo, segundo as premissas estabelecidas pela própria Receita Federal, uma sociedade empresária só será tributada no lucro presumido, sob a margem de 32%, se a sua atividade consistir em um serviço em geral, sujeito à incidência do ISSQN. Se, porém, a sua atividade for classificável como industrialização, as margens que deverão ser consideradas, no regime do lucro presumido, são as de 8% (para o IRPJ) e 12% (para a CSLL).
A este respeito, o primeiro ponto que precisa ficar claro é que a atividade de industrialização nada mais é do que uma prestação de serviço constitucionalmente qualificada. Afinal, como definiu o STF, no julgamento do RE 651.703 (Tema de repercussão geral 581), a intenção do constituinte foi tributar "todas as atividades empresariais cujos produtos fossem serviços sujeitos a remuneração no mercado". Daí a CF/88 estabelecer que os serviços de comunicação seriam tributados exclusivamente pelo ICMS; ao passo em que os serviços financeiros seriam tributados exclusivamente pelo IOF; os serviços de industrialização exclusivamente pelo IPI; "e, residualmente, os demais serviços de qualquer natureza - [seriam] tributáveis pelo ISSQN"2.
A partir da rígida repartição constitucional de competências tributárias extrai-se a máxima, há muito explicitada por Geraldo Ataliba3, de que "onde cabe ISS, não cabe IPI; onde cabe IPI, não cabe ISS. Isto é radical na Constituição".
Sendo este o caso, o segundo ponto que precisa ser analisado neste texto é o conceito de industrialização, já que, como visto, essa atividade tem uma tributação preferencial, em relação à tributação dos serviços de qualquer natureza4.
Sobre o assunto, Hugo de Brito Machado5 afirma que o conceito de industrialização é pré-jurídico, isto é, "independe de lei (...) [embora], para evitar ou minimizar conflitos, a lei complementar pode e deve estabelecer os seus contornos". Foi justamente isso, então, o que fez o art. 46, § único do CTN, ao delimitar que a industrialização é uma atividade humana coordenada, que recai sobre um bem corpóreo, com vistas a modificar a sua natureza/finalidade, ou aperfeiçoá-lo para o consumo6.
A definição do CTN é de fato relevante, pois o referido código foi editado antes de promulgação da CF/88, de modo que quando o constituinte tratou do conceito de industrialização, ele o fez adotando o significado que era pré-existente no ordenamento jurídico. Ou seja, o conceito de industrialização, que originalmente estava previsto apenas no CTN, passou a gozar, também, de status constitucional, a fim de auxiliar na interpretação e delimitação da materialidade prevista no art. 153, inc. IV da CF7.
Com efeito, uma primeira interpretação possível para o assunto é a de que sempre que uma atividade humana resultar no aperfeiçoamento de um bem para o consumo, se terá a incidência exclusiva do IPI (e nunca do ISSQN). Afinal, a partir do momento que passou a existir um conceito constitucional de industrialização, que abarca o aprimoramento de mercadorias, o fato é que nem mesmo o legislador complementar poderia reclassificar essa atividade para permitir que ela seja tributada por outro imposto que não o IPI. Via de consequência, o que teríamos é a absoluta inconstitucionalidade do item 14.05 da LC 116/03, que previu a incidência do ISSQN sobre os serviços de beneficiamento de bens de terceiros.
No entanto, uma segunda interpretação possível é a de que a tributação, pelo IPI ou ISSQN, vai depender de estarmos diante de um beneficiamento enquanto "atividade-meio" ou "atividade-fim". Isso porque a incidência preferencial do IPI não depende apenas do aperfeiçoamento de uma mercadoria para o consumo. Mas, também, se esse aperfeiçoamento é feito em larga escala, em um processo denominado "estandardização"8.
Com efeito, se a atividade de beneficiamento for realizada com o intuito de viabilizar a posterior venda da mercadoria ("atividade-meio"), o que se terá é um esforço humano coordenado, destinado à padronização/massificação de um bem que, após o referido processo, estará aprimorado para a comercialização em escala e, por consequente, para o consumo em massa9. Nessa hipótese, o "talento humano" terá um relevo menor em relação à padronização das mercadorias remetidas para beneficiamento, resultando na incidência isolada do IPI/ICMS.
