A restrição da imunidade tributária nas aquisições da LC 214/25
A LC 214/25 limita a imunidade tributária para aquisições de entidades imunes. O artigo analisa sua constitucionalidade e impactos.
quinta-feira, 27 de março de 2025
Atualizado às 15:00
A EC 132/23 e a LC 214/25 reformularam o sistema tributário brasileiro, criando o IBS - Imposto sobre Bens e Serviços e a CBS - Contribuição sobre Bens e Serviços.
Essas mudanças trouxeram impactos relevantes sobre a imunidade tributária das entidades imunes e suscitaram novas controvérsias interpretativas.
Dentre os pontos de maior complexidade, destaca-se a vedação à aplicação da imunidade tributária sobre as aquisições de bens e serviços por entes imunes, prevista no art. 9º, § 4º, da LC 214/25.
Essa restrição levanta dúvidas sobre sua compatibilidade com o art. 150, VI, da CF/88 e com a jurisprudência consolidada do STF.
Este artigo examina as implicações dessa nova regra e sua possível inconstitucionalidade, à luz das discussões acadêmicas e da jurisprudência sobre a matéria.
1. A nova regra da imunidade tributária
O art. 9º da LC 214/25 estabelece:
§ 4º As imunidades das entidades previstas nos incisos I (União, Estados, DF e Municípios), II (entidades religiosas e templos de qualquer culto) e III (partidos políticos, entidades sindicais dos trabalhadores e instituições de educação e de assistência social sem fins lucrativos) não se aplicam às suas aquisições de bens materiais e imateriais, inclusive direitos, e serviços.
Essa restrição imposta pelo § 4º do art. 9º da LC 214/25 levanta questionamentos sobre sua constitucionalidade, pois limita a amplitude da imunidade tributária garantida pela CF/88 às entidades que exercem funções sociais relevantes.
2. O Conflito com a jurisprudência do STF
O STF já consolidou o entendimento de que a imunidade tributária conferida a entidades sem fins lucrativos deve ser interpretada de forma teleológica, considerando a sua função social e a destinação dos bens adquiridos. Essa compreensão decorre de precedentes como o RE 566.622, que enfatiza que a imunidade deve viabilizar as atividades essenciais das entidades protegidas.
Segundo o professor Hugo de Brito Machado Segundo, um dos principais estudiosos da reforma tributária:
"A imunidade tributária não deve ser restringida de forma arbitrária. A restrição imposta pela LC 214/2025 amplia a incerteza jurídica e pode levar à necessidade de um novo julgamento do STF para assegurar a proteção das entidades imunes."
No entanto, a nova restrição imposta pela LC 214/25 desconsidera esse entendimento, limitando a imunidade apenas ao momento da receita, e não às operações essenciais para o funcionamento das entidades. Esse retrocesso na interpretação constitucional pode ser alvo de ações diretas de inconstitucionalidade.
Ademais, a vedação imposta pelo § 4º do art. 9º pode configurar uma violação ao princípio da isonomia, pois impõe um tratamento diferenciado entre entidades imunes e outras categorias econômicas, criando um ônus tributário que compromete suas atividades.
3. Impactos práticos da nova regra
Caso a interpretação do § 4º do art. 9º da LC 214/25 seja mantida, as entidades imunes poderão enfrentar aumento de custos e dificuldades operacionais, impactando setores essenciais:
- Hospitais filantrópicos, que dependem da compra de insumos médicos;
- Igrejas e templos, que necessitam de materiais para suas atividades religiosas;
- Instituições de ensino, que precisam adquirir equipamentos e insumos educacionais;
- Organizações sem fins lucrativos, cuja atuação social exige aquisição constante de bens e serviços.
Esse cenário pode resultar na redução do alcance social dessas entidades e na necessidade de judicialização em massa para garantir o reconhecimento da imunidade em operações essenciais.
Desta feita, a restrição imposta pela LC 214/25 ao alcance da imunidade tributária para entidades imunes em suas aquisições de bens e serviços pode ser considerada inconstitucional. Essa nova regra contraria frontalmente o art. 150, VI, da CF/88 e a jurisprudência consolidada do STF, que reconhece que a imunidade tributária deve preservar o funcionamento das entidades protegidas.
Diante disso, a tendência é que a constitucionalidade do § 4º do art. 9º da LC 214/25 seja questionada no STF por meio de ADIns - ações diretas de inconstitucionalidade. Até que haja uma decisão definitiva, as entidades imunes precisarão buscar medidas judiciais para evitar a incidência tributária indevida sobre suas aquisições.
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1 BRASIL. Emenda Constitucional nº 132, de 20 de dezembro de 2023.
2 BRASIL. Lei Complementar nº 214, de 2025.
3 MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito. Reforma Tributária Comentada e Comparada. Atlas, 2024.
4 MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito. LC 214/2025 Comentada. Atlas, 2024.
5 Supremo Tribunal Federal. RE 566.622. Disponível em: https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=13413211. Acesso em: 13/03/2025.
6 Projeto Nossa Reforma Tributária @projetotributacaonoseculox4638, Observatório da reforma tributária. https://www.youtube.com/live/aUhfuy7USwY?feature=shared, Acessado 12/03/2025.