Glosa médica e descumprimento contratual - Quando a judicialização se torna necessária
A glosa médica ocorre quando um plano de saúde nega indevidamente o pagamento de um procedimento já autorizado, prejudicando financeiramente o médico. Essa prática configura descumprimento contratual, sendo passível de cobrança judicial.
terça-feira, 18 de março de 2025
Atualizado em 17 de março de 2025 14:31
A glosa médica é um problema recorrente enfrentado por profissionais da saúde que prestam serviços para operadoras de planos de saúde. Mesmo após a autorização prévia de um procedimento, médicos são frequentemente surpreendidos pela negativa de pagamento sob justificativas genéricas ou inconsistentes. Esse cenário configura uma clara violação contratual, prejudicando financeiramente os profissionais e criando um ambiente de insegurança jurídica no setor.
As operadoras de planos de saúde, sob a regulação da ANS - Agência Nacional de Saúde Suplementar, possuem a obrigação de garantir a contraprestação financeira pelos serviços autorizados e efetivamente prestados. No entanto, a prática abusiva das glosas se tornou um mecanismo de controle de custos, impactando diretamente os médicos que dependem desses valores para manter suas atividades.
Diante desse cenário, a via judicial surge como uma ferramenta essencial para garantir o pagamento dos honorários devidos. A legislação brasileira e a jurisprudência consolidada dos tribunais reconhecem que a negativa injustificada de pagamento fere os princípios da boa-fé contratual e configura enriquecimento ilícito da operadora.
Este artigo analisará os aspectos jurídicos da glosa médica, explicando:
- Se um plano de saúde pode negar pagamento após a autorização do procedimento;
- Como os médicos podem cobrar judicialmente os valores glosados;
- Quais são os fundamentos jurídicos e precedentes jurisprudenciais favoráveis;
- Medidas preventivas para reduzir o risco de glosas e proteger os direitos do profissional.
A judicialização não é apenas um direito do médico, mas uma necessidade frente ao descumprimento contratual imposto pelas operadoras. Ao compreender os fundamentos jurídicos do tema, os profissionais da saúde podem se posicionar de forma mais segura e assertiva na defesa de seus honorários.
Mas o plano de saúde pode negar o pagamento após a autorização do procedimento?
Uma das principais alegações utilizadas pelos planos de saúde para justificar glosas médicas é a de que o procedimento realizado não era necessário, adequado ou está incluído em outro código de faturamento. No entanto, essa justificativa não pode ser utilizada indiscriminadamente, especialmente quando o procedimento já havia sido autorizado previamente pela operadora.
1. A autorização vinculante e a boa-fé contratual
No momento em que um plano de saúde autoriza expressamente um procedimento, ele assume a obrigação contratual de arcar com os custos daquele atendimento. A autorização funciona como um compromisso formal, vinculando a operadora ao pagamento dos serviços prestados.
O Código Civil estabelece princípios fundamentais que reforçam essa obrigação:
- Princípio da boa-fé contratual (art. 422 do Código Civil) - Obriga as partes a cumprirem os contratos de maneira leal e transparente, sem criar obstáculos artificiais para o cumprimento da obrigação.
- Função social do contrato (art. 421 do Código Civil) - O contrato deve preservar o equilíbrio entre as partes, impedindo que uma delas obtenha vantagens indevidas.
- Vedação ao enriquecimento ilícito (art. 884 do Código Civil) - Se o plano de saúde permitiu a realização do procedimento e posteriormente se recusa a pagar, ele obtém um benefício indevido, às custas do profissional da saúde.
2. Regulamentação da ANS e o dever de pagamento
A ANS - Agência Nacional de Saúde Suplementar, responsável por regulamentar os planos de saúde, estabelece que a operadora tem o dever de cobrir procedimentos incluídos no rol de procedimentos obrigatórios. A negativa de pagamento após a autorização pode configurar prática abusiva, passível de sanção.
Além disso, a própria jurisprudência tem consolidado o entendimento de que os planos de saúde não podem se recusar a pagar serviços previamente autorizados, sob pena de infringirem as normas contratuais e regulatórias do setor.
3. Quando a negativa de pagamento pode ser legítima?
Embora a regra geral seja a obrigação de pagamento após a autorização, há situações excepcionais em que a negativa pode ser justificada, tais como:
- Erro material na guia de faturamento (exemplo: erro de código ou duplicidade de cobrança);
- Cobrança indevida de procedimentos que não foram efetivamente realizados;
- Divergência entre o procedimento autorizado e o que foi realizado, sem justificativa médica.
No entanto, mesmo nesses casos, a operadora deve permitir a regularização da cobrança dentro dos prazos estipulados para contestação da glosa.
Conclusão
A operadora de plano de saúde não pode negar o pagamento de um procedimento apenas por conveniência administrativa. Se o procedimento foi autorizado e efetivamente prestado, a negativa de pagamento se torna ilegal, sujeitando a operadora à obrigação de indenizar o médico pelo valor devido, acrescido de juros e correção monetária.
Caso o profissional enfrente glosas indevidas, ele pode recorrer administrativamente e, se necessário, buscar a via judicial para exigir o cumprimento da obrigação contratual.
João Vítor de Oliveira Silva
Sócio do RS Advocacia Empresarial. Formado PUC-SP. Especialista em Direito Médico e responsável pelas áreas de saúde, tributário e contencioso cível.