O prontuário médico-veterinário, o direito à informação do consumidor
A obrigação do médico-veterinário na elaboração, guarda e entrega do prontuário, que deve conter informações claras, objetivas e compreensivas, a fim de evitar o "blanket consent".
sexta-feira, 14 de março de 2025
Atualizado às 14:28
Dia 14 de março, Dia Nacional dos Animais e 15 de março, Dia do Consumidor, datas que nos faz refletir a prestação de serviço na medicina veterinária, vez que, o profissional da medicina veterinária está obrigado a ter conhecimento da legislação de proteção aos animais, devendo exercer a profissão com zelo, dedicação, no máximo da sua capacidade, utilizando-se de procedimentos humanitários preservando o bem-estar animal evitando sofrimento e dor, bem como, possui a obrigação ética e legal, de prestar informação clara, objetiva e compreensiva sobre o estado de saúde do paciente, ora, animal, ao tutor, responsável pelo animal, sendo vedado, o exercício profissional sem consentimento formal do cliente, salvo em caso de iminente risco de morte ou de incapacidade permanente do paciente.
Nessa perspectiva, o profissional da medicina veterinária, está obrigado a elaboração e entrega do prontuário médico-veterinário, nos termos do art. 8º, inciso IX e XI do Código de Ética do Médico-Veterinário e resolução 1.321/20 do CFMV, que institui normas sobre os documentos no âmbito da clínica médico-veterinária e dá outras providências, o qual deverá ser composto pelo registro claro, objetivo e compreensivo das informações de saúde do paciente, a falta poderá caracterizar responsabilidade, por falha no dever de informar.
Esse dever de informação decorre não só do Código de Ética do Médico-Veterinário que estabelece, em seu art. 9º, incisos IV e VII, que o médico veterinário será responsabilizado pelos atos que, no exercício da profissão, praticar com dolo ou culpa, respondendo civil e penalmente pelas infrações éticas e ações que venham a causar dano ao paciente ou ao cliente e, principalmente, deixar de esclarecer ao cliente sobre as consequências socioeconômicas, ambientais e de saúde pública, provenientes das enfermidades de seus pacientes, e, praticar qualquer ato profissional sem consentimento formal do cliente, salvo em caso de iminente risco de morte ou de incapacidade permanente do paciente, mas também das regras dispostas na legislação consumerista, destacando os direitos básicos do consumidor no art. 6º, do CDC, ênfase ao inciso III, que assegura a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem.
O dever de informação é exercido através do diálogo assertivo e das informações registradas no prontuário médico-veterinário, está conceituado no art. 2º inciso VIII, da resolução 1.321/20 do CFMV:
Art. 2º Para fins desta resolução, considera-se:
VIII - prontuário médico-veterinário: documento escrito e datado, sem rasuras ou emendas, emitido e assinado, privativamente por médico-veterinário que relata e detalha, cronologicamente, informações e dados acerca dos atendimentos ambulatoriais e clínicos, inclusive vacinações, exames diagnósticos e intervenções cirúrgicas realizados em animal, ou coletivo em se tratando de rebanho, garantida a autenticidade e integridade das informações;
Como se vê, via de regra, o prontuário não pode ser substituído por mensagens de aplicativo, ou outro meio, que não seja, documento escrito e assinado, e mais, não permitindo rasuras ou emenda, documento que o profissional relata e detalha, cronologicamente, informações e dados acerca dos atendimentos ambulatoriais e clínicos realizados, inclusive intervenções cirúrgicas realizadas em animal, ou coletivo em se tratando de rebanho, garantida a autenticidade e integridade das informações.
A determinação de que a informação registrada no prontuário deve ser feita pelo médico-veterinário, que realizou o atendimento, é de extrema importância, vez que, não pode, em tese, como ocorre em alguns prontuários, um médico-veterinário realizar o ato médico, e outra pessoa, muitas vezes não identificada, ou que não assine o registro, ou que sequer seja médico-veterinário, registrar o ato, pois assim, não resguarda a garantia a autenticidade e integridade das informações.
Não podendo, em tese, constar registro realizado por "enfermagem", por exemplo, pois o documento é obrigação e ato privativo do profissional que realizou o atendimento, sendo que receitas, exames, atestado de óbito, termos de consentimento livre e esclarecido, devem compor o prontuário, elaborado nos termos da resolução 1.321/20 do CFMV.
Se Mévio foi contratado para procedimento cirúrgico, Mévio deve registrar o procedimento no prontuário, e não Tício ou "assistente", aliás, cuidado com os termos, anamnese simplificada, resumo de atendimento ou resumo de internação, o resumo pode ser sinônimo de falha no direito à Informação, clara, objetiva e compreensiva, não esqueça a legislação de regência determina que o médico-veterinário relate e detalhe o exercício profissional.
Ademais outro ponto de observação, é que a informação deve ser registrada em ordem cronológica, não podendo, como já visto em alguns prontuários, o óbito do animal ocorrer em determinado horário, e após continuar registros como se o animal tivesse sido cuidado, medicado, pois pode caracterizar falha de informação, clara, objetiva e compreensiva.
Além de que, aos animais internados, a causa da morte deve ser esclarecida e registrada no prontuário, não podendo o tutor pet, não entender qual a causa que levou o animal ao óbito.
