STJ define responsabilidade pela prova da exploração da pequena propriedade rural
O direito à proteção existe, mas precisa ser comprovado. E quem deseja garantir essa salvaguarda deve estar pronto para demonstrar que sua propriedade é, de fato, um meio de sustento familiar.
quarta-feira, 19 de março de 2025
Atualizado em 18 de março de 2025 13:11
Imagine um agricultor que, há anos, cultiva sua terra, tira dela o sustento da família e, de repente, se vê diante de uma execução judicial. Ele alega que sua propriedade não pode ser penhorada, pois se enquadra na proteção legal concedida às pequenas propriedades rurais. Mas será que essa alegação, por si só, basta? Ou ele precisa provar que realmente explora a terra para garantir essa proteção?
O STJ esclareceu essa questão no julgamento do Recurso Especial 2.080.023/MG, fixando um entendimento fundamental: cabe ao devedor comprovar que a sua propriedade rural é explorada pela família para que seja considerada impenhorável. Se essa comprovação não for feita, a penhora do imóvel pode ser mantida.
A legislação já previa que pequenas propriedades rurais, quando utilizadas para a subsistência da família, não poderiam ser penhoradas para pagamento de dívidas. No entanto, o Código de Processo Civil (artigo 833, VIII) não especificava quem deveria fornecer essa prova, o que gerava incertezas. Agora, o STJ pacificou o entendimento: quem alega o direito à impenhorabilidade precisa demonstrar que realmente explora a terra.
Esse requisito se soma a outro igualmente essencial. Não basta que o imóvel seja pequeno - ou seja, que tenha até quatro módulos fiscais, conforme a definição da lei 8.629/93. Ele precisa, de fato, ser utilizado para o sustento da família. E essa não é uma presunção automática. Documentos, registros de produção, notas fiscais e outros elementos que evidenciem a exploração agrícola familiar podem ser exigidos como prova.
Um ponto interessante desse julgamento foi a diferenciação entre a impenhorabilidade da pequena propriedade rural e a proteção conferida ao bem de família. No primeiro caso, o foco está na preservação da atividade produtiva, garantindo que a terra continue sendo um meio de sustento. Já no segundo, a proteção visa assegurar o direito à moradia, independentemente da fonte de renda da família.
Outro aspecto relevante é que a origem da dívida não influencia nessa proteção. Ou seja, mesmo que o débito não esteja diretamente ligado à atividade rural, a propriedade ainda pode ser impenhorável - desde que o devedor prove que ela se encaixa nos critérios legais.
Essa decisão traz reflexos tanto para os pequenos produtores quanto para os credores. Para os agricultores, reforça a necessidade de manter registros que comprovem o uso produtivo da terra. Para os credores, oferece mais segurança jurídica, ao estabelecer critérios objetivos para determinar quando a penhora pode ser efetivada.
No fim das contas, o recado do STJ é claro: o direito à proteção existe, mas precisa ser comprovado. E quem deseja garantir essa salvaguarda deve estar pronto para demonstrar que sua propriedade é, de fato, um meio de sustento familiar.
Rodrigo Linhares Orlandini
Advogado do escritório Martinelli Advogados. Especialista em Direito Empresarial pela Pontifícia Univ. Católica de Minas Gerais. Especialista em Direito Digital pela Escola Brasileira de Direito.