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Afinal, qual é o estilo de negociação do Trump?

A negociação pode ser distributiva ou colaborativa. Enquanto a primeira foca em ganhos e perdas diretas, a segunda busca soluções vantajosas para ambas as partes.

sexta-feira, 14 de março de 2025

Atualizado em 13 de março de 2025 15:42

Existem várias possíveis abordagens em uma negociação. Segundo os especialistas no tema, podemos, em apertada síntese, dividir a dita "arte da negociação" em dois grandes modelos clássicos: o distributivo (barganha) e o colaborativo (o famoso "ganha-ganha").

O primeiro, de alguma forma, mais ou menos empírica, empreendemos no nosso cotidiano. Desde que o despertador nos acorda até o final do dia, seja quando negociamos internamente um tempo extra para sair da cama, seja para retardar o descanso até finalizar alguma tarefa do dia em detrimento do convívio familiar, estamos permanentemente medindo ganhos e perdas na tomada de uma ou outra decisão, similar ao que acontece em uma negociação propriamente dita. Quando vamos à feira ou buscamos a compra do imóvel dos sonhos, via de regra, o nosso ganho com um desconto superior ao usual significa a perda do verdureiro ou do dono do imóvel que recebe menos do que foi por ele ou ela planejado inicialmente. É o que se chama de "jogo de soma zero", ou seja, o ganho de um significa a perda do outro.

Obviamente, nós não escolhemos meticulosamente o tipo de negociação necessária para demandas rotineiras como comprar as verduras da semana, mas quando esse bem desejado impacta em outros aspectos das nossas vidas, como nossa estabilidade financeira, ou seja, quando vislumbramos um risco de perda considerável caso a negociação seja mal conduzida (e a maioria de nós tem aversão a riscos exagerados), algum nível de planejamento é no mínimo recomendável. Desde uma simples pesquisa de preços até mesmo um planejamento financeiro mais sofisticado para estabelecer uma zona confortável de negociação são cuidados necessários a tomar. Em síntese, a negociação distributiva ou barganha é uma luta pela sobrevivência, com ou sem prévio planejamento, e não busca ganhos recíprocos ou proporcionais.

Já a forma colaborativa de negociar exige um estudo mais aprofundado da cena da negociação, pois é esperado que eu seja capaz de criar, em conjunto com outrem, um cenário onde ambos possam ganhar: aumentando a torta para que os negociadores saiam com uma fatia maior do que inicialmente parecia possível. Necessitamos, nesse modelo, identificar os reais interesses de cada uma das partes para achar um campo fértil a fim de multiplicar os ganhos de forma a satisfazer, e mesmo surpreender, ambas as partes.

É um jogo de adição positiva e não de soma zero. Não há nada de ingênuo ou fantasioso em tal abordagem, porque em muitas situações essa colaboração acontece até espontaneamente. Ora, se eu deixar para comprar o meu carro no final do mês, é possível que o vendedor esteja mais suscetível a fazer concessões para, mesmo ganhando uma comissão menor, atingir a meta mensal ou anual de vendas da loja. Note que é possível planejar estrategicamente esse melhor momento para realizar a compra ou, quem sabe, o desavisado cliente possa até contar com a sorte ao deixar para o final do mês a conclusão do negócio por motivo aleatório.

No campo empresarial, por óbvio, as negociações se revestem de uma maior sofisticação e o planejamento, além de estratégico, é essencial para, como se diz, não deixar dinheiro sobre a mesa. Por outro lado, não há uma receita de bolo que sirva para todas as situações e tudo dependerá dos estilos dos respectivos negociadores, das empresas e dos seus valores e princípios. É possível que, dependendo do tipo do negócio entabulado ou dos perfis dos negociadores ao redor da mesa, o caminho até a conclusão da transação seja construído ora blefando, ora barganhando, ora cocriando. 

A criação colaborativa se encaixa mais e melhor em relações de trato continuado, que se projetam no tempo (por exemplo, em formas associativas de empreender conjuntamente). Nesse caso, o (in)sucesso de um será o (in)sucesso do outro. Já a barganha acontece quando não há essa possibilidade ou interesse em um futuro compartilhado como no exemplo da compra do automóvel, já que nós podemos comprar o mesmo veículo (marca e modelo) de outro fornecedor ou mesmo on-line. 

E onde tudo isso se encaixa no estilