Usucapião familiar - Proteção da propriedade e dignidade social
A usucapião familiar, prevista na lei 12.424/11, permite que cônjuges ou companheiros abandonados adquiram a propriedade de imóveis urbanos, promovendo a moradia e proteção social.
quinta-feira, 20 de março de 2025
Atualizado em 19 de março de 2025 14:42
A usucapião familiar ou usucapião conjugal, prevista na lei 12.424/11, permite àquele que ocupar por 2 anos, de forma exclusiva e sem oposição, um imóvel urbano de até 250m², abandonado pelo ex-cônjuge ou ex-companheiro, adquira sua propriedade integral, desde que não possua outro imóvel.
O instituto se funda em 2 objetivos: salvaguardar o direito à moradia daquele cônjuge ou companheiro que permaneceu no imóvel; e proteger a família que foi abandonada. Foi pensado, também, para amparar mulheres em situação de vulnerabilidade financeira, sobretudo aquelas amparadas por programas sociais do Governo, tal como o Minha Casa Minha Vida, e que acabaram sendo abandonadas por seus parceiros conjugais, vindo a se tornar as únicas responsáveis pelas obrigações que deveriam ser compartilhadas.
Vale destacar que a separação de fato não é suficiente para caracterizar a perda da propriedade do bem imóvel por usucapião familiar, fazendo-se necessário que o ex-cônjuge ou ex-companheiro, de fato, tenha abandonado o lar e a família. Inobstante o quanto previsto na lei, a doutrina entende que por "abandono" deve se entender o abandono simultâneo do lar e da família.
Dito isto, se o cônjuge ou companheiro, embora ausente fisicamente do lar, continua prestando assistência material e/ou imaterial à família, por meio do pagamento dos alimentos eventualmente devidos, mantendo a convivência com os filhos e eventualmente contribuindo para o pagamento de tributos relativos ao imóvel, não haverá a configuração da usucapião familiar.
Além disto, não restará caracterizado abandono do lar quando (i) houver disputa, judicial ou extrajudicial, relativa ao imóvel; (ii) houver o afastamento do lar por conta de eventual medida protetiva da lei Maria da Penha; (iii) o ex-cônjuge ou ex-companheiro, que saiu da residência, continuar dando suporte material e/ou imaterial à família, mediante o pagamento de despesas da casa e manutenção do convívio com os filhos; e/ou (iv) caso, antes de decorridos os 2 anos exigidos pela lei, o cônjuge ou ex-companheiro que deixou o imóvel adote alguma medida de proteção do seu direito de propriedade, mediante, por exemplo, envio de notificação extrajudicial ou propositura de ação judicial.
Dentre os requisitos que viabilizam o exercício da usucapião familiar, podemos destacar que (i) a posse (a) precisa ser exercida, por aquele que ficou no imóvel, de forma exclusiva e sem interrupção, para seu uso próprio como moradia; (b) sem oposição do ex-cônjuge ou ex-companheiro, ou seja, não deve haver, antes de decorridos os 2 anos, qualquer manifestação extrajudicial ou judicial do parceiro conjugal que deixou o imóvel, no sentido de reivindicar qualquer dos direitos inerentes à propriedade; (ii) o ex-cônjuge ou ex-companheiro precisa ter permanecido no imóvel (localizado em área urbana e com metragem não superior a 250m²), por prazo mínimo de 2 anos e não pode ser proprietário de outro imóvel urbano ou rural.
Em relação à propriedade do imóvel, a usucapião familiar, para ser exercida, exige que ela seja compartilhada entre os ex-cônjuges ou ex-companheiros, ou seja, caso o bem imóvel pertença, exclusivamente, a um dos cônjuges, não será cabível a usucapião conjugal.
Em que pese os benefícios pretendidos pelo legislador, algumas particularidades precisam ser apontadas, as quais, devidamente corrigidas, abarcariam um rol mais amplo de benefícios, atendendo uma parcela maior da população, sobretudo aquela mais privada dos direitos básicos de moradia e dignidade social, são elas: (i) prazo de 2 anos para exercício da usucapião familiar é muito curto e substancialmente inferior às demais hipóteses legais de usucapião; (ii) sujeitam-se à usucapião conjugal apenas os imóveis urbanos, ficando de fora da proteção legal, portanto, os imóveis rurais, o que gera um impacto significativo em boa parcela carente da população; e (iii) exclusão do imóvel de propriedade exclusiva da proteção legal, cerceando direitos do ex-cônjuge ou ex-companheiro que permaneceu no imóvel.
Inobstante as lacunas que possam ser identificadas na lei 12.424/11, a usucapião familiar pretende promover uma condição de existência mais digna ao meio social, alcançando, sobretudo, aquela parcela da população mais carente, ao proteger a função social da propriedade, que busca diminuir as desigualdades sociais e econômicas e alcançar o interesse coletivo, e o direito constitucionalmente garantido à moradia, especialmente daquele proprietário que, por força da situação (saída do lar do ex-cônjuge ou ex-companheiro), está obrigado, de maneira exclusiva, a promover o bem estar de seus entes queridos, a despeito da reciprocidade que deveria haver entre eles, quanto aos deveres de assistência material (e.g. alimentos) e imaterial (e.g. apoio emocional e cuidado afetivo).

Samuel Souza Rodrigues
Advogado do escritório do Braga & Garbelotti