Defesa dos bancos em fraudes bancárias, responsabilidade civil e a súmula 479 do STJ: Uma análise crítica
A crescente digitalização e sofisticação das fraudes bancárias exigem análise crítica da responsabilidade dos bancos e a conduta do consumidor em litígios.
terça-feira, 18 de março de 2025
Atualizado em 17 de março de 2025 15:40
A evolução tecnológica e a crescente digitalização dos serviços bancários transformaram radicalmente o cenário das fraudes.
Hoje, os golpes são cada vez mais sofisticados, exigindo não apenas investimentos massivos em sistemas de segurança, mas também uma revisão contínua dos critérios e entendimentos jurídicos que norteiam a responsabilidade civil das instituições financeiras.
Apesar do arcabouço jurídico - principalmente o CDC e a súmula 479 do STJ - impor a responsabilidade objetiva dos bancos, é preciso reconhecer que, em muitos casos, a própria negligência do consumidor contribui decisivamente para o sucesso dos golpes.
E o que se vê no Judiciário são decisões proferidas sem qualquer olhar para essa negligência sob o escudo da súmula 479 e da responsabilidade objetiva do fornecedor, prevista nos arts. 12 e 14 do CDC.
Mas o que são fraudes ou golpes bancários?
As fraudes bancárias podem ser realizadas por meio de engenharia social, que é uma técnica de manipulação psicológica para induzir as pessoas a fornecerem informações confidenciais.
Um exemplo dessa modalidade de fraude é quando um cliente recebe a ligação de sua suposta instituição bancária afirmando a ocorrência de compra realizada no cartão em valor superior ao normalmente utilizado, em que o suposto funcionário pede a confirmação da compra.
Por sua vez, o cliente desconfiado desliga e diretamente telefona para sua instituição bancária. É nesse momento em que os golpistas, por meio de engenharia, interferem na ligação e quando o "funcionário" atende, é a mesma pessoa que ligara anteriormente.
Acreditando então estar falando com o banco, o consumidor acaba concordando em receber o funcionário para a retirada de cartões, envio dos dados pelo telefone e por vezes até mesmo entrega de notebooks e telefones celulares aos golpistas.
Esse é apenas um exemplo de fraude bancária, mas temos inúmeras outras como phishing, spear phishing, skimming, etc.
A dualidade entre a responsabilidade objetiva e a conduta do consumidor
A jurisprudência atual em grande número tem fugido da demonstração de que a responsabilidade dos bancos não pode ser tratada de forma automática, sem análise do caso concreto com olhar crítico. A análise do nexo causal deve considerar a conduta do cliente e não simplesmente a ausência de conduta do banco.
Se o consumidor deixa de adotar práticas básicas de segurança - como a proteção de senhas, o uso adequado dos canais oficiais e a verificação de alertas de transações atípicas - sua participação ativa no fracasso do sistema de segurança deve mitigar ou afastar a obrigação indenizatória do banco.
Essa abordagem, embora proteja o cliente, reforça a necessidade de uma análise crítica que não transfira toda a responsabilidade para as instituições financeiras, sob o discurso que isso faz parte do "risco do negócio".
A bem da verdade, essa interpretação extensiva do conceito de "risco do negócio" no âmbito do CDC impõe desafios significativos para o empreendedorismo no Brasil.
Por um lado, o CDC - ao estabelecer a responsabilidade objetiva dos fornecedores - visa proteger os consumidores, mas, por outro, essa proteção pode, em muitas situações, transferir para o empreendedor uma carga de riscos que, na prática, se mostra excessiva.
Essa ampla responsabilidade - ou seja, o risco do negócio - tem sido criticada por aumentar a insegurança jurídica e os custos operacionais, já que os empresários precisam investir recursos não apenas em qualidade, mas também em mecanismos defensivos e seguros jurídicos para se resguardar de litígios se avolumam no Judiciário.
Revisão e atualização dos critérios jurisprudenciais
O ambiente digital, com seus riscos e vulnerabilidades, impõe ao Poder Judiciário o dever de atualizar e refinar seus critérios interpretativos.
Artigos recentes ressaltam que a falha na prestação de serviços - quando o banco não adota medidas eficazes para identificar transações que destoam do perfil do consumidor - não pode ser dissociada da conduta negligente do cliente.
Assim, a revisão periódica de súmulas e enunciados é fundamental para que o ordenamento jurídico acompanhe a complexidade das operações eletrônicas sem desconsiderar a participação do consumidor no cenário de fraudes, mesmo que por negligência.
O papel dos bancos e o dever de segurança
Defender os bancos não significa eximir as instituições de seu dever de investir em segurança, mas sim reconhecer que o risco inerente à atividade bancária deve ser compartilhado.
