Reforma tributária 14: Café caro e lei kandir
O texto aborda como a imunidade da tributação para exportação impacta o mercado interno.
segunda-feira, 24 de março de 2025
Atualizado às 14:04
Por que o café e outros produtos estão caros se somos um dos maiores produtores de alimentos do mundo?
A resposta passa pela economia, mas é atravessada pelo Direito.
Escrevi o último texto falando do milho e da desoneração da cesta básica na reforma tributária, no entanto, muitos queriam saber do café... e do ovo...
O café e o ovo estão na cesta básica, com previsão no Anexo I. Não somente esses dois alimentos, mas outros que estão em nossas mesas: carnes, peixes (exceto salmão e bacalhau), arroz, feijão, açúcar, frutas, massas diversas etc. O que não significa que serão barateados, a precificação dos insumos e alimentos será diferente e não sabemos quais as consequências para o consumidor final. A princípio esperamos que a cesta básica seja mais barata com a ampla desoneração promovida pela reforma tributária.
1. O dólar americano
A primeira razão para que muitas commodities estejam caras se dá, em grande parte, porque são negociadas em dólar. Com o dólar alto, é mais lucrativo exportar a vender ao mercado interno.
Então, basta o dólar subir que tudo sobe junto. A cotação da saca de 60 kg de café chegou ao patamar de R$ 2.315,88. Há quatro anos, era de pouco mais de R$ 600,00. O Brasil adota o sistema de câmbio flutuante. Isto significa que o governo não estipula o valor de conversão da moeda, e sim o próprio mercado.
A pressão econômica da moeda americana é absurda. Os países do BRICS já estão trabalhando numa moeda própria para viabilizar menor interferência monetária dos EUA. Essa também é a razão da atual política externa norte-americana de tributar mais os produtos importados, porque, com o dólar muito alto, tudo "parece" ser barato para eles e não compensa produzir no país se o valor do produto importado tem melhor preço. Acredito que entraremos numa fase de desdolarização da economia, e essa também é uma das razões da crise mundial.
2. Tributos indiretos
Temos razões internas também. Os alimentos serão desonerados com a reforma tributária, porém, muitos ainda pagam tributos diversos, em especial, o ICMS, e todos são operados como custos indiretos. Mas o que isso significa? Que pagamos muitos tributos, mas não temos a dimensão real da carga tributária. Como a reforma prevê a não cumulatividade plena, a transparência e o lançamento por fora, saberemos tudo o que pagaremos de tributos a partir de sua total implantação em 2033.
O Brasil também tem altos custos com o sistema de transportes, que, em sua maioria, se dá através de rodovias. Se tivéssemos mais ferrovias, com certeza teríamos menores custos. O petróleo também é cotado em dólar, então sobe na mesma proporção do café, porém, seu efeito é muito mais deletério, porque tudo aumenta com o encarecimento do serviço de transporte.
3. A lei kandir e a reforma tributária
Uma questão jurídica também merece atenção. Eu, particularmente, nunca tinha pensado sobre isso, mas, quando li o livro de Ladislau Dowbor sobre o capitalismo improdutivo, me dei conta do absurdo que é a lei kandir. A LC 87 é uma lei complementar brasileira que isenta o pagamento do ICMS - Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços para produtos destinados à exportação. Foi publicada em 1996 e entrou em vigor no mesmo ano.
É muito mais vantajoso para um produtor vender para o mercado externo do que vender dentro do próprio país. Não bastasse ser prevista na legislação infraconstitucional, também foi incluída no art. 155 da CF. A LC 214/25 prevê também no art. 8º: "São imunes ao IBS e à CBS as exportações de bens e de serviços, nos termos do Capítulo V deste Título". A natureza de proteção de imunidade para produtos destinados à exportação não tem nada de fundamental, como a proteção aos livros, aos partidos políticos e às entidades religiosas. A não ser que o capital agora também seja um direito fundamental...
Até considero importante ser estimulada a exportação, mas esse sistema gera um grande absurdo e injustiça. Nossos melhores produtos não são para o nosso povo, mas para o exterior. Os governos não têm como se proteger das altas de preços internacionais e variações cambiais. O estímulo à produção de bens não industrializados torna o Brasil a mesma colônia de exploração dos anos de 1500. E a reforma tributária favorece o setor extrativista e as monoculturas, que não podem ser confundidas com a agricultura familiar.
Então...
O café está caro, porque é melhor vender nossos melhores grãos para os estrangeiros, enquanto nosso povo bebe o café que sobra, misturado e torrado com paus e pedras. Já temos até o café fake... o que é absurdo no maior produtor de seus grãos do mundo. Mas não é só o café, a uva, a manga e todos os melhores produtos não são servidos em nossas mesas.
O fato do governo ter zerado o imposto de importação do café e outros produtos não terá muito efeito prático, porque não somos um país importador de alimentos e sim exportador. Enquanto não tivermos a acomodação do mercado externo e a baixa do dólar não teremos os preços razoáveis. Fora isso, as mudanças climáticas também impactam a oferta de alimentos no Brasil e no mundo.
O ovo é culpa de Gracyanne Barbosa e dos marombeiros, crossfiteiros e bodybiulders... É a lei da oferta e da procura.
Curiosidade: Os etíopes e os árabes disputam o café como criação suas. Acredito que o café seja etíope mesmo, mas foram os árabes que o trouxeram para a Península Ibérica e de lá para o novo mundo. O açúcar também. O melhor café do mundo é colombiano, mas o Brasil é o maior produtor.