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Saúde e segurança no trabalho da mineração no contexto da transição energética justa

O seminário "Direitos Humanos e Empresas" debateu desafios da transição energética justa, destacando aposentadoria especial e proteção térmica para mineradores.

terça-feira, 18 de março de 2025

Atualizado em 17 de março de 2025 15:49

Introdução

Nos dias 11 e 12 de março de 2025, a CUT - Central Única dos Trabalhadores, o Dieese - Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos e a FES - Fundação Friederich Ebert, realizaram em Aracajú - SE o Seminário Direitos Humanos e Empresas: Trabalhadores em Mineração no Nordeste no Contexto da Transição Energética.

A iniciativa foi fundamental para pensar os desafios da transição energética justa na promoção do trabalho decente. Segundo a OIT - Organização Internacional do Trabalho, um aspecto fundamental do conceito de trabalho decente é a proteção social, isto é, a necessidade de garantias de condições adequadas de segurança e bem-estar no trabalho, incluindo previdência social, saúde ocupacional e proteção contra riscos no trabalho.

Essa questão é tão central que, em 2022, a OIT emendou a Declaração sobre Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho, de 1998, para incluir o direito a um ambiente de trabalho seguro e saudável como um direito fundamental dos trabalhadores.

No ano seguinte, em 2023, a OIT aprovou Resolução com "Conclusões relativas a uma transição justa para economias e sociedades ambientalmente sustentáveis para todos". No texto aprovado de forma tripartite a transição justa é compreendida de forma indissociável dos objetivos de se alcançar a justiça social, o trabalho decente e a erradicação da pobreza.

Portanto, é imprescindível que os investimentos e políticas públicas implementadas no contexto da transição energética estejam em consonância com um arcabouço jurídico de proteção da saúde e segurança dos trabalhadores. Esse artigo traz dois elementos centrais discutidos no Seminário dos dias 11 e 12 de março de 2025 relacionados com a proteção dos trabalhadores da mineração: a aposentadoria especial e o intervalo para recuperação térmica.

1. Aposentadoria especial para trabalhadores em extração de minerais

A aposentadoria especial para trabalhadores em extração de minerais é um direito garantido pela legislação previdenciária em razão dos agentes nocivos inerentes à atividade, nos termos do artigo 57, da lei 8.213/1991 e do anexo II do decreto 3.048/1999. Esse direito busca proteger a saúde e segurança dos trabalhadores, pois a exposição prolongada a esses agentes pode ocasionar doenças ocupacionais graves. Todavia, esse direito vem sendo duramente atacado, o que coloca em risco os objetivos de uma transição energética justa.

De fato, antes da EC 103/19 (reforma da previdência), bastava cumprir o período de 15, 20 ou 25 anos de trabalho continuo com exposição a agentes nocivos para adquirir o direito à aposentadoria especial. Posteriormente, foi imposto o requisito de idade mínima de 55, 58 ou 60 anos, dependendo do grau de exposição, dificultando o acesso ao benefício.

CNTI - Confederação Nacional dos Trabalhadores na Indústria ajuizou a Ação Direta de Inconstitucionalidade ADIn 6.309, questionando a constitucionalidade da exigência da idade mínima para aposentadoria especial. Isto porque, a nova regra viola os direitos constitucionais à redução dos riscos inerentes ao trabalho e à previdência, tornando o direito à aposentadoria especial ineficaz. Até porque, ainda que cumprido o tempo de contribuição para a aposentadoria especial, ainda restaria a necessidade de cumprimento da idade mínima, o que implicaria a necessidade desse trabalhador continuar exposto a agentes nocivos.

O julgamento da ADIn 6.309 iniciou em março de 2023, com votos favoráveis aos trabalhadores do Ministro Edson Fachin e da Ministra Rosa Weber e desfavoráveis dos Ministros Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso. Em maio de 2024, o Ministro Alexandre de Moraes pediu vistas e o julgamento foi suspenso.