Por outro lado, se a atividade de beneficiamento for realizada para consumo próprio ("atividade-fim") teremos a situação inversa: o fazer humano terá um relevo muito maior do que o produto a ser entregue, já que o intuito na remessa do bem para beneficiamento não será a padronização da mercadoria, mas sim a sua customização. Haveria, nessa hipótese, um serviço personalizado, que, por definição, é a antítese da "estandardização", atraindo, via de consequência, a incidência exclusiva do ISSQN. Sendo este o caso, o item 14.05 da LC 116/03 permaneceria compatível com a atual ordem constitucional, mas teria um campo de aplicação mais restrito do que a sua interpretação literal e isolada parece indicar.
É curioso notar, a propósito, que a segunda interpretação destacada acima - a qual, inclusive, nos parece ser a mais adequada -, só se faz necessária, pois com a edição da LC 116/03 houve a supressão de uma norma que, de forma expressa, resolvia esse potencial conflito entre ISSQN e IPI. É que, antes da LC 116/03, a incidência do imposto municipal era regulamentada pelo decreto-lei 406/1968, que no item 72 da sua lista anexa estabelecia que a atividade de beneficiamento de bens de terceiros só era tributada pelo ISSQN se for o caso "de objetos não destinados à industrialização ou comercialização".
Ou seja, a LC 116/03 suprimiu um requisito que, de forma bastante coerente com a distribuição constitucional de competências tributárias, auxiliava a delimitação do campo de incidência do IPI e do ISSQN. Logo, preferir a segunda interpretação mencionada acima não significa admitir a repristinação de parte do decreto-lei 406/1968, mas sim reconhecer que a norma sempre pôde ser extraída implicitamente do texto constitucional, a partir do conceito constitucional de industrialização. Daí, então, que essa regra não poderia ter sido revogada, nem mesmo por lei complementar posterior, como é o caso da LC 116/03.
Diante de todo o exposto, nos parece razoável admitir como verdadeiras as seguintes premissas:
- Conceito de industrialização é um conceito pré-jurídico, que foi conservadoramente delimitado pelo § único do art. 46 do CTN;
- O significado de industrialização, exposto originalmente no CTN, foi incorporado à CF/88, passando a delimitar não só o campo de incidência do IPI, como, também, o campo de não incidência de outros tributos, como o ISSQN;
- Como o ISSQN possui natureza jurídica residual na Constituição, este imposto somente pode incidir sobre aquilo que a Constituição não tratou como industrialização (ou serviços sujeitos ao ICMS e IOF);
- Especificamente quanto ao IPI, este imposto deve incidir sempre que houver (iv.a) uma atividade coordenada/sistematizada, classificável como processo de "estandardização", (iv.b) a qual deve ser destinada e/ou ter como resultado lógico o aprimoramento de um bem para o consumo;
- Enquanto o ISSQN deve incidir nas demais hipóteses, em especial quando se estiver diante de uma "atividade-fim", que não implique em uma "estandardização" do aprimoramento para consumo; sendo que
- Nem mesmo a LC 116/03 pode alterar esses critérios para delimitar a rígida repartição constitucional de competências tributárias.
Equívocos incorridos pela Solução de Consulta Cosit 183/15 ao analisar, casuisticamente, as atividades de (re)beneficiamento e "blend" de grãos de café
Embora a legislação tributária utilize o termo beneficiamento para se referir à atividade de industrialização por encomenda, é comum que as sociedades empresárias do ramo cafeeiro intitulem as suas atividades como "rebeneficiamento" e liga ("blend") dos grãos de café. Isso ocorre porque quando os grãos de café são colhidos, eles passam imediatamente por um processo rudimentar de beneficiamento, no qual o produtor rural tenta separá-los de impurezas mais significativas, além de realizar a secagem e o descascamento dos grãos.
