Teoria e prática do Tribunal do Júri - Dicas para a defesa - Do inquérito à pronúncia
Resumo: A instituição secular do Júri ainda seria justificável no mundo atual - algumas questões se levantam com análise de algumas dicas para o tribuno de defesa.
sexta-feira, 28 de março de 2025
Atualizado às 11:33
Aspectos gerais do procedimento nos crimes de alçada do Tribunal do Júri
Historicamente, se tem apontado a Carta Foral conhecida como Magna Charta Libertatum, da Inglaterra de 1215, como termo inicial, a pedra de toque ou fundamental, de inúmeros princípios processuais de índole constitucional, eis que, pela primeira vez, durante a Idade Média, o poder de um soberano, no caso, João Sem Terras foi controlado como forma de se conter uma revolta de outros nobres (barões) em estado de insurreição (o que, segundo certa corrente constitucionalista seria um embrião dos fundamental right, embora outro segmento os já vislumbrasse na própria Grécia Antiga).
Tal merece ser dito em virtude do fato de que a partir de tal dado histórico se tem reconhecido o direito de um homem a ser julgado por seus pares, o que é o fundamento da idéia de um Tribunal do Júri, enquanto órgão jurisdicional em que cidadãos do povo são convocados para que exerçam função temporária de juízes de Direito.
Parte da doutrina, inclusive, estabelece essas origens, em tempos ainda mais remotos, como a centeni comites no direito germânico antigo, de influência romana, o que chegou aos dias atuais por intermédio de Henrique II da Inglaterra, por volta do ano 1100. Outros vão ainda mais longe no tempo, no próprio Império Romano e na Grécia Antiga, com as previsões, respectivamente, dos judicis jurati e dos dikastas.
No Brasil, o júri surge, pela primeira vez, pela lei de 18/6/1822, destinando-se, originariamente, a processar e julgar os crimes de imprensa, sob a égide da denominação "juízo dos Jurados", e, em 1824, com o advento da primeira Constituição brasileira, passa a ganhar status constitucional. Tal condição de garantia constitucional persiste até os dias atuais, em que o Júri continua a ser visto como uma liberdade pública, ou seja, um direito fundamental do indivíduo, por força do disposto na norma contida no art. 5º, inciso XXXVIII, alínea "d" CF.
E, nesta condição, por força do previsto no art. 60, parágrafo 4º, inciso IV CF, tal garantia se constitui em verdadeira cláusula pétrea que sequer admite possibilidade de emenda constitucional que lhe venha suprimir. Com relação ao tema, de se destacar que o texto constitucional pátrio alude à competência do Tribunal do Júri para processar e julgar os crimes dolosos contra a vida, mas, como adverte parte da doutrina, tal competência constitucional não impede que tal órgão jurisdicional venha a julgar outros tipos de delitos conexos com esses crimes dolosos contra a vida, nas hipóteses do art. 78, inciso I CPP, nem tampouco impede que a lei amplie as hipóteses de outros delitos que possam vir a serem julgados pelo mesmo órgão, apenas e tão somente impede que crimes dolosos contra a vida não sejam julgados por ele.
Do mesmo modo, outros delitos que envolvam a morte da vítima, como o sequestro seguido de morte e o latrocínio, por serem definidos como crimes patrimoniais (o bem jurídico visado pelo agente seria o patrimônio e não a vida da vítima, propriamente dita), não serão julgados pelo Tribunal do Júri.
Outro dado introdutório interessante, sobretudo quando se analisa o procedimento do Tribunal do Júri, é a constatação de que não só crimes dolosos contra a vida apenados com reclusão, como o homicídio, podem ser processados por este rito, como também alguns apenados com detenção, como é o caso específico do infanticídio e do autoaborto, mas, seja num caso (apenamento com reclusão), seja no outro (apenamento com detenção), o procedimento a ser empregado (bifásico como se exporá) será o mesmo.
Tanto assim que doutrinadores têm apontado para o fato de que o procedimento do júri, enquanto juiz natural para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida, pode ser considerado escalonado, ou seja, composto de duas fases, a primeira se encerrando com a decisão de pronúncia.
No entanto, a pergunta que não se faz é: Por que ainda se manter o Tribunal do Júri, enquanto foco de grande número de formalidades processuais, com procedimento longo e moroso, se, em verdade, delitos com penas muito maiores, em que também se vulnera o direito a vida (latrocínio como pontuado acima), são julgados em uma fase procedimental (ainda que ordinária) por juízes de varas comuns?
Tem-se aí, o quanto apontado pelo prestigiado professor de sociologia jurídica José Eduardo Faria (que foi meu professor) há que se fazer referência à função onírica do Direito - a sociedade precisa de colunas romanas, togas e salões de julgamento que permeiam um certo preciosismo do Direito romano (e é idealizada por Hollywood, por exemplo) em casos rumorosos como os que envolvem a perda de uma vida humana.
O razonable man (paradigma do homem médio - o bônus pater famílias romano) do direito da Common Law, para que se alcance uma certa catarse social e com isso se prestigiar a ideia de que o crime não compensa precisa ver as instituições funcionando - o crime de homicídio tem grande relevância religiosa ("não matarás") o justifica a solenidade para a sua apuração - ao se ver o rosto do réu transfigurado na mesa (recentemente se tem determinado que o mesmo seja apresentado sem algemas e com os trajes que escolher - em conjunto com a defesa para escrutínio dos senhores jurados - por razões óbvias, melhor que se apresente com terno do que em uniforme da unidade prisional), como forma de uma certa expiação pública de constitucionalidade duvidosa para que se alcance uma certa prevenção geral na prática de um delito.
A defesa constatando que o acusado está algemado, sem prévia ordem escrita e fundamentada - e se de lançar dúvidas sobre decretações de tais medidas de ofício, sem pedido justificado da acusação e sendo o réu exposto em uniformes que lhe retirem a própria dignidade perante os seus pares leigos que irão julga-lo deve haver pronta manifestação da defesa.
Procedimento
Seguindo, portanto, o objetivo do trabalho proposto, dessas duas fases (fase sumária, onde o rito a ser empregado é próximo ao do rito ordinário e a fase plenária, perante o órgão colegiado), apenas e tão somente será analisada a primeira.
Não se pode perder de vista que a noção de procedimento tem a ver com a noção de fase judicial, na medida em que, como sabido, o processo é um instrumento do direito de ação, sendo certo que tal instrumento forma, na sua essência, uma relação jurídica entre o juiz e as partes, sendo o procedimento um conjunto de atos coordenados pelos quais se desenvolve o processo.
Mas, em processo penal, não se pode perder de vista o fato de que as ações penais somente serão iniciadas se houver justa causa para a sua propositura, o que faz supor, na generalidade dos casos, a existência de dados sobre a provável demonstração da materialidade e da autoria delitivas, o que é geralmente obtido em fase extrajudicial, ou seja, na fase da apuração policial do delito. Costuma-se, em doutrina, inclusive asseverar, em sede de processo penal, que "antes de ser iniciada a fase judicial da persecução criminal, não há instrução e, sim, investigação", tanto que ainda não existe relação processual.
E a atividade policial se iniciará pela notitia criminis chegada à autoridade policial e seus agentes, sendo que a primeira poderá formalizar a instauração do inquérito pela portaria ou por requisição do Ministério Público ou do juiz de Direito, ou, ainda, mediante requerimento da vítima (art. 5º e seus parágrafos e incisos CPP), podendo ocorrer, ainda, de início da atividade policial pelo auto de prisão em flagrante (arts. 8º e 301 e seguintes CPP).
Dada a gravidade dos crimes dolosos contra a vida, com penas mínimas e máximas em patamares mais exasperados, muito provavelmente não se iniciará uma ação penal desta natureza, tendo como peça informativa um termo circunstanciado de ocorrência (nos termos da lei 9.099/95), verificado nos chamados crimes de menor potencial ofensivo. Da mesma forma, por envolver ameaça não se cuidaria de situações que possam admitir plea bargaing em ANPP.
Assim, muito embora, tecnicamente, a fase de inquérito policial não possa ser considerada como integrante do procedimento, que, como dito acima, tem matiz jurisdicional, tais constatações se fizeram necessárias posto que a persecução penal somente poderá ser iniciada, com o recebimento regular de uma denúncia, se o inquérito policial for elaborado com as cautelas legais e se apontar para indícios suficientes da materialidade e da autoria do delito, não ocorrendo, pelo óbvio, as situações descritas no art. 43 e seus incisos CPP.
Mas já se poderia questionar, em casos de demora, o porquê haveria muitos pedidos de prazo para diligências, sobretudo quando entre um e outro não se praticar o ato colimado - a lei de abuso de autoridade veda o prolongamento indeterminado de procedimentos investigatórios - e seria muito interessante levantar eventualmente se ocorre apenas demora injustificada por falta de interesse no processo ou se haveria fatores externos para a demora - por exemplo, a autoridade policial quer ouvir alguém em Roraima e expede a carta precatória policial para lá - a pessoa não se localiza - e se fica insistindo nisso por meses e meses sem apontamentos de diligências na sede deprecada e sem cobranças.
Ou se busca intencionalmente a prescrição - o que põe em xeque o trabalho policial, ou há interesse na localização a todo custo de uma pessoa (por quê? Qual sentimento estaria por trás disso? ou há simples negligência pura e simples?) em qualquer dessas hipóteses já seria de se buscar aferir ou questionar tais causas - e, em sendo o caso, apontando isso aos senhores jurados. A priori o Estado tem o dever de eficiência e pedidos de prazo devem ser motivados e justificados - excessos não motivados de prazo levam a questionamentos deferidos em favor da defesa.
Sabido que quando determinado indiciado estiver respondendo solto ao inquérito, o prazo de sua remessa à Justiça é de trinta dias. Se o fato for de difícil elucidação, a autoridade policial poderá requerer ao juiz a devolução dos autos, para ulteriores diligências, que serão realizadas no prazo marcado pelo juiz (parágrafo 3º do art. 10 CPP).
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