Os bancos são obrigados a adotar mecanismos de autenticação robustos, monitoramento contínuo e protocolos de bloqueio em operações atípicas.
No entanto, mesmo com tais medidas, a ausência de um comportamento prudente por parte do consumidor - como a divulgação de senhas ou a omissão em atualizar dispositivos de segurança - pode ser determinante para o êxito dos golpes. Essa perspectiva, defendida por diversos estudiosos precisa ser refletida na jurisprudência e reforça a necessidade de uma defesa institucional fundamentada na análise detalhada de cada caso concreto.
É fato que o Judiciário - de forma tímida ainda na minha opinião - já tem analisado com mais cuidado o caso concreto, como no acórdão 1799679 do TJ/MG, o Tribunal reconheceu que, em determinadas situações, a responsabilidade do banco pode ser mitigada ou até afastada se ficar comprovado que o cliente renunciou a práticas de segurança básicas.
Essa decisão, embora resguardasse o princípio da segurança e proteção dos clientes, também ressalta um ponto crítico: a adoção irrestrita da responsabilidade objetiva pode desconsiderar a necessidade de uma análise minuciosa da conduta do consumidor.
Responsabilidade do consumidor
Embora o banco tenha um papel fundamental na prevenção de fraudes, o cliente também possui a obrigação de zelar pelos seus dados e tomar precauções para evitar golpes.
A negligência por parte do cliente, disponibilização de senhas a terceiros e instalação de softwares desconhecidos, pode ser considerada uma contribuição para o ocorrido e, em sendo provado que a fraude ocorreu por negligência exclusiva do consumidor, não deve haver a responsabilidade do banco.
Como evitar fraudes bancárias?
Para minimizar os riscos de ser vítima de fraudes bancárias, tanto os consumidores quanto os bancos precisam adotar algumas práticas preventivas, dentre as quais podemos citar:
- Proteção de dados: O cliente deve evitar compartilhar informações bancárias, como senhas, números de conta e códigos de verificação, seja por telefone, e-mail ou mensagem;
- Monitoramento e alertas: Os consumidores devem sempre acompanhar as transações realizadas em suas contas, verificando se há algum valor desconhecido sendo debitado, de preferência no app do banco. Há a opção fornecida pelos bancos como serviço extra de segurança como alertas por SMS ou aplicativo, que são consideradas eficazes para detectar fraudes de forma mais rápida.
- Atualização de software: O cliente deve garantir que seus dispositivos (smartphones, computadores etc.) possuam softwares de segurança, como antivírus e firewalls atualizados.
- Educação digital: Os bancos podem colaborar com a educação dos seus clientes, orientando-os sobre os principais golpes e como se proteger, adotando técnicas de vídeos explicativos e comunicados chamativos, a fim de ter a atenção do cliente para a importância do tema.
Para os consumidores, diversas são as formas de se proteger de golpes e se prevenir de fraudes bancárias, como abordados acima. Da mesma forma para os bancos, que devem se atentar aos meios de alertar os clientes de fraudes e sempre colocar vídeos explicativos, de fácil compreensão para auxiliar o consumidor na prevenção de golpes.
Assim, em um cenário onde os serviços financeiros se movem a velocidades quase instantâneas e as fraudes evoluem em paralelo, é imprescindível que a responsabilidade civil das instituições financeiras seja avaliada de forma holística.
Não basta aplicar de forma automática a responsabilidade objetiva prevista no CDC e consagrada pela súmula 479 do STJ; é necessário também ponderar a conduta do consumidor e as circunstâncias específicas de cada fraude.
A defesa dos bancos, portanto, passa pela combinação de investimentos em tecnologia, aprimoramento constante dos sistemas de segurança e, sobretudo, pela crítica construtiva das práticas de mercado, que exige a revisão periódica dos entendimentos jurisprudenciais para que reflitam a realidade da era digital.
Essa abordagem equilibrada não só fortalece a defesa das instituições financeiras, mas também incentiva os clientes a adotarem práticas mais seguras, contribuindo para a redução dos índices de fraude e para o aprimoramento da prestação dos serviços bancários.
Em última análise, o desafio é construir um ambiente de confiança mútua, onde a responsabilidade seja partilhada de maneira justa e proporcional, resguardando os interesses de todas as partes envolvidas.
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1 1799679-41.2023.8.13.0001, TJMG, Relator: Desembargador Renato Scussel, Segunda Turma Cível, julgado em 26/06/2024, DJe 18/07/2024.
Rhuana Rodrigues César
Sócia do Chenut.