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Imunidade musical: Desafios digitais da EC 132 e LC 214/25

Análise crítica sobre aplicação da imunidade tributária para fonogramas e videofonogramas nacionais em plataformas digitais conforme EC 132/23 e LC 214/25.

sábado, 22 de março de 2025

Atualizado em 21 de março de 2025 13:36

A reforma tributária brasileira implementada pela EC 132/23 e regulamentada pela LC 214/25 representa um marco significativo na modernização e simplificação do sistema tributário nacional, especialmente por meio da criação do IBS - Imposto sobre Bens e Serviços e da CBS - Contribuição Social sobre Bens e Serviços.

Dentre os vários aspectos inovadores, destaca-se o tratamento tributário dos fonogramas e videofonogramas brasileiros, assunto que traz à tona importantes debates jurídicos e práticos, especialmente no âmbito das plataformas digitais.

Contextualização e previsão legal da imunidade

A imunidade tributária sobre fonogramas e videofonogramas brasileiros tem suas origens na EC 75, de 15/10/13, que alterou o art. 150, inciso VI, alínea "e" da CF/88, visando fomentar a cultura nacional ao proteger produções brasileiras da incidência tributária. Essa imunidade foi mantida e reforçada pela recente EC 132/23 e regulamentada pela LC 214/25, art. 9º, inciso V, que integrou a proteção às normas relativas ao IBS e à CBS, instituindo um novo cenário tributário para a economia digital.

O dispositivo constitucional prevê claramente a imunidade, estabelecendo que é vedado aos entes federativos instituir impostos sobre fonogramas e videofonogramas produzidos no Brasil, contendo obras de autores e intérpretes brasileiros, exceto na etapa de replicação industrial de mídias ópticas de leitura a laser.

Desafios técnicos e operacionais na era digital

Com o avanço tecnológico, o consumo cultural migrou significativamente para plataformas digitais de streaming, como Spotify, Netflix, Amazon Music e YouTube Premium.

Esse cenário trouxe desafios inéditos à aplicação da imunidade tributária, dado que tais plataformas não discriminam o conteúdo nacional protegido pela imunidade dos conteúdos estrangeiros, passíveis de tributação.

Como pontua Hugo de Brito Machado Segundo (2025), essa realidade exige mecanismos eficazes que permitam segmentar as receitas provenientes dessas plataformas, diferenciando claramente as parcelas relativas ao conteúdo nacional imune daquelas referentes ao conteúdo estrangeiro. Machado Segundo alerta ainda sobre o risco da ausência desses critérios objetivos, que podem levar à insegurança jurídica, injustiças fiscais e aumento expressivo dos conflitos tributários.

Implicações constitucionais e jurídicas

Outro aspecto central é o debate sobre a constitucionalidade da restrição dessa imunidade exclusivamente às produções nacionais.

Essa discussão é baseada na possível violação ao princípio constitucional da igualdade previsto no art. 5º da CF/88, especialmente diante dos compromissos internacionais assumidos pelo Brasil em tratados que garantem tratamento tributário isonômico entre produções nacionais e estrangeiras.

Machado Segundo enfatiza a possibilidade de se questionar judicialmente não apenas a aplicação dessa norma restritiva, mas a própria validade constitucional da emenda que estabeleceu essa restrição, tendo em vista a violação de direitos fundamentais de igualdade e acesso à cultura, protegidos por cláusulas pétreas.

Aspecto temporal do fato gerador e riscos de bitributação

A LC 214/25 define que o fato gerador do IBS e da CBS se concretiza no momento do fornecimento do bem ou da prestação do serviço, ou no momento do pagamento, caso este ocorra antecipadamente. Essa regra cria um regime fiscalista, favorável ao Fisco, que pode gerar sérias dificuldades aos contribuintes, especialmente quando o fornecimento ocorre antes do pagamento.

Conforme esclarece Hugo de Brito Machado Segundo, originalmente o PLP 68/24 trazia um dispositivo ainda mais rígido, determinando que o fato gerador ocorreria no fornecimento ou no pagamento, o que ocorresse primeiro. Embora essa redação tenha sido alterada, o problema central persiste. O risco prático é evidente: se não houver uma regulamentação clara, especialmente ao implementar mecanismos como o "split payment" (pagamento com retenção automática do imposto), poderá ocorrer bitributação.

O imposto poderia ser cobrado duas vezes sobre a mesma operação: primeiro no momento do fornecimento e posteriormente na efetivação do pagamento.

Essa possibilidade de dupla cobrança representa uma ameaça direta à segurança jurídica e à justa tributação, tornando indispensável uma regulamentação precisa que assegure a identificação correta do momento único do fato gerador e evite cobranças indevidas.

Necessidade urgente de regulamentação específica

Para mitigar esses desafios, torna-se essencial uma regulamentação detalhada e específica, que defina critérios objetivos para a aplicação prática da imunidade tributária nas plataformas digitais.

Essa regulamentação deve proporcionar clareza sobre como separar as receitas tributáveis das imunes, além de esclarecer o exato momento do fato gerador no contexto digital, eliminando assim o risco de bitributação e garantindo segurança jurídica para empresas e consumidores.

Embora a reforma tributária seja um avanço significativo na simplificação e modernização do sistema tributário brasileiro, ainda restam questões fundamentais a serem resolvidas.

A imunidade tributária dos fonogramas e videofonogramas brasileiros nas plataformas digitais exige regulamentação específica e clara para enfrentar os desafios operacionais e jurídicos atuais, garantindo respeito aos princípios constitucionais e estabilidade jurídica necessária ao ambiente econômico digital.

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1 BRASIL. Emenda Constitucional nº 132, de 20 de dezembro de 2023.

2 BRASIL. Lei Complementar nº 214, de 2025.

3 MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito. Reforma Tributária Comentada e Comparada: Emenda Constitucional 132/2023. São Paulo: Editora Atlas, 2024.

4 MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito. LC 214/2025 Comentada. São Paulo: Editora Atlas, 2025.

5 MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito. Curso online: Entenda a Reforma Tributária com Hugo de Brito Machado Segundo (EC 132/2023 e LC 214/2025). MACHADO - SOCIEDADE DE ADVOGADOS, 2025.

José Reis Nogueira de Barros

VIP José Reis Nogueira de Barros

Advogado, founder @advocacianogueirabarros. Mestrando em Direito, Economia e Gestão. Palestrante, conselheiro, especialista em governança, gestão pública, tributação e relações governamentais.

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