Auxílio moradia para médicos residentes: Entenda seu direito
A matéria discute a obrigação das instituições de ensino em fornecer auxílio moradia a médicos residentes, destacando a decisão judicial favorável ao cumprimento desse direito.
quarta-feira, 19 de março de 2025
Atualizado às 14:52
Fui perguntado "qual é o entendimento jurídico então sobre a obrigação das instituições de ensino em fornecer moradia in natura para médicos residentes?".
Questão interessante. Fui pesquisar.
Descobri que esse direito a receber um auxílio moradia para médicos residentes foi criado por uma lei que já tem aí mais de 40 anos: a lei Federal 6.932, de 1981.
Essa lei estabeleceu, no inciso III do § 5º do art. 4º que as instituições que oferecem a residência médica são obrigadas a pagar uma bolsa mensal e também um auxílio moradia. Está lá nesse inciso terceiro.
A lei não diz que o exercício desse direito depende de regulamentação. Por se tratar de uma obrigação da instituição pagar o auxílio moradia ao médico residente, a instituição de ensino superior deve regulamentar o exercício deste direito para ter um procedimento formal que justifique juridicamente a concessão ou a negação do pagamento da quantia.
O fato é que a lei já criou esse direito e, portanto, a obrigação da instituição pagar o auxílio moradia.
Assim decidiu o Poder Judiciário de São Paulo, como foi noticiado no Migalhas.
No caso, o Poder Judiciário analisou um pedido de um médico residente, que já tinha concluído a sua residência, e que o autor não recebeu o auxílio moradia a que tinha direito.
Ele se viu obrigado a propor uma ação judicial, e nessa ação pediu o pagamento do auxílio moradia. Mas, considerando que a sua residência tinha se encerrado, pediu que esse pagamento fosse feito em pecúnia, como indenização por danos, porque ele pagou a sua moradia com recursos próprios.
O Poder Judiciário analisou o seu pedido e o julgou procedente; proferiu sentença e entendeu por reconhecer e tutelar o direito desse residente médico ser indenizado e receber a quantia, em montante próximo a R$ 40 mil.
Mas, a falta de uma regulamentação prévia para a concessão do auxílio moradia pode ser um argumento válido para a defesa da instituição de ensino superior?
A minha resposta é depende.
Reconhecer que esse argumento só serviu para justificar o ato administrativo que negou o não pagamento. Agora, esse mesmo argumento não serve ao Poder Judiciário.
Este é um caso típico de direito pré-existente, criado pela lei Federal 6.932/81. O exercício desse direito não está condicionado a uma regulamentação prévia, editada pela instituição de ensino superior que oferece a residência médica.
O direito a receber auxílio moradia não depende de um regulamento.
O que significa reconhecer que, por um lado, ainda que a instituição de ensino tenha uma justificativa administrativa que pode servir, por exemplo, como razão para apresentar do Tribunal de Contas, caso houvesse uma ação de controle.
Por causa do questionamento judicial desse residente, que tinha direito e recebeu a tutela judicial adequada, o argumento da falta de regulamento não "colou".
A ausência de regulamentação não pode impedir o exercício do direito.
Mas ao mesmo tempo, a regulamentação, no meu modo de ver, é necessária. Por quê?
Quando ocorrer o pagamento, a instituição de ensino terá lastro normativo para dizer como esse pagamento deve ser realizado, um procedimento administrativo claro, previamente regrado, em que se verificará o atendimento dos requisitos objetivos estipulados para que ocorra o deferimento do pedido de auxílio moradia.
Qual é o procedimento que cada um dos residentes deve observar para solicitar e receber ao final, no momento da da produção do ato administrativo que decide esse pedido, para que possam receber. A instituição teria legitimado - no sentido jurídico - a realização desta despesa e teria cumprido a sua obrigação. Por outro lado e simultaneamente, o médico residente teria o direito a receber a quantia.
Importante destacar o seguinte: se trata de dinheiro público, se é uma instituição de ensino que recebe recursos públicos para realizar a sua atividade educacional - mesmo as privadas - realizam uma função pública.
Que é a função de prover, de fornecer um serviço educacional, ainda que o recurso não seja público, trata-se como se fosse público. Então é basicamente assim, como nesta alegoria Carlos Ari Sundfeld, o Estado torna público tudo o que toca, como um Midas.
A ideia é que, se o Estado tocou, virou público; se virou público, tem um interesse coletivo ou vários interesses coletivos envolvidos na prestação desse serviço público educacional.
Então, o pagamento de auxílio moradia, precisa sim de regulamentação, mas só para que o pagamento, na via administrativa, numa relação direta entre o bolsista e a instituição de ensino, seja comprovável posteriormente para os órgãos de controle - interno e externo, este principalmente exercido pelo Tribunal de Contas.
Não dá para afirmar que "sem regulamentação, o direito não pode ser concretizado", porque isso viola o direito do médico residente. Mas parece que se faz necessário, até urgente, que a instituição de ensino produza esse regulamento, para que situações como essa não se repitam.
E se o médico morar na mesma cidade em que o curso é oferecido, isso poderia justificar o indeferimento do pedido de auxílio moradia?
No caso noticiado pelo Migalhas citado acima, como não havia regulamentação e a lei não estabeleceu o vínculo entre a regulamentação como requisito para a concessão do auxílio moradia, esse médico residente teve reconhecido pelo judiciário o seu direito a receber auxílio moradia.
Agora, numa outra hipótese, se a instituição de ensino editasse um regulamento e esse regulamento previsse que, para os médicos residentes que estabelecerem residência na mesma localidade da instituição, seria possível negar o pedido de auxílio moradia.
O regulamento serviria para isso: definir melhor como esse direito poderia ser realizado, segundo quais critérios e qual procedimento.
Em minha opinião jurídica, seria a única forma de a instituição dizer e utilizar esse argumento como defesa. Utilizar critérios bem específicos que não inibam a subjetividade, ou seja, que não permitam ao administrador exercer a sua voluntariedade, beneficiar alguém, propositalmente ou não, e também prejudicar outrem, propositalmente ou não.
Sem um regulamento, esse direito fica muito mais acessível, menos rigoroso aos médicos residentes e mais simples para o Poder Judiciário reconhecer a sua existência e condenar a Instituição ao pagamento.
É importante que a instituição tenha esse regulamento.