A sociedade em conta de participação e a reforma tributária
A SCP, sem personalidade jurídica, tem benefícios fiscais, e a reforma tributária permite optar pelo regime regular, impactando sua tributação e a responsabilidade do sócio ostensivo.
quarta-feira, 19 de março de 2025
Atualizado às 14:52
A sociedade em conta de participação, entidade sem personalidade jurídica, se trata de um modelo societário relativamente pouco utilizado na prática comercial, mas que detém reais benefícios fiscais e tributários. Por meio dela, o sócio ostensivo exerce a atividade constitutiva em seu próprio nome e sob sua exclusiva responsabilidade (CC, art. 991, caput). Por outro lado, os sócios participantes investem na atividade e partilham dos resultados correspondentes.
Não a toa que CRUZ (2023, p. 359)1 denomina as sociedades em conta de participação como um "contrato especial de investimento". De fato, não há necessidade de registro de seus atos constitutivos em Junta Comercial (CC, art. 992) e, se houver, o registro no registro de títulos e documentos, não lhe confere personalidade jurídica (CC, art. 993).
Por isso, é considerado como um acordo societário interno enquanto que, no exercício da atividade, somente o sócio ostensivo pode tomar parte nas relações com terceiros.
A informalidade que rege o tipo societário leva ao entendimento de que, no regime atual, a sociedade em conta de participação, por não possuir personalidade jurídica, não pode ser contribuinte do ICMS e do ISS, não possuindo responsabilidade tributária (TRF-3 - AI: 50221364620214030000 SP, relator desembargador Federal LUIS ANTONIO JOHONSOM DI SALVO, Data de Julgamento: 24/6/22, 6ª turma, Data de Publicação: Intimação via sistema DATA: 27/6/22).
A IN 1700/17 da Receita Federal do Brasil, em seu art. 6º, §2º, estabelece ser de responsabilidade do sócio ostensivo a responsabilidade pela apuração dos resultados da SCP e pelo recolhimento do IRPJ e do CSLL devidos:
Art. 6º As sociedades em conta de participação (SCP) são equiparadas às pessoas jurídicas.
§1º Na apuração dos resultados da SCP e na tributação dos lucros apurados e dos distribuídos serão observadas as normas aplicáveis às pessoas jurídicas em geral.
§2º Compete ao sócio ostensivo a responsabilidade pela apuração dos resultados da SCP e pelo recolhimento do IRPJ e da CSLL devidos.
Inclusive, com base nesse raciocínio, a jurisprudência tem reconhecido a ilegitimidade ativa da sociedade em conta de participação para discutir tributos cujo recolhimento é de responsabilidade do sócio ostensivo:
PROCESSO CIVIL E TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. SOCIEDADE EM CONTA DE PARTICIPAÇÃO (SCP). RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA DO SÓCIO OSTENSIVO. ILEGITIMIDADE ATIVA DA SCP RECONHECIDA. APELAÇÃO NÃO PROVIDA. 1. A controvérsia dos autos diz respeito à possibilidade de inclusão da SCP-ESTANPLAZA INTERNATIONAL, enquanto sociedade em conta de participação, no polo ativo da presente demanda. 2. A esse respeito, prescreve que o art. 991 do Código Civil que a atividade social da sociedade em conta de participação é exercida exclusivamente pelo sócio ostensivo, sendo este o único responsável pela sociedade. 3. De outro lado, prescreve o art. 6º da Instrução Normativa RFB n.º 1700/17 que a responsabilidade pela apuração e recolhimento dos tributos e contribuições da SCP é unicamente do sócio ostensivo. 4 . Destarte, é nítido que apenas o sócio ostensivo possui legitimidade ativa para compor a demanda, não merecendo reforma a sentença. Precedentes desta Corte. 5. Apelação não provida.
(TRF-3 - ApCiv: 50075027820214036100 SP, Relator.: Desembargador Federal NERY DA COSTA JUNIOR, Data de Julgamento: 24/06/2024, 3ª Turma, Data de Publicação: Intimação via sistema DATA: 26/06/2024)
A reforma tributária, com a promulgação da LC 214/25, trouxe efetivas alterações no ordenamento jurídico-tributário no que concerne à SCP.
Dentre as suas alterações, além de se mencionar expressamente que a SCP não é contribuinte do IBS e da CBS (art. 26, inciso III, da LC 214/25), se instituiu uma espécie de faculdade de adoção do regime regular.
Com efeito, o art. 26, §1º, inciso I, e §4º contam com a seguinte redação:
Art. 26. Não são contribuintes do IBS e da CBS, ressalvado o disposto no inciso II do § 1º do art. 156-A da Constituição Federal:
III - sociedade em conta de participação;
§1º Poderão optar pelo regime regular do IBS e da CBS, observado o disposto no § 6º do art. 41 desta Lei Complementar:
I - as entidades sem personalidade jurídica de que tratam os incisos I a III do caput deste artigo;
§4º Caso a sociedade em conta de participação de que trata o inciso III do caput não exerça a opção pelo regime regular de que trata o § 1º deste artigo, o sócio ostensivo ficará obrigado ao pagamento do IBS e da CBS quanto às operações realizadas pela sociedade, vedada a exclusão de valores devidos a sócios participantes.
Optando-se pelo regime regular, a SCP passa a ser a única responsável tributária pelo recolhimento do IBS e da CBS das operações realizadas pela sociedade e, em nossa opinião, o entendimento igualmente pode ser estendido à apuração dos próprios resultados e pelo recolhimento do IRPJ e da CSLL.
Caso contrário, criar-se-ia uma espécie de bipartição de responsabilidade tributária e, consequentemente, de legitimidade ativa/passiva: (i) se, por um lado, a SCP passa a ser responsável pelo recolhimento do IBS e da CBS; (ii) por outro, não é responsável pelo recolhimento do IRPJ e da CSLL.
Esse entendimento parece violar a intenção do legislador de simplificar o regime jurídico-tributário.
As ramificações da inserção facultativa da SCP como responsável tributária vão muito além de simples formalidades fiscais, pois surgirão dúvidas quanto: (i) ao alcance dos bens particulares do sócio ostensivo pelas obrigações da SCP e necessidade de desconsideração da personalidade jurídica (a SCP é comparada a pessoa jurídica para fins tributários); (ii) alcance do patrimônio especial da sociedade (CC, art. 994) para adimplemento das obrigações tributárias.
O inverso, ou seja, responsabilização dos bens da SCP pelas obrigações pessoais do sócio ostensivo, também não pode ser admitido (daí advindo a vantagem de sua instituição).
Como leciona COELHO (2020)2:
Os bens empregados no desenvolvimento da empresa compõem um patrimônio especial. As obrigações pessoais do sócio ostensivo não relacionadas com a C/P não podem ser satisfeitas mediante execução de bens relacionados à C/P, exceto se o credor ignorava a existência da sociedade.
Não há dúvidas, entretanto, que a prática pode demonstrar que poucas SCPs adotarão o regime regular, uma vez que uma das características atrativas da SCP é a ausência de responsabilidade tributária do sócio participante.
Estabelecer-se que a própria sociedade figure como contribuinte do IBS e da CBS pode se mostrar como um desincentivo aos investidores.
Em conclusão, a escolha pela adoção do regime regular da IBS e do CBS depende de necessária e cuidadosa análise das particularidades do objeto social e da vontade dos sócios participantes e ostensivos pelos profissionais responsáveis, a fim de que as obrigações tributárias sejam ou não inclusas no plano de consecução da sociedade, evitando-se surpresas e, consequentemente, o esvaziamento do patrimônio da sociedade.
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1 CRUZ, Santa André. Manual de Direito Empresarial - Volume Único. 13. ed., rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Juspodvm, 2023.
2 Novo manual de direito comercial: direito de empresa / Fábio Ulhoa Coelho. atual. e ampl. - São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020.