Por sua vez, a ADIn 7.773, proposta pela CNI - Confederação Nacional da Indústria, sustenta ser inconstitucional a obrigatoriedade de pagar a contribuição adicional para o financiamento da aposentadoria especial, sob o argumento de que a utilização de EPIs - Equipamentos de Proteção Individual poderia eliminar os agentes nocivos e o direito à aposentadoria especial. A CNI argumenta que o Tema de repercussão geral 555 do STF, que estabelece que o direito à aposentadoria especial aos trabalhadores expostos a agentes nocivos, vem sendo aplicado de forma generalizada, especialmente nos casos de exposição a ruído, sem considerar os avanços tecnológicos dos EPIs.

A CUT entrou como amiga da corte na ADIn 7.773, com o objetivo de garantir a continuidade da contribuição adicional, pois sua manutenção é essencial para assegurar a efetividade da proteção previdenciária para os trabalhadores que atuam com agentes nocivos e sua retirada desestimularia a adoção de medidas efetivas de proteção ao meio ambiente de trabalho.

A restrição ao direito à aposentadoria especial imposta pela reforma da previdência e o questionamento judicial sobre a obrigatoriedade da contribuição adicional para esse benefício criam um cenário de incerteza para os trabalhadores da mineração. A exigência da idade mínima, ao retardar o acesso à aposentadoria, expõe ainda mais esses profissionais aos riscos inerentes à atividade, comprometendo sua saúde e segurança.

No contexto da transição energética justa, a garantia de aposentadoria especial para trabalhadores em minas expostos aos agentes nocivos é essencial, pois reconhece os impactos da atividade sobre a saúde e assegura a reposição da força de trabalho de forma sustentável. Sem uma política previdenciária adequada, a transição ocorrerá às custas da saúde e segurança dos trabalhadores, tornando-se injusta e incompatível com os princípios estabelecidos pela OIT de trabalho decente.

2. Intervalo para recuperação térmica e exposição ao calor

Em 9 de dezembro de 2019, também durante o governo Bolsonaro, foi publicada pelo Ministério da Economia a Portaria SEPRT nº 1.359/2019, que modificou o Anexo 3 da NR-15, norma que trata da insalubridade e estabelece os limites de tolerância para exposição ao calor no ambiente de trabalho.

Antes da mudança, o anexo 3 incluía regras que permitiam que trabalhadores expostos a calor excessivo pudessem ter intervalos de recuperação térmica para reduzir os riscos à saúde. Essas pausas eram regulamentadas com base em tabelas que consideravam a intensidade do trabalho (leve, moderado ou pesado), a duração da exposição ao calor e o regime de pausas, conforme os limites de tolerância estabelecidos. Vejamos o quadro n.º 1 do Anexo 3 da NR 15, antes das alterações:

Tabela

Descrição gerada automaticamente

Como se observa, a atividade pesada (como é o caso da mineração) somada a um índice de exposição ao calor entre 28 e 30 (chamado IBUTG - Índice de Bulbo Úmido Termômetro de Globo), dava o direito a um intervalo de recuperação térmica de 45 minutos a cada 15 minutos trabalhados. 

Com a nova redação da norma, esse quadro foi excluído. A Portaria substituiu o intervalo de recuperação térmica por um modelo baseado exclusivamente no IBUTG no ambiente de trabalho. Assim, apesar do reconhecimento da insalubridade com relação à exposição ao calor excessivo ter sido mantida, não há a mais previsão obrigatória de pausas para recuperação térmica conforme previamente estabelecido.

Decisões do TST reconheceram o direito ao pagamento de horas extras pela não concessão da pausa para recuperação térmica, porém as condenações limitam o direito dos trabalhadores apenas até a data de edição da portaria SEPRT 1.359/191.

Outra mudança adotada pela portaria SEPRT 1.359/19 foi a exclusão dos trabalhadores a céu aberto do anexo 3 da NR-15.  Com a inserção do item 1.1.1. no corpo do anexo, a norma passou a considerar apenas os ambientes fechados ou com fonte artificial de calor, excluindo a exposição ao calor natural (como o sol) da caracterização de insalubridade.

Essa exclusão desconsidera o fato de que o calor natural pode ser tão prejudicial quanto o calor artificial, dependendo da intensidade e da duração da exposição, notadamente no contexto das mudanças climáticas. O TST reconhece o direito ao adicional de insalubridade ao trabalhador em atividade a céu aberto, nos termos da Orientação Jurisprudencial n.º 173, da Seção I Especializada em Dissídios Individuais. Porém, a alteração do Anexo 3 da NR 15 coloca em risco essa evolução em termos de proteção aos trabalhadores.

Diante das críticas e da necessidade de maior proteção, em 2024 o governo Lula publicou uma AIR - Análise de Impacto Regulatório2 para avaliar os efeitos de ampliar o conceito de insalubridade para trabalhadores expostos a fontes naturais de calor, como o sol.

Uma nova proposta de texto para o anexo 3 da NR 15 foi submetida à consulta pública, encerrada em outubro de 2024. Essa proposta inclui "fontes naturais" de calor como agentes causadores de insalubridade. Já foi formado o Grupo de Trabalho Tripartite para essa discussão específica e a proposta será encaminhada à CTPP - Comissão Tripartite Paritária Permanente para possível aprovação, até junho de 2025.

A revogação do Quadro 1 na NR 15 e a exclusão dos trabalhadores a céu aberto da caracterização de insalubridade pelo calor representam um retrocesso na proteção da saúde e segurança dos trabalhadores da mineração. A exposição prolongada a temperaturas extremas, sem pausas adequadas, pode resultar em graves consequências para a saúde, como exaustão térmica e doenças ocupacionais.

No contexto da transição energética justa, essa flexibilização normativa agrava as desigualdades ao expor os trabalhadores a condições ainda mais precárias. A exploração sustentável de recursos minerais críticos para a transição energética deve estar atrelada ao compromisso com condições de trabalho dignas e seguras.

A retomada do debate sobre a insalubridade do calor natural e a revisão da NR-15 devem promover o equilíbrio entre desenvolvimento econômico e proteção dos trabalhadores, em alinhamento com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas. Sem essa revisão, a transição energética ocorrerá às custas da saúde e segurança dos trabalhadores.

Conclusão

A flexibilização das normas trabalhistas e a retirada de direitos dos trabalhadores em extração de minerais representam um retrocesso na busca por condições dignas de trabalho em um setor de grande relevância para a economia brasileira e para a transição energética. A Portaria SEPRT nº 1.359/2019 eliminou os intervalos para recuperação térmica e excluiu a exposição ao calor natural como fator de insalubridade, comprometendo a saúde dos trabalhadores.

No campo previdenciário, a EC 103/19 impôs uma idade mínima para a aposentadoria especial, dificultando o acesso ao benefício mesmo para atividades comprovadamente insalubres, tornando ineficaz o direito à aposentadoria especial.

Em um contexto em que a extração de minerais críticos tende a crescer como decorrência das exigências da transição energética, a defesa de condições de trabalho dignas exige resistência dos trabalhadores e um compromisso efetivo das instituições para garantir que a transição energética seja de fato justa para todos e não ocorra às custas da saúde e segurança desses trabalhadores.

______

1 BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Processo RR - 435-46.2020.5.13.0014. Relatora: Ministra Kátia Magalhães Arruda. Brasília, DF. Acesso em: 13 mar. 2025.

2 Disponível em:

Felipe Gomes da Silva Vasconcellos

Felipe Gomes da Silva Vasconcellos

Sócio de LBS Advogadas e Advogados. Professor convidado na Universidade Presbiteriana Mackenzie e na Universidade de San Carlos de Guatemala. Mestre em Direito do Trabalho pela Universidade de São Paulo e em Direitos Humanos pela Universidade de Leiden. Docente membro da Escola da ABRAT.

João Victor Figueiredo Soares

João Victor Figueiredo Soares

Estagiário no LBS Advogados - Loguercio, Beiro e Surian Sociedade de Advogados.

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