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O grande mito do investimento governamental no agro: Quem realmente financia a produção rural no Brasil?

O Brasil enfrenta uma grande desigualdade no apoio governamental à agricultura, com subsídios baixos, forçando os produtores a dependerem de crédito privado.

quinta-feira, 20 de março de 2025

Atualizado em 19 de março de 2025 15:17

O desenvolvimento econômico e a estabilidade financeira de um país estão diretamente ligados à qualidade e à eficiência dos investimentos que ele recebe. Estudos da OCDE - Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico indicam que, além do aporte financeiro direto na agricultura, uma política bem estruturada é essencial para potencializar esse suporte.

Nesse contexto, o Apoio à Agricultura (SA - Support for Agriculture) desempenha um papel fundamental na manutenção do PIB - Produto Interno Bruto do Brasil em níveis competitivos. A estimativa de Suporte ao Produtor (PSE - Producer Support Estimate) é uma métrica relevante para avaliar os subsídios agrícolas concedidos por diferentes nações. No caso do Brasil, a análise dos investimentos governamentais deixa claro o impacto da agricultura na balança comercial do país, mas também evidencia a fragilidade do apoio estatal ao setor.

O agronegócio brasileiro é a locomotiva da economia nacional, garantindo não apenas o abastecimento interno, mas sustentando uma balança comercial superavitária. No entanto, enquanto se propaga a narrativa de que o setor é amplamente subsidiado pelo governo, a realidade é bem diferente: quem verdadeiramente financia a produção agrícola no Brasil são os próprios produtores e o crédito privado.

Os dados da OCDE - Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico revelam um panorama alarmante: o Brasil ocupa a última posição entre 20 países analisados no que se refere a subsídios governamentais para a agricultura. Enquanto países como Islândia (58%), Noruega (49%), Coreia do Sul (48%) e Japão (37%) destinam parcelas significativas de investimento ao setor agrícola, o Brasil direciona apenas 3% aos seus produtores rurais. Isso escancara a falta de apoio governamental e desmistifica a ideia de que o agro é sustentado pelo Estado.

Comparativo de investimentos no ano de 2021 - Dados fornecidos pela OCDE. OECD (2023), Agricultural support (indicator). doi: 10.1787/6ea85c58-en

Segundo dados da ANDAV - Associação Nacional dos Distribuidores de Insumos Agrícolas e Veterinários, 40% do financiamento do agro no Brasil provém de fornecedores de insumos, enquanto meros 7% são oriundos de bancos públicos. Para suprir essa lacuna, os produtores recorrem a instrumentos de mercado como a CPR - Cédula de Produtor Rural, as LCA - Letras de Crédito do Agronegócio, os CDCA - Certificados de Direitos Creditórios do Agronegócio, os CRA - Certificados de Recebíveis do Agronegócio e os Fiagros - Fundos de Investimento em Cadeias Agroindustriais, que sustentam o financiamento privado do setor.

Para compreender a magnitude desse cenário, basta observar os números. Uma única safra no Brasil custa, em média, R$ 1 trilhão. No entanto, o Plano Safra cobre apenas 25% desse montante, deixando o restante nas mãos dos próprios agricultores e de fontes privadas. O mercado de crédito rural movimenta cerca de R$ 700 bilhões por ano, sendo que apenas um terço desse valor vem de bancos públicos e privados. O restante é financiado diretamente por produtores capitalizados e pela indústria de insumos.

Além disso, como o agronegócio brasileiro se sustenta majoritariamente por meio do crédito privado, os produtores acabam se submetendo a taxas de juros elevadíssimas, que variam de 25% a 35% ao ano. Esse cenário de financiamento oneroso prejudica a competitividade do setor e impõe desafios adicionais para quem busca manter a produção ativa. Outro problema recorrente são as práticas abusivas, como a venda casada, em que produtores são forçados a adquirir produtos ou serviços adicionais como condição para a liberação do crédito. Essa distorção do mercado não só compromete a saúde financeira do produtor, como também amplia as dificuldades de acesso ao financiamento adequado.

Se já não bastasse essa disparidade e o baixíssimo nível percentual de suporte efetivo do governo à produção rural, a política agrícola mais importante da atualidade, que trata do subsídio e equalização da taxa de juros dos recursos obrigatórios destinados às operações de crédito rural (Plano Safra), tem sido enfraquecida nos últimos anos. As instituições responsáveis têm aniquilado os efeitos práticos dessas medidas, tornando ainda mais difícil o acesso ao crédito por parte dos produtores. No final do ano passado, apenas R$ 173,5 bilhões foram liberados do plano safra (de R$508,59 bilhões disponíveis) o que representou apenas 36,4% do total programado para o ciclo - uma redução de 25% em relação ao mesmo período da safra anterior. Além disso, o número de operações caiu 16,8%, e o valor médio por contrato sofreu uma queda de 9,8%.

Departamento Econômico da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de São Paulo (Faesp), com base em dados da Matriz de Dados do Crédito Rural do Banco Central do Brasil

O acesso ao crédito rural continua sendo um dos principais desafios do setor. Uma pesquisa realizada pela CNA - Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil e pelo Senar - Serviço Nacional de Aprendizagem Rural revelou que mais de 38% dos produtores rurais nunca contrataram crédito rural. Em 2020, apenas 26,6% conseguiram obter financiamento. Os principais entraves identificados na pesquisa foram:

  • Excesso de burocracia;
  • Garantias exigidas acima da capacidade dos produtores;
  • Demora excessiva na liberação do crédito;
  • Avaliação rigorosa da capacidade de endividamento.

Diante desses dados, não há mais espaço para a falsa narrativa de que o Brasil investe fortemente na sua agricultura. O país destina poucos recursos ao setor, e o pouco que oferece ainda vem acompanhado de obstáculos burocráticos e práticas abusivas que dificultam o acesso ao financiamento. O produtor rural, que deveria ser incentivado, é sufocado por juros exorbitantes, exigências descabidas e a constante imposição da venda casada.

A falta de investimentos estruturados e a onerosidade excessiva dos financiamentos comprometem não apenas a sustentabilidade da produção agrícola, mas também a estabilidade da economia nacional, visto que o agronegócio representa uma parcela significativa do PIB e da balança comercial brasileira. Se o Brasil quer se manter competitivo no cenário global, é urgente uma reformulação das políticas de financiamento agrícola.

A verdade é que o agro brasileiro se sustenta, na maior parte, por conta própria. O produtor rural é resiliente, mas até quando conseguirá carregar sozinho um setor que responde por quase 25% do PIB nacional? Se o governo quer se beneficiar dos frutos desse setor, está na hora de rever suas políticas de financiamento e oferecer um suporte digno aos verdadeiros protagonistas do campo.

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1 https://www.oecd.org/en/data/indicators/agricultural-financial-support.html?oecdcontrol-0c34c1bd70-var3=2023 (Acessado em: 27.fev.2025)

2 Comparativo de todos os países que recebe este investimento, 5 países delimitados em cores para visualização. OECD (2023), Agricultural support (indicator). doi: 10.1787/6ea85c58-en (Accessed on 25 October 2023). 

3 ESTADÃO SUMMIT AGRONEGÓCIO 2021. Revista da ANDAV em Ação, n. 22, 2022 (https://www.flipsnack.com/serifa/andav-em-a-o-20-hm8g8mj7t9/full-view.html) 

4 Departamento Econômico da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de São Paulo (Faesp), com base em dados da Matriz de Dados do Crédito Rural do Banco Central do Brasil  https://faespsenar.com.br/painel-de-indicadores/ 

5 CNA: estudo revela que mais de 38% dos produtores nunca contratou o crédito rural. Sociedade Nacional de Agricultura, 24 maio 2021. Disponível em: . Acesso em: 17 mar. 2025: https://sna.agr.br/cna-pesquisa-revela-que-mais-de-38-dos-produtores-nunca-contratou-o-credito-rural/ 

Jean Carlos Gonçalves de Brito

Jean Carlos Gonçalves de Brito

Estrategista de Marketing Jurídico - Escritório João Domingos Advogados.

Kamila Souza

Kamila Souza

Pesquisadora - Escritório João Domingos Advogados

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