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IBS, CBS e ITBI na cessão de direitos hereditários

A reforma tributária visa simplificação, mas a incidência simultânea do IBS, CBS e ITBI na cessão de direitos hereditários impõe questionamentos sobre bitributação e segurança jurídica.

sexta-feira, 21 de março de 2025

Atualizado às 10:18

A reforma tributária tem sido objeto de amplos debates ao longo das últimas décadas, tendo como uma de suas principais diretrizes a simplificação do sistema tributário nacional. Um dos pilares dessa reestruturação foi a substituição do ICMS, ISS, IPI, PIS e Cofins pelo IBS - Imposto sobre Bens e Serviços e pela CBS - Contribuição sobre Bens e Serviços, introduzidos pela EC 132/23 e regulamentados pela LC 214/25.

Contudo, ao passo que a reforma pretende unificar tributos sobre o consumo, surgem situações em que a incidência do IBS e da CBS poderá ocorrer sobre operações que, anteriormente, não eram alcançadas pelos tributos que estão sendo extintos. Tal fenômeno exige análise detida, sob pena de configuração de sobreposição indevida de exações tributárias.

Um caso emblemático dessa problemática se revela na incidência concomitante do IBS e da CBS com o ITBI na cessão de direitos hereditários. A matéria levanta questionamentos relevantes sobre a materialidade desses tributos e o risco de bitributação, o que impõe um exame detido de sua compatibilidade no sistema tributário.

A cessão de direitos hereditários consiste na transferência, por ato inter vivos, dos direitos que o herdeiro possui sobre a herança antes da partilha definitiva. Trata-se de um negócio jurídico translativo, de natureza patrimonial, passível de ser oneroso ou gratuito, conforme previsão dos arts. 1.793 a 1.795 do CC.

A depender da forma como ocorre, a cessão pode assumir distintas naturezas jurídicas, com impactos diretos na tributação incidente. No regime tributário vigente antes da reforma, a cessão onerosa de direitos hereditários poderia ensejar a incidência do ITBI (tributo de competência municipal), caso estivesse vinculada à transmissão de bens imóveis ou direitos a eles inerentes. Já as cessões gratuitas estavam sujeitas ao ITCMD (tributo de competência estadual), visto que sua materialidade corresponde a uma doação.

Independentemente da modalidade da cessão, há que se ressaltar que, para que o herdeiro possa dispor dos direitos hereditários, deve primeiro recebê-los, o que implica na incidência do ITCMD sobre a transmissão do acervo hereditário do falecido ao herdeiro.

Com a implementação do IBS e da CBS, observa-se uma ampliação da base de incidência tributária, alcançando operações que anteriormente não eram tributadas pelos tributos extintos. O art. 4º, §2º, inciso III, da LC 214/25, prescreve que o IBS e a CBS incidem sobre operações onerosas com bens e serviços, abrangendo, expressamente, hipóteses como:

Art. 4º O IBS e a CBS incidem sobre operações onerosas com bens ou com serviços.

[...]

§2º Para fins do disposto neste artigo, considera-se operação onerosa com bens ou com serviços qualquer fornecimento com contraprestação, incluindo o decorrente de:

I - compra e venda, troca ou permuta, dação em pagamento e demais espécies de alienação;

II - locação;

III - licenciamento, concessão, cessão;

IV - mútuo oneroso;

V - doação com contraprestação em benefício do doador.

A partir dessa previsão, constata-se que a cessão de direitos hereditários pode ser enquadrada na materialidade do IBS e da CBS, por estar expressamente listada como uma operação passível de tributação. Além disso, o art. 3º da referida lei complementar define que a incidência do IBS e da CBS abrange não apenas bens tangíveis, mas também direitos:

Art. 3º Para fins desta Lei Complementar, consideram-se:

I - operações com:

a) bens todas e quaisquer que envolvam bens móveis ou imóveis, materiais ou imateriais, inclusive direitos;

[...]

Diante disso, verifica-se que a cessão onerosa de direitos hereditários, até então tributada pelo ITBI, passa a estar também sujeita à incidência simultânea do IBS e da CBS, configurando uma sobreposição de tributação sobre o mesmo fato gerador.

Embora a LC 214/25 estabeleça, em seu art. 4º, §5º, que a incidência do IBS e da CBS não altera a base de cálculo do ITBI, tal disposição não afasta a concomitância das exações, conforme se observa:

Art. 4º [...]

§5º A incidência do IBS e da CBS sobre as operações de que trata o caput deste artigo não altera a base de cálculo do:

I - Imposto sobre a Transmissão Causa Mortis e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos (ITCMD), de que trata o inciso I do caput do art. 155 da Constituição Federal;

II - Imposto sobre a Transmissão Inter Vivos de Bens Imóveis e Direitos a eles Relativos (ITBI), de que trata o inciso II do caput do art. 156 da Constituição Federal.

A despeito da referida previsão, o problema não reside na base de cálculo, mas sim na dualidade de incidência tributária sobre a mesma operação. O ITBI permanece vigente e continuará sendo exigido, independentemente da ocorrência do fato gerador do IBS e da CBS.

Esse cenário revela uma opção legislativa que amplia o campo de tributação para além da substituição dos tributos anteriores, criando hipóteses de incidência que não eram contempladas no modelo anterior (ICMS, ISS, IPI, PIS e Cofins). Como consequência, forma-se um novo conflito de competência tributária e uma possível violação ao princípio da vedação ao confisco e da segurança jurídica.

A inserção da cessão de direitos hereditários na base de incidência do IBS e da CBS, concomitantemente à tributação já existente pelo ITBI, suscita preocupações quanto à bitributação e à coerência do novo sistema tributário. Embora a proposta da reforma tenha sido a unificação e simplificação da tributação sobre o consumo, a criação de hipóteses tributáveis que antes não eram alcançadas pelos tributos extintos pode gerar efeitos indesejados e um aumento da carga tributária em determinadas operações.

A neutralidade e a uniformidade foram princípios basilares da reforma tributária. Contudo, os impactos dessa nova configuração fiscal precisarão ser avaliados na prática, considerando as manifestações do Poder Judiciário e dos órgãos administrativos para determinar os contornos definitivos dessa incidência. O risco de sobreposição indevida de tributos exige uma interpretação criteriosa, sob pena de comprometer a segurança jurídica e a previsibilidade tributária no Brasil.

Ramon Henrique Santos Fávero

VIP Ramon Henrique Santos Fávero

Advogado fundador do Fávero Sociedade de Advogados. Dupla titulação de especialista em Direito Tributário (IBET e LFG). Mestrando em Direito Processual (UFES). Professor de Direito.

Beatriz Biancato

Beatriz Biancato

Advogada Especialista em Direito Tributário com ênfase em Tributação Municipal. Autora pela Editora Dialética e Idealizadora do Projeto Tributário Sem Mistério.

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