Fato é, atualmente o prontuário, serve de "diálogo" entre profissionais e tutor pet, devendo conter, informações detalhadas, especialmente para casos cirúrgicos, que devem compor, inclusive, informações anestésicas, claras e precisas, na falta o profissional poderá ser responsabilizado, como ocorreu na situação fático-jurídica, julgada pelo TJ/SP:
APELAÇÃO. ERRO MÉDICO VETERINÁRIO. AÇÃO INDENIZATÓRIA POR MORAIS E MATERIAIS. RESPONSABILIDADE CIVIL. Morte do animal. Sentença de parcial procedência. Irresignação dos Requeridos. Aplicação do Código de Defesa do Consumidor. Falha no dever de informação. Inexistência de prova no que tange à informação do consumidor quanto ao procedimento cirúrgico e de analgesia do animal, bem como dos riscos atinentes. Alta médica com o animal desacordado. Documentos que demonstram que o animal vomitou durante a analgesia. Procedimento cirúrgico que prosseguiu indevidamente diante da necessidade de jejum prévio conforme narrado pelos próprios Apelantes. Condenação ao pagamento de indenização por danos materiais no importe de R$850,00 e danos morais no importe de R$10.000,00 bem fixados na origem. Sentença mantida. Recurso desprovido. (TJSP; Apelação Cível 1000570-94.2021.8.26.0660; Relator (a): Vitor Frederico Kümpel; Órgão Julgador: 4ª Câmara de Direito Privado; Foro de Viradouro - Vara Única; Data do Julgamento: 11/09/2023; Data de Registro: 11/09/2023).
A decisão do TJ/SP, vai de encontro às determinações da resolução 1.321/20, do CFMV, que abarca uma questão ética e legal.
Importante destacar que, quando o consumidor solicita o prontuário médico-veterinário, ele está solicitando todos os documentos de elaboração, guarda e fornecimento obrigatório pelo profissional da medicina veterinária disciplinados na resolução 1.321/20 do CFMV, que compreende a atuação profissional (atestado ou declaração de óbito, atestado ou declaração de vacinação, atestado sanitário ou de saúde animal, carteira de vacinação, termo de consentimento livre e esclarecido), sendo desnecessário pedido específico para fornecimento de cada documento disciplinado na resolução supra, sendo que sua entrega deve ser imediata, nos termos do art. 9º, § 1º, da resolução 1.321/20 do CFMV:
Art. 9º O prontuário médico-veterinário, além de observar o contido nos artigos 2º e 3º desta Resolução, deve, para cada atendimento realizado, conter:
§ 1º A solicitação expressa, pelo proprietário, responsável ou tutor do animal, de cópia de prontuário clínico deve ser atendida de imediato. (grifo nosso).
A não entrega do prontuário, por si só, caracteriza falta ética, nos termos do art. 8º, inciso XI do Código de Ética do Médico-Veterinário, que veda ao médico-veterinário deixar de fornecer ao cliente, quando solicitado, laudo médico veterinário, relatório, prontuário, atestado, certificado, resultados de exames complementares, bem como deixar de dar explicações necessárias à sua compreensão.
E a compreensão é algo de extrema importância e atenção, pois vai de encontro a determinação do CDC, que garante a informação, clara, objetiva e compreensiva, não basta informar, é preciso que o consumidor compreenda o que está sendo informado, é a falta de compreensão, que acarreta processos judiciais, no órgão de classe, e a falta de consentimento, uma problemática no dia a dia de muitos médicos-veterinários.
O profissional da medicina veterinária, precisa compreender que a prestação de informação clara e precisa ao consumidor, possibilita sua participação na tomada das decisões médicas, afinal o médico-veterinário só pode atuar com consentimento formal do cliente, salvo em caso de iminente risco de morte ou de incapacidade permanente do paciente (a exceção deve ser registrada e detalhada no prontuário, consubstanciado na literatura da medicina veterinária), mas atenção, a participação na tomada da decisão médica, é consentir, e não o médico-veterinário atuar como realizador de vontades do consumidor, o ato médico-veterinário é privativo do profissional.
Sendo assegurado ao consumidor, o direito de saber dos possíveis riscos, benefícios e alternativas de determinado procedimento médico-veterinário, para que possa manifestar o seu consentimento pela intervenção terapêutica de forma livre e consciente, exercendo o consentimento formal, sinônimo da sua participação na tomada da decisão médica.
Como se vê, a informação clara, objetiva e compreensiva é direito do consumidor, e devem estar registradas no prontuário, não podendo valer-se da falta de "formalismo", que poderá acarretar na falha no dever de informação, e o chamado consentimento genérico (blanket consent), decorrente de registro de informações imprecisas ou formuladas em termos excessivamente técnicos.
Ou seja, o profissional da medicina veterinária precisa atentar-se, para além do dever de elaboração, guarda e entrega do prontuário, precisa atentar-se ao preenchimento correto do documento e o consentimento formal, observando o tripé, Direito Animal, Direito Médico-Veterinário e Direito do Consumidor, que assegure a informação clara, objetiva e compreensível, na falha, poderá ser responsabilizado pelo dano que venha a causar ao paciente, ora animal, e/ou ao cliente, ora, consumidor.