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Honorários de sucumbência e a teoria do proveito econômico igualitário

"Dois pesos e duas medidas, uns e outras são abomináveis ao Senhor." (Provérbios 20:10). No processo judicial, a isonomia deve prevalecer, evitando desigualdades na fixação dos honorários.

quarta-feira, 19 de março de 2025

Atualizado às 13:27

Como é princípio elementar da hermenêutica jurídica, a lei não contém palavras inúteis e, no que se refere ao art. 85 do CPC, sua interpretação não admite ambiguidades nem pode dar margem a ofensas à isonomia e à segurança jurídica.

Os honorários constituem um direito indissolúvel do advogado e têm natureza alimentar, gozando dos mesmos privilégios dos créditos oriundos da legislação do trabalho (§ 14 do art. 85). Mais do que uma contraprestação pelo serviço prestado, trata-se de um instituto essencial à preservação da advocacia como função indispensável à administração da justiça (art. 133 da CF), bem como à salvaguarda da dignidade e da subsistência dos advogados e de suas famílias.

A justa remuneração do trabalho do advogado com respaldo na legislação, além de assegurar a independência do profissional, reflete um imperativo de equidade e proporcionalidade, pois a valorização da advocacia está intrinsecamente ligada à efetivação do próprio Estado Democrático de Direito.

O dispositivo normativo em questão determina que a sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor, fixados entre o mínimo de 10% e o máximo de 20%. Para liquidação desses honorários, os percentuais incidirão sobre bases de cálculo bem delimitadas, obedecendo critérios em ordem preferencial e excludente entre si para sua definição. Tem-se, então, a seguinte ordem de preferência: 1º) o valor da condenação; 2º) o proveito econômico obtido pelo vencedor, quando for possível sua mensuração; e 3º) o valor atualizado da causa (§ 2º do art. 85).

Convém ressaltar que, nas causas em que a Fazenda Pública for parte, os critérios sofrem algumas modificações e os percentuais podem variar entre 1% e 20%, conforme o valor econômico envolvido na demanda (§ 3º do art. 85 do CPC).

O presente artigo se propõe a examinar uma das bases de cálculo que, com recorrente frequência, tem sido objeto de divergências interpretativas nos Tribunais, gerando um cenário de insegurança jurídica e comprometendo o princípio da paridade de tratamento entre os advogados. Tal controvérsia não apenas afeta a previsibilidade das decisões judiciais, comprometendo a proteção da confiança do jurisdicionado, mas também desafia a coerência sistêmica do ordenamento jurídico, exigindo uma abordagem que resguarde a equidade e a estabilidade das relações processuais. A abordagem se refere ao "proveito econômico obtido pelo vencedor".

Referida base de cálculo para liquidação dos honorários corresponde à vantagem ou benefício patrimonial efetivamente conquistado pela parte vencedora em uma demanda judicial, podendo ser expresso em dinheiro ou em bens passíveis de avaliação pecuniária. Representa um ganho financeiro concreto, resultante diretamente da decisão judicial favorável ao vencedor, seja pelo acréscimo patrimonial decorrente da obtenção de um crédito, seja pela extinção de uma obrigação que evita uma diminuição do patrimônio. Sua definição é intuitiva e decorre naturalmente da análise do impacto econômico gerado pela decisão.

Assim, o proveito econômico é a expressão exata do valor financeiro e mensurável do bem da vida em litígio. Corresponde ao benefício, direito ou vantagem concreta que a parte busca obter por meio do exercício de um direito subjetivo, seja promovendo uma ação judicial (autor), seja se defendendo em uma demanda (réu).

Em ações declaratórias ou constitutivas, embora não haja condenação em dinheiro, pode-se mensurar o proveito econômico com base no benefício financeiro que a decisão proporciona à parte vencedora. Nas ações de obrigação de fazer ou não fazer, o proveito econômico é avaliado pelo valor da obrigação cumprida ou extinta em decorrência da decisão judicial, sempre que for possível sua quantificação.

O processo judicial é regido por princípios que visam assegurar a justiça e a igualdade na solução dos conflitos. Entre esses princípios, destaca-se a necessidade de que o benefício obtido pelo vencedor da demanda seja proporcional ao risco assumido caso fosse vencido.

Essa lógica evita distorções que possam gerar enriquecimento sem causa, favorecimento indevido ou desestímulo ao acesso à justiça. Neste contexto, surge a teoria do proveito econômico igualitário, demonstrando sua importância no direito processual e necessária observância pelo Poder Judiciário.

A doutrina e a jurisprudência consolidaram o entendimento de que a igualdade jurídica consiste em garantir às pessoas que se encontram em situações equivalentes os mesmos direitos, prerrogativas e vantagens, com as respectivas obrigações correspondentes. Isso implica tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida de suas desigualdades, sempre com o objetivo de preservar o equilíbrio entre todos. Essa é a máxima expressão do princípio da igualdade consagrado no art. 5º da CF.

Neste ponto, impõe-se a delimitação da aplicação da teoria do proveito econômico igualitário, visto que sua incidência se restringe exclusivamente à quantificação da remuneração dos advogados, partindo-se da possibilidade de mensuração e liquidação do objeto principal da demanda obtido pelo autor ou pelo réu e já definido por decisão judicial.

Em outras palavras, originando-se da possibilidade de mensuração econômica do objeto litigioso - que constitui um direito ou uma obrigação - disputado em uma demanda judicial em que já se definiu um vencedor por sentença, seja autor ou seja réu, passa-se para uma segunda etapa, formada pela aplicação de uma metodologia contábil e/ou um critério de cálculo para liquidar o direito e/ou obrigação conquistados pelo vencedor, atribuindo a este direito um determinado valor financeiro.

Este valor financeiro definido será a representação exata do proveito econômico obtido pelo vencedor da demanda e servirá como base de cálculo para liquidação dos honorários advocatícios, impondo-se sua exata correlação de paridade entre vencedor e vencido e vice-versa. Consequência disso será a aplicação de método igualitário para apuração e liquidação da remuneração do advogado, esteja ele representando o autor ou o réu. Caso haja discrepância entre os resultados das remunerações a depender de qual parte foi vencedora da demanda ou de quaisquer outros fatores, estará violado o princípio da igualdade entre os advogados das adversas partes do processo.

O propósito da teoria é assegurar isonomia no tratamento dos direitos dos advogados à justa remuneração, resguardando a coerência sistêmica do ordenamento jurídico e promovendo a segurança jurídica e a previsibilidade das decisões judiciais à luz da legislação aplicável.

A teoria exerce impacto significativo, sobretudo em casos que envolvem quantias expressivas de honorários decorrentes da liquidação da obrigação e aferição do proveito econômico obtido pelo vencedor.

Como já mencionado, o proveito econômico obtido pelo vencedor somente será utilizado como base de cálculo dos honorários advocatícios quando for passível de mensuração.

A mensuração do proveito econômico, por sua vez, pode conferir ao magistrado um elevado grau de discricionariedade, ampliando o risco de insegurança jurídica e de imprevisibilidade na definição de uma questão que deve ser objetiva e juridicamente delimitada. Além disso, a ausência de critérios uniformes pode abrir margem para decisões marcadas por subjetivismos indevidos, suscitando preocupações acerca de favoritismo, predisposição ou influências de ordem econômica, social ou política, comprometendo a imparcialidade do juízo e a equidade na aplicação do Direito.

Isso ocorre porque, na fase de cumprimento de sentença quanto ao capítulo referente aos honorários, podem surgir divergências de entendimentos entre os advogados das partes acerca dos critérios de cálculo de liquidação da obrigação e consequente mensuração do proveito econômico, resultando em valores díspares quanto à real expressão econômica que efetivamente beneficiou o vencedor da demanda.

O advogado da parte vencida tende a adotar os critérios que melhor atendam aos interesses de seu cliente sucumbente, visando à redução da base de cálculo dos honorários e diminuição do prejuízo do seu representado. Por outro lado, o advogado do vencedor buscará o critério que resulte no maior valor possível do proveito econômico obtido por seu cliente, uma vez que isso refletirá diretamente na fixação de seus honorários.

No âmbito do Poder Judiciário, a liquidação de obrigações segue, basicamente, dois critérios distintos: a) Critério legal (judicial) - aplicado quando a obrigação não decorre de um contrato que preveja expressamente índices, obrigações acessórias de atualização e outras penalidades. Nesse caso, a liquidação se dá com base exclusivamente no que a lei determina, restringindo-se pela correção monetária, calculada a partir de um índice oficial de inflação, acrescida de juros moratórios à taxa legal; e b) Critério contratual - incide quando a obrigação tem origem em um contrato que estipule previamente índices de correção, encargos acessórios de atualização e penalidades pelo inadimplemento. Neste cenário, a liquidação da obrigação principal considera todos os acessórios pactuados pelas partes, tais como o índice de correção monetária, juros remuneratórios, juros moratórios e eventual multa convencional, de modo a refletir integralmente os termos ajustados na relação obrigacional, salvo se tais encargos forem declarados nulos ou revisados por decisão judicial.

A adoção de um ou outro critério tem implicações diretas na determinação do proveito econômico e impacta diretamente a liquidação dos honorários advocatícios, evidenciando a necessidade de se respeitar a natureza da obrigação e os limites normativos impostos pelo ordenamento jurídico.

Neste cenário, caberá exclusivamente ao magistrado, no exercício de sua ampla liberdade de convencimento, solucionar a questão controvertida e definir o valor que servirá como base de cálculo para a incidência dos honorários. Ou seja, estabelecer o critério de cálculo da liquidação da obrigação e mensuração do proveito econômico obtido pelo vencedor.

Acontece que, no nosso ordenamento jurídico a discricionariedade judicial na aplicação do direito encontra limites na própria legislação e pode ser adotada com cautela quando determinada norma apresenta conceitos indeterminados ou permite interpretações diversas.

Embora a discricionariedade seja reconhecida, ela não pode se confundir com arbitrariedade. O magistrado, no exercício de sua liberdade de convencimento, deverá assegurar às partes paridade de tratamento, imparcialidade e, acima de tudo, igualdade perante a lei como garantia constitucional indissoluvelmente ligada ao conceito de Estado Democrático de Direito.

Assim, a discricionariedade não pode gerar tratamento desigual sem justificativa plausível e fundamentada (art. 93, IX, da CF), sob pena de grave violação ao princípio constitucional da isonomia (art. 5º da CF).

Neste contexto, o princípio da igualdade, exposto no art. 5º da CF, traduz-se em norma de eficácia plena, cuja exigência de indefectível cumprimento independe de qualquer norma regulamentadora, assegurando a todos, indistintamente, independentemente de raça, cor, sexo, classe social, situação econômica, orientação sexual, convicções políticas e religiosas, não só, igualdade material ou substancial na própria lei, mas também e principalmente, igual tratamento perante a lei.

Este princípio atua em dois planos distintos: a) a igualdade material (igualdade na lei), "exigência destinada ao legislador, que, no processo de formação do ato legislativo, nele não poderá incluir fatores de discriminação responsáveis pela ruptura da ordem isonômica."1; e b) a igualdade formal (igualdade perante a lei), vista no âmbito da aplicação da lei em casos concretos. Isso significa respeito e aplicação imparcial da lei aos casos submetidos ao crivo do Poder Judiciário.

De acordo com a doutrina do ministro Alexandre de Moraes, a igualdade perante a lei:

Opera na obrigatoriedade ao intérprete, basicamente, a autoridade pública, de aplicar a lei e atos normativos de maneira igualitária, sem estabelecimento de diferenciações em razão de sexo, religião, convicções filosóficas ou políticas, raça, classe social. O intérprete não poderá aplicar as leis e atos normativos aos casos concretos de forma a criar ou aumentar desigualdades arbitrárias. Além disso, sempre em respeito ao princípio da igualdade, a legislação processual deverá estabelecer mecanismos de uniformização de jurisprudência a todos os tribunais.2

A teoria do proveito econômico igualitário surge exatamente a partir de uma análise minuciosa de princípios processuais e constitucionais e como desdobramento do princípio constitucional da igualdade formal.

Para que a isonomia formal entre os advogados das partes seja respeitada em sua essência, o magistrado, ao enfrentar questões controvertidas relacionadas aos critérios de liquidação da obrigação, mensuração do proveito econômico obtido pelo vencedor e correta e justa apuração dos honorários advocatícios, deve se fazer a seguinte reflexão: caso o vencedor fosse a parte vencida, a aferição do proveito econômico seguiria os mesmos critérios de liquidação? Os valores dos honorários advocatícios oriundos da mensuração do proveito econômico permaneceriam inalterados e idênticos, independentemente da inversão dos polos processuais ou de quaisquer outros fatores?

Se a resposta for afirmativa, a decisão que solucionar a controvérsia entre os critérios propostos pelos advogados das partes será justa, efetiva e devidamente fundamentada, garantindo-lhes paridade de tratamento perante a lei e igualdade irrestrita sobre o valor dos honorários.

Por outro lado, caso o valor apurado varie conforme os interesses das partes ou dos advogados, aliado a um elevado grau de discricionariedade do magistrado sem a devida fundamentação, a decisão será arbitrária, injusta e violará um princípio constitucional essencial ao Estado Democrático de Direito.

Como ilustração, é de se imaginar uma ação proposta em 10/2/00 para cobrar uma dívida certa e exigível proveniente de um contrato. Os contratantes pactuaram que, em caso de inadimplência, incidiria, além da correção monetária pelo IPCA e dos juros remuneratórios de 1% ao mês, os juros moratórios de 1,5% ao mês e a multa convencional de 10% sobre o montante total apurado. A dívida, no momento de ajuizamento da ação era de R$ 50.000,00, corrigida com os critérios estabelecidos no contrato.

Já em 2023, o autor (credor), intimado pessoalmente a promover os atos e diligências que lhe incumbiam, abandona a causa por mais de 30 dias. Em 10/2/24, sobrevém sentença extinguindo o processo e, consequentemente, a dívida. O magistrado, ao proferir a decisão, fixa os honorários de sucumbência em 10% sobre o proveito econômico obtido pelo réu (devedor - vencedor), em favor de seu advogado.

Com o trânsito em julgado da decisão, o advogado do réu (vencedor) inicia a fase de cumprimento de sentença para cobrar seus honorários. Para tanto, apresenta demonstrativo discriminado e atualizado da dívida, considerando no cálculo de liquidação todos os acessórios pactuados no contrato (critério contratual). O advogado entende que o proveito econômico obtido pelo vencedor (réu) é o real montante financeiro que seu cliente deixou de responder com seu patrimônio para quitar a obrigação anteriormente assumida perante o autor (vencido).

De acordo com o seu demonstrativo, a liquidação da dívida e consequente mensuração do proveito econômico, nos moldes analisados, resultaria em R$ 1.919.158,34 (valor corrigido = 212.767,00; juros remuneratórios = 612.768,34; juros moratórios = 919.153,44; multa = 174.468,94; data base 10/2/00; data de liquidação 10/2/24).

Os honorários de sucumbência, de acordo com o advogado do réu (vencedor), resultariam em R$ 191.915,83 (10% de R$ 1.919.158,34).

Por outro lado, o advogado do autor (vencido), buscando minimizar o prejuízo de seu cliente, apresenta impugnação ao cumprimento de sentença alegando excesso de execução. Para tanto, apresenta demonstrativo discriminado e atualizado da dívida, adotando, contudo, o critério legal, limitado à correção monetária (IPCA) e aos juros à taxa legal (1% ao mês).

Neste contexto, sustenta a tese de que, após o ajuizamento da ação, deve prevalecer o critério legal para a liquidação das dívidas. Argumenta, assim, que essa metodologia refletiria com maior precisão o proveito econômico efetivamente obtido pelo vencedor (réu).

O seu demonstrativo liquidou a dívida e mensurou o proveito econômico em R$ 787.237,90 (valor corrigido = 212.767,00; juros de mora à taxa legal = 574.470,90; data base 10/2/00; data de liquidação 10/2/24).

Os honorários de sucumbência, de acordo com o advogado do autor (vencido), resultariam em R$ 78.723,79 (10% de R$ 787.237,90).

Diante da controvérsia sobre o montante de R$ 113.192,04 (diferença entre R$ 191.915,83 e R$ 78.723,79), submetida à apreciação e julgamento pelo magistrado, mostra-se essencial a aplicação da teoria do proveito econômico igualitário.

Neste panorama, impõe-se a reflexão já mencionada: caso o autor (credor) fosse o vencedor na demanda judicial, qual critério teria sido adotado por seu advogado para liquidar a dívida, mensurar o proveito econômico obtido por seu cliente e calcular seus honorários? O advogado manteria o critério legal ou passaria a adotar o critério contratual?

Se a dívida foi exigida com base no contrato e o autor buscou sua satisfação por meio do Judiciário, obtendo sentença favorável ao seu pleito, o critério de liquidação da obrigação e mensuração do proveito econômico deve ser aquele pactuado entre as partes no instrumento.

Da mesma forma, se a dívida exigida com base no contrato foi extinta judicialmente, exonerando o réu da obrigação de responder com seu patrimônio pela totalidade do montante cobrado, o critério de liquidação da obrigação e mensuração do proveito econômico igualmente deve ser o pactuado contratualmente.

No presente exemplo ilustrativo, o proveito econômico obtido deve refletir a vantagem real auferida pela parte vencedora, seja ela o autor (credor) ou o réu (devedor) e deve resultar no mesmo valor financeiro para qualquer das partes, consolidando a teoria do proveito econômico igualitário.

Na hipótese em análise, o entendimento decorre da aplicação direta da lei em observância aos arts. 389, parágrafo único, 406, 408 e 409 do CC. Esses dispositivos estabelecem que, salvo disposição contratual em sentido contrário, incidirão apenas correção monetária e juros de mora à taxa legal (critério legal). No exemplo em exame, como as partes pactuaram obrigações acessórias (correção monetária, juros remuneratórios e moratórios e multa), a liquidação deve seguir o critério contratual.

Em regra, as dívidas cobradas judicialmente são atualizadas de acordo com as estipulações contratuais livremente pactuadas pelas partes, em estrita observância aos arts. 389, 406, 408 e 409 do CC, salvo se alguma cláusula ou obrigação acessória forem declaradas nulas ou revisadas por decisão judicial.

O critério legal atua de forma subsidiária, como verdadeiro "soldado de reserva", sendo aplicado apenas na ausência de estipulação contratual sobre as obrigações acessórias de um contrato.

Assim, a existência de obrigações acessórias pactuadas pelas partes em contrato - tais como índices de correção, juros remuneratórios e moratórios, penalidades pelo inadimplemento, e demais encargos - impede que o magistrado prossiga com a sua análise a fim de investigar eventual utilização do critério legal para atualização da dívida, porque a subsunção da norma ao fato já se terá esgotado.

Neste mesmo sentido é o entendimento do STJ que, interpretando as normas do direito obrigacional, impede a eliminação das obrigações acessórias no cálculo de liquidação de uma dívida cobrada judicialmente. (REsp 2.069.868/SP, relator ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 8/8/23, DJe de 15/8/23.)

O Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios segue o mesmo entendimento ao interpretar a lei aplicável à matéria, consignando que "por ausência de especificação diversa no título a respeito do valor dos juros de mora, incide o disposto no art. 406 do CC...". (Acórdão 1786753, 0706301-47.2023.8.07.0000, Relator(a): ANA CANTARINO, 5ª turma cível, data de julgamento: 16/11/23, publicado no DJe: 29/11/23.)

Neste exemplo, ao se adotar a teoria do proveito econômico igualitário, os honorários devidos pelo vencido devem ser julgados definitivamente em R$ 191.915,83, afastando o alegado excesso de execução. Isso porque a liquidação da dívida e a mensuração do benefício econômico auferido pelo vencedor devem ser realizadas com base no critério contratual.

Outra ilustração é a cobrança de uma dívida respaldada em contrato que não estipula obrigações acessórias para o inadimplemento, tampouco convenciona índices de correção monetária ou taxas de juros para remuneração do capital.

Nesse caso, aplicam-se igualmente os arts. 389 e 406 do CC, que estabelecem que, salvo disposição contratual em sentido contrário (convenção dos contratantes), incidirão apenas correção monetária e juros à taxa legal, adotando-se, portanto, o critério legal.

Assim, seja o vencedor o autor ou o réu, a liquidação da dívida e a mensuração do proveito econômico obtido devem seguir o critério legal.

Mantendo os dados do caso anterior, a liquidação da dívida e a aferição do proveito econômico resultaria no montante de R$ 787.237,90, composto por R$ 212.767,00 (valor corrigido) e R$ 574.470,90 (juros à taxa legal), considerando a data-base de 10/2/00 e a data de liquidação em 10/2/24.

Aplicando-se a teoria do proveito econômico igualitário, os honorários de sucumbência, fossem para o advogado do autor ou do réu, corresponderiam a R$ 78.723,79, equivalente a 10% do proveito econômico apurado, mantendo-se, novamente a paridade de tratamento referente aos honorários.

Nota-se que o legislador, tanto na elaboração da norma civil (arts. 389, 406, 408 e 409 do CC) quanto na edição da legislação processual (art. 85 do CPC), não instituiu qualquer distinção ou discriminação entre os sujeitos de direito. A mesma regra que se aplica a uma hipótese, em que o autor é o vencedor, deve ser igualmente observada quando o réu obtém êxito na demanda. Desta maneira, resta legitimada a igualdade material (igualdade na lei).

O que não pode ser admitido pelo ordenamento jurídico é a utilização do livre convencimento do magistrado com ampla discricionariedade para adotar critérios distintos de liquidação da obrigação, mensuração do proveito econômico e interferências inadequadas nos honorários advocatícios, a depender da parte vencedora na demanda e de seus advogados ou de quaisquer outros fatores injustificáveis e sem respaldo legal.

No primeiro exemplo, não seria admissível que o magistrado julgasse procedente a alegação de excesso de execução, adotando o critério legal para a liquidação da dívida, aferição do proveito econômico obtido pelo réu (vencedor) e definição dos honorários advocatícios, enquanto, se o autor fosse o vencedor e por motivos injustificados, optasse por adotar o critério contratual.

Tal comportamento frustraria a aplicação da teoria do proveito econômico igualitário e violaria o princípio constitucional da igualdade formal (igualdade perante a lei), previsto no art. 5º da CF.

Não se apresenta justo, legal e razoável a utilização de um ou outro critério por motivos injustificáveis e sem base legal a depender de fatores externos e arbitrários. A aplicação da lei, observando se as partes pactuaram ou não índices de correção, taxas de juros e demais acessórios, é que se impõe para determinação do critério adequado de liquidação e mensuração do proveito econômico, alcançando, desta forma, a isonomia de tratamentos entre os advogados. O critério válido para quantificar os honorários de um advogado (do réu), obrigatoriamente deve valer para determinar os honorários do outro (do autor).

Vale destacar que a nenhum magistrado é dado se utilizar de dois pesos ou duas medidas para julgar ou tratar situações semelhantes, aplicando critérios distintos para casos que deveriam ser avaliados com a mesma imparcialidade. Em outras palavras, a falta de uniformidade na aplicação de regras pode gerar injustiça, insegurança jurídica e favorecimento indevido.

Aliás, este princípio da equidade e da justa medida vigora há milênios. No quinto livro da Bíblia, Deuteronômio, cuja autoria é tradicionalmente atribuída a Moisés, encontra-se no capítulo 25, versículos 13 a 15, a seguinte prescrição:

Na tua bolsa, não terás pesos diversos, um grande e um pequeno. Na tua casa, não terás dois tipos de efa, um grande e um pequeno. Peso inteiro e justo terás; efa inteiro e justo terás; para que se prolonguem os teus dias na terra que te dará o Senhor, teu Deus.

No livro de Provérbios, capítulo 20, versículo 10, reafirma-se essa condenação à disparidade de critérios:

Dois pesos diferentes e duas espécies de medida são abominação ao Senhor, tanto um como outro.

Da mesma forma, no livro Levítico, capítulo 19, versículos 35 a 37, encontra-se o seguinte mandamento:

Não cometereis injustiça no juízo, nem na vara, nem no peso, nem na medida. Balanças justas, pesos justos, efa justo, e justo him tereis. Eu sou o Senhor vosso Deus, que vos tirei da terra do Egito. Pelo que guardareis todos os meus estatutos, e todos os meus juízos, e os cumprireis.

A norma da justa equivalência, portanto, transcende ordenamentos jurídicos modernos e se revela um ideal perene da justiça, presente desde as mais antigas codificações morais e normativas da humanidade. Seu valor não se restringe a um contexto religioso, mas, permeia o desenvolvimento das instituições jurídicas ao longo da história, resguardando a integridade dos sistemas normativos e a igualdade entre aqueles que a eles se submetem.

Por fim, a igualdade formal entre os advogados constitui um dos pilares estruturantes do direito processual. A adoção de critérios desiguais na aferição do proveito econômico obtido pelo vencedor para fins de valoração dos honorários advocatícios, não apenas compromete a segurança jurídica, mas, pode gerar tratamento privilegiado a um dos advogados das partes, violando o princípio da isonomia (art. 5º da CF).

O princípio da proporcionalidade, por sua vez, exige que haja um equilíbrio racional entre os meios e os fins da decisão judicial. Se um litigante puder obter uma vantagem desproporcional ao risco assumido na demanda, haverá um descompasso na relação processual, ferindo a coerência lógica e a paridade de tratamentos. Não é razoável, tampouco isonômico, que critérios distintos sejam aplicados sem uma justificativa juridicamente sustentável, sob pena de comprometer a imparcialidade do julgador e a previsibilidade das decisões.

No plano do Direito Material, o CC veda expressamente que qualquer das partes obtenha vantagem indevida sem fundamento jurídico. Assim, a assimetria na aferição do proveito econômico obtido em uma ação judicial pode configurar hipótese de enriquecimento sem causa (art. 884 do CC), atentando contra a moralidade e a ética das relações processuais.

Cumpre destacar que toda essa análise se restringe ao direito dos advogados à justa remuneração pelo labor exercido, reafirmando a necessidade de isonomia e uniformidade no tratamento dentro da própria classe profissional. A remuneração do advogado não pode estar sujeita a oscilações arbitrárias que dependam unicamente da subjetividade do magistrado, pois isso comprometeria a estabilidade das relações processuais e a própria dignidade da advocacia.

A adoção de critérios diferenciados para a aferição dos honorários advocatícios, sem base legal e ao mero arbítrio judicial, afronta não apenas a equidade remuneratória, mas também a coerência sistêmica do ordenamento jurídico. A atividade jurisdicional deve respeitar os limites normativos impostos pelo legislador, sendo vedada a imposição de critérios que gerem distorções incompatíveis com os princípios da isonomia, segurança jurídica, proteção da confiança, previsibilidade das decisões e boa-fé objetiva.

Além disso, não se pode perder de vista que a sucumbência processual desempenha um papel essencial na racionalização do uso do aparelho judiciário, servindo como instrumento regulador da litigiosidade e mecanismo de dissuasão contra demandas temerárias. O correto delineamento dessas sistemática não apenas assegura a justa compensação ao advogado, mas também preserva a funcionalidade, a eficiência e a legitimidade do sistema de justiça, garantindo que as decisões judiciais observem critérios objetivos e imparciais, em plena conformidade com o Estado Democrático de Direito.

__________

1 STF, 2ª T. AI 360.461 AgR. Rel. Min. Celso de Mello. DJU 28.03.2008.

2 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 36. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Atlas, 2020. p. 37

Abílio Veloso de Araújo

VIP Abílio Veloso de Araújo

Advogado, LL.M em Direito Societário (FGV), Pós-graduado Lato Sensu MBA em Direito Civil e Processual Civil (FGV), Membro da Comissão de Revisão do Estatuto da ABRACAF.

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