10 anos do CPC: Mediação e conciliação avançam, mas ainda há muitos desafios
Quantidade de centros destinados à solução consensual de conflitos quintuplicou desde o ano anterior à sanção da legislação.
sexta-feira, 21 de março de 2025
Atualizado às 09:47
O Brasil tem um montante de ao menos 79 milhões de processos em tramitação, conforme dados atualizados até janeiro deste ano no painel de estatísticas do Poder Judiciário, do CNJ. O dado inclui os suspensos e arquivados provisoriamente. Diante do exagerado número, a busca por soluções consensuais de conflitos, como previsto no CPC, é imperativa. Mas a prática precisa ganhar impulso em um país cuja sociedade ainda é absolutamente voltada para o litígio judicial.
Há uma década, o novo CPC - entre diversas modernizações para acompanhar as demandas e a inovação no Direito - fomentou meios que dessem mais celeridade à resolução de disputas. A atualização do Código flexibilizou diversos institutos, procedimentos e ferramentas a fim de facilitar a vida do cidadão que utiliza a Justiça brasileira. Sancionada no dia 16/3/15, a legislação chancela e incentiva instrumentos de pacificação social e de prevenção de litígio, a mediação e a conciliação.
Em apertada síntese, na conciliação, o terceiro que auxilia no processo intervém de maneira mais ativa no conflito, podendo até sugerir possíveis soluções para o problema. Por outro lado, na mediação, o mediador atua como facilitador da comunicação entre as partes, incentivando-as a propor suas próprias soluções.
O art. 3º do CPC diz que os métodos devem ser estimulados pelos atores do Judiciário e que o Estado promoverá a solução consensual de conflitos, quando possível. O dispositivo também reconhece o recurso da arbitragem - quando árbitros escolhidos pelas partes sanam a disputa de modo extrajudicial.
Trata-se de uma garantia, sob a égide da lei, de que será favorecido um sistema de justiça multiportas, com oferecimento de alternativas ao litígio em desavenças, o que pode ser uma economia processual, especialmente em casos de natureza mais cotidiana.
Passados 10 anos do Código, esses meios seguiram sendo apoiados no Judiciário. Um sintoma disso é que, de 2014 a 2023, os Cejuscs - Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania nos Tribunais de Justiça quase quintuplicaram, aponta o relatório Justiça em Números de 2024, que compila os dados mais recentes. Foram de 362 a 1.724 unidades em 9 anos.
A realização das sessões e audiências de conciliação e de mediação a cargo de conciliadores e mediadores compete, preferencialmente, aos Cejuscs, bem como o atendimento e a orientação às pessoas que tem dúvidas e questões jurídicas. Os centros foram criados pela resolução 125/10 do CNJ, que instituiu a Política Nacional de Tratamento dos Conflitos de Interesses, e estão previstos no art. 165 do CPC.
Além disso, o número total de audiências conciliatórias cresceu 137% de 2020 até o ano passado - de 1,7 milhão, o sistema alcançou 4,1 milhões de sessões, mostram as estatísticas. Entretanto, esse é um número que ainda precisa escalar, se observada a quantidade de processos em tramitação.
Outro ponto que revela a necessidade de dar fôlego às soluções consensuais de conflitos é o índice de conciliação, que ficou em 10,9% no ano de 2024 e, na série histórica, desde 2015, chegou ao máximo a 13,6%. O dado, disponibilizado pelo CNJ, calcula a proporção de sentenças homologadas (que confirma ato ou acordo entre as partes) em relação ao total de sentenças proferidas em um determinado período.
Arquitetura para a solução de conflito
Esse desafio já encontra base na legislação. Para além do incentivo aos métodos de solução consensual de conflitos e dos Cejuscs, o CPC sancionado em 2015 prevê, de maneira enfática, um ecossistema para que esses instrumentos sejam facilitados e encaminhados. A saber:
- Art. 166: Estabelece os princípios que informam a conciliação e a mediação;
- Art. 174: Fomenta a criação, pelas esferas públicas, de câmaras de mediação e conciliação;
- Art. 319 (inciso VII): Faculta ao autor da demanda revelar, já na petição inicial, a sua disposição para participar de audiência de conciliação ou mediação;
- Art. 334: Estabelece o procedimento da audiência de conciliação ou de mediação como regra para processos que seguirão o rito comum;
- Art. 694: Recomenda, nas controvérsias de família, a solução consensual, possibilitando inclusive a mediação extrajudicial.