Já a atividade desempenhada pelas agroindústrias é mais complexa, e precisa ser realizada por um tecnológico aparato eletrônico (isto é, máquinas industriais propriamente ditas). Nessa nova etapa da cadeia produtiva ocorre não só a limpeza de impurezas residuais, como, também, a classificação e segregação dos grãos de café conforme o seu formato, cor, tamanho e densidade. Daí, então, os players desse mercado intitularem as suas atividades, sumarizadas abaixo, como "rebeneficiamento" e liga ("blend") dos grãos de café:
Atividades realizadas pelas agroindústrias
- Pré-limpeza dos grãos de café para identificação e exclusão de materiais como plásticos, fibras, tecidos e outros resíduos indesejados;
- Catação de pedras mediante processo mecanizado, mediante separação magnética dos resíduos ferrosos e que não foram identificados na pré-limpeza;
- Separação dos grãos conforme o tamanho da fava, para fins de padronização e definição da qualidade para formação dos lotes que serão comercializados;
- Utilização de mesa densimétrica, por meio do qual se utiliza uma esteira eletrônica para identificação e segregação dos grãos conforme a sua densidade, garantindo-se a qualidade do café que será destinada ao consumo;
- Seleção eletrônica dos grãos, agrupando-os conforme a sua coloração; e
- Mistura dos grãos selecionados/(re)beneifciados, em que são misturados determinados tipos de grãos de café, nas proporções e medidas fornecidas pelo contratante, a fim de que um lote de café atenda determinados padrões internacionais de sabor e qualidade.
Como se vê do descritivo acima, o (re)beneficiamento e a liga ("blend") são indispensáveis para que possa ocorrer a venda dos grãos de café, pois, como explica o profundo estudo realizado pelo SENAR - Serviço Nacional de Aprendizagem Rural, existem "duas tabelas que possibilitam a classificação dos cafés, a partir dos defeitos encontrados em uma amostra [de 300g]"; sendo que o tipo de amostra encontrado "influencia diretamente no valor final que é pago ao cafeicultor por cada saca de café":
Dessa breve exposição, percebe-se que as atividades de (re)beneficiamento e blend de grãos de café cumprem os dois requisitos para se sujeitarem à incidência do IPI (e não do ISSQN). Afinal, ambos os processos são realizados de forma estandardizada, inclusive por meio de maquinários industriais, como demonstra o detalhado estudo do SENAR acima mencionado; e têm por resultado lógico o aprimoramento dos lotes de grãos de café que são remetidos para industrialização por encomenda.
Logo, o mais adequado era que, a nível de IRPJ e CSLL, os contribuintes pudessem recolher essas exações, no regime do lucro presumido, considerando as margens mínimas de 8% (para o IRPJ) e 12% (para a CSLL). Afinal, a margem de 32% somente é aplicável quando se está diante de um serviço em geral, que nitidamente não é a hipótese de um (re)beneficiamento e "blend" realizado no curso de uma cadeia produtiva.
Apesar disso, a RFB proferiu a Solução de Consulta Cosit 183/15, em que afirmou que as atividades de "limpeza, peneira, catação, seleção, separação, pesagem e ensaque do café cru em grão não alteram em nenhum aspecto o funcionamento, utilização, acabamento ou aparência do produto original, o que afasta seu enquadramento como industrialização, à luz do art. 4º [do Regulamento de IPI]". A partir desse raciocínio, o Fisco concluiu que a atividade de (re)beneficiamento e blend de grãos de café devem ser tributadas segundo a margem presumida de 32%, aplicável aos serviços em geral.
O raciocínio do Fisco, porém, contém uma grave falha. É que, naquela oportunidade a RFB considerou que o conceito de industrialização estaria limitado às atividades que alteram "o funcionamento, utilização, acabamento ou aparência do produto original", sem, contudo, considerar que o aperfeiçoamento para consumo também é uma conduta que perfectibiliza o fato gerador do IPI, nos termos do art. 46, § único do CTN.
E é justamente isso que ocorre no caso das sociedades agroindustriais: essas empresas aprimoram os lotes de grão de café que recebem, já que, embora esses lotes tenham passado por um processo rudimentar de beneficiamento, eles ainda não têm a qualidade e padronização exigida por mercados internacionais. Significa dizer, portanto, que sem a atividade de industrialização por encomenda das agroindústrias do café, a exportação dos grãos seria praticamente inviável, já que os compradores não teriam interesse em adquirir sacas de café com "defeitos" que tornam o grão impróprio para consumo de alto padrão.
É tão latente o equívoco incorrido pela RFB a este respeito, que o entendimento expresso pelo Fisco em relação ao IRPJ e CSLL contraria, até mesmo, a IN RFB 1.911/19, que trata da incidência de PIS e Cofins, sobre a atividade de (re)beneficiamento e "blend" de grãos de café. Afinal, nessa instrução normativa a própria RFB reconhece que essas atividades são típicas das agroindústrias (o que, por definição, as retira da categoria de "simples prestadores de serviço").
Conclui-se, portanto, que mesmo antes do julgamento do Tema de repercussão geral 816/STF, seria coerente que a RFB reconhecesse que as atividades de (re)beneficiamento e blend de grãos de café são típicas atividades industriais. Daí, então, que sempre tenha sido urgente a necessidade de se reconhecer que os contribuintes sujeitos ao lucro presumido podem/devem apurar a base de cálculo do IRPJ e da CSLL segundo as margens presumidas de 8 e 12%, respectivamente.
Reflexos do julgamento do Tema 816 da repercussão geral sobre a tributação da renda das agroindústrias
Se é verdade que mesmo antes do julgamento do Tema de repercussão geral 816/STF a RFB já tinha relevantes razões para admitir uma tributação mais benéfica no regime do lucro presumido, o fato é que depois desse julgamento essa necessidade se tornou ainda mais latente. É ver, por oportuno, a tese que foi firmada pela Suprema Corte:
Tema de repercussão geral 816/STF
"1. É inconstitucional a incidência do ISS a que se refere o subitem 14.05 da Lista anexa à LC nº 116/03 se o objeto é destinado à industrialização ou à comercialização;"
Desse verbete extrai-se a conclusão de que se o (re)benficiamento e o blend dos grãos de café ocorrer como uma fase preparatória à venda (ou exportação), a operação de industrialização por encomenda estará sujeita ao pagamento do ICMS e IPI, afastando-se a incidência do ISSQN. Com efeito, a partir desse caso paradigmático, tornou-se ainda mais evidente que a RFB nunca teve razão ao alegar, na Solução de Consulta Cosit 183/15, que as atividades de (re)beneficiamento e blend de grãos de café se enquadram no conceito de serviços em geral, tributáveis, no lucro presumido, conforme a margem de 32%. Ao contrário, agora está definitivamente acertado que se trata de atividades industriais, que devem ser tributadas conforme a margem de 8% (para o IRPJ) e 12% (para a CSLL).
Frise-se, por oportuno, que apesar de se tratar de um julgamento recente - cujo acórdão sequer fora publicado tempo em que este texto foi escrito -, este não é um posicionamento novo no âmbito da Suprema Corte. Afinal, no julgamento do AI 803296 AgR/SP, posteriormente repetido no RE 779.762/ES, o STF já havia decidido em sentido similar às teses que foram firmadas no Tema de repercussão geral 816/STF:
"Agravo regimental no recurso extraordinário. Serviço de composição gráfica com fornecimento de mercadoria. Conflito de incidências entre o ICMS e o ISSQN. (...) 2. A verificação da incidência nas hipóteses de industrialização por encomenda deve obedecer dois critérios básicos: (i) verificar se a venda opera-se a quem promoverá nova circulação do bem e (ii) caso o adquirente seja consumidor final, avaliar a preponderância entre o dar e o fazer mediante a averiguação de elementos de industrialização. 4. À luz dos critérios propostos, só haverá incidência do ISS nas situações em que a resposta ao primeiro item for negativa e se no segundo item o fazer preponderar sobre o dar. (AI 803296 AgR/SP, Primeira Turma, Relator o Ministro Dias Toffoli, DJe de 7/6/2013)
Não restam dúvidas, portanto, que o precedente do Tema de repercussão geral 816/STF tem o potencial de gerar um impacto bastante positivo para as agroindústrias sujeitas ao regime do lucro presumido, já que a partir dele a base de cálculo do IRPJ poderá ser reduzida em até quatro vezes, ao passo em que a base da CSLL poderá ser reduzida em quase três vezes.
Conclusões
Considerando tudo que foi exposto, nos parece seguro afirmar que o julgamento do Tema de repercussão geral 816/STF tem o potencial de impactar diretamente na tributação da renda das agroindústrias, em especial aquelas que se dedicam ao (re)beneficiamento e blend de grãos de café.
Por isso, nos parece razoável que esse tipo de sociedade vá ao Poder Judiciário discutir, agora com mais ênfase, o entendimento que foi firmado equivocadamente pela RFB, no bojo da Solução de Consulta Cosit 183/15. O esperado, caso o Tema de repercussão geral 816/STF seja aplicado corretamente, é que se reconheça que esse tipo de atividade industrial deve ser tributada, no regime do lucro presumido, conforme as margens de 8% (para o IRPJ) e 12% (para a CSLL).
Via de consequência, abre-se uma importante possibilidade de as agroindústrias reduzirem significativamente a carga tributária dos anos vindouros, assim como tentarem recuperar o valor que recolheram indevidamente nos últimos 5 anos.
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1 O conflito de competência entre ISSQN e IPI também gera reflexos na incidência do ICMS em situações, por exemplo, de remessa de bens para industrialização de embalagens (enfrentadas pelo STF na ADI n.º 4389). Isso, porque, a partir do referido julgamento, ficou claro que nessas hipóteses há uma preponderância da atividade de dar/fornecer (a embalagem) em detrimento do fazer/prestar o serviço em si. Logo, quando o beneficiamento/industrialização por encomenda for uma etapa da futura operação de venda, se estará diante de uma "atividades-meio", que seria intributável pelo ISSQN, por estar sujeita à cobrança do ICMS. Sendo este o caso, preservar-se-ia, inclusive, a não-cumulatividade da cadeia produtiva, que é onerada de forma ostensiva por aquele imposto estadual.
2 STF, RE 651703, Rel.: LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 29/09/2016, Dje 25/04/2017.
3 ATALIBA, Geraldo. "Conflito entre ICMS, ISS e IPI". Revista de Direito Tributário n.º 7/8. São Paulo: RT, janeiro/junho de 1979, p. 119.
4 TAVARES, Alexandre Macedo e DELGADO, José Augusto. Pareceres: Não Incidência do ISS sobre a Atividade de Beneficiamento (Alvejamento e Tingimento) de Produtos Têxteis Destinados a Posterior Comercialização ou Industrialização pelos Encomendantes. São Paulo: Dialética. 2012, p. 107/108.
5 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 284.
6 "Art. 46. O imposto, de competência da União, sobre produtos industrializados tem como fato gerador: (...) Parágrafo único. Para os efeitos deste imposto, considera-se industrializado o produto que tenha sido submetido a qualquer operação que lhe modifique a natureza ou a finalidade, ou o aperfeiçoe para o consumo". - (sem grifos)
7 ÀVILA, Humberto Bergmann. Constituição, Liberdade e Interpretação. 2. ed. Juspodivm, 2021. v. 1. p. 37.
8 JUSTEN FILHO, Marçal. O Imposto sobre Serviços na Constituição. São Paulo: RT, 1985, p. 115.
9 TAVARES, Alexandre Macedo e DELGADO, José Augusto. Pareceres: Não Incidência do ISS sobre a Atividade de Beneficiamento (Alvejamento e Tingimento) de Produtos Têxteis Destinados a Posterior Comercialização ou Industrialização pelos Encomendantes. São Paulo: Dialética. 2012, p. 106.
10 "A Tabela 1 traz a equivalência dos defeitos, que irá possibilitar a contagem final dos defeitos de uma amostra. Utilizando a Tabela 2, após a contagem final dos defeitos, será possível definir qual o tipo da amostra analisada." SENAR. Café: classificação e degustação. Brasília, 2017, Disponível em:
Matheus Mendes Nunes
Bacharel em Direito pela Faculdade Milton Campos, especialista em Direito Tributário pelo Ibet, professor convidado em cursos de pós-graduação em Direito Tributário e advogado tributarista do escritório Sacha Calmon - Misabel Derzi, Consultores e Advogados.
Enrique de Castro Loureiro Pinto
Bacharel em Direito pela PUC-MG, especialista em Direito Tributário pelo Ibet e em Direito de Energia pelo Cedin, mestrando em Direito Tributário pela UFMG, membro da Comissão de Direito de Energia da OAB-MG, autor do livro A Tributação da Energia Elétrica (Editora Lumen Júris), professor convidado de cursos de pós-graduação e advogado tributarista.