Há ainda detalhamentos como o art. 335, que determina que a contestação, momento de defesa do réu, deverá ser apresentada apenas após a audiência de conciliação ou de mediação, ou da última sessão de conciliação, quando estas não forem frutíferas.
Tal medida foi tomada pelo legislador de forma oportuna para que as partes chegassem de maneira mais desarmada para a audiência e, consequentemente, com maior predisposição para chegarem a um termo em comum.
Para ações de Direito de Família, o novo CPC traz ainda diversas disposições processuais para uma solução consensual que sequer têm correspondência no Código anterior. Diante da complexidade das causas familiares, a legislação, inclusive, prevê o auxílio de profissionais de outras áreas de conhecimento, fora do direito, para a mediação e conciliação (art. 694).
Cultura de pacificação social
Comprometido em fazer os métodos de solução pacíficos cada vez mais presentes na rede de Justiça brasileira e criador do Movimento pela Conciliação, o CNJ incluiu, em 2015, o objetivo de aumentar os casos solucionados por conciliação nas metas nacionais. Essa persiste até hoje (conforme o determinado para 2025) como a Meta 3 dos princípios que norteiam o Judiciário do país, atualizados anualmente.
O Conselho promove ainda todos os anos a Semana Nacional da Conciliação, período em que os tribunais identificam processos que tenham possibilidade de acordo e intimam as partes. Há também o Prêmio Conciliar é Legal, que reconhece ações de modernização do Judiciário que estejam contribuindo para a aproximação das partes e a pacificação. As iniciativas tiveram, respectivamente, as suas 19ª e 15ª edições no último ano.
Não obstante toda a arquitetura e incitação promovidos pelo CPC e pelo CNJ em favor das soluções não-litigiosas, a fim de desentulhar os tribunais cheios de processos pelo país e acelerar desfechos, é preciso que todos os envolvidos compreendam a importância desses instrumentos e porque são incentivados.
As partes do processo devem estar cientes de que essa pode ser uma maneira de "cortar caminho" e evitar um longo processo que perdurará na Justiça. Já para advogados, defensores públicos, juízes, membros do Ministério Público e todo o corpo jurídico, é importante reiterar a necessidade de adotar uma postura de promotor de paz social, no cerne da deontologia do Direito. Para nós, profissionais, é crucial entender que não devemos ser apenas operadores do litígio.
Isto posto, no desafio de fazer valer cada vez mais o que prevê o CPC, observa-se, sobretudo, a necessidade de criar uma cultura da pacificação social. Sobre esse debate, cabe a elucidação do desembargador Eduardo Cambi, na obra "Breves Comentários ao Novo Código de Processo Civil", em relação à construção de uma política nacional integrada de valorização dos meios alternativos de solução dos conflitos de interesses.
"É imprescindível, para o sucesso das medidas adotadas no novo CPC, a realização de campanhas de conscientização popular e de educação para o exercício da cidadania, acompanhadas da capacitação dos operadores do direito e de investimentos na formação e na adequada remuneração de conciliadores e de mediadores, com o envolvimento de todos os atores do sistema de justiça", escreve.
Tal pensamento reflete apenas o início de um longo caminho a ser trilhado por todos os envolvidos no ecossistema de resolução de conflitos, em busca de uma sociedade cada vez mais madura e apta para resolver de forma amigável suas questões.
Breno Batista Rezende
Advogado, atuante na área de Direito Civil e sócio do escritório Di Rezende Advocacia e Consultoria. Graduado pela Universidade Federal de Goiás (UFG) e pós-graduando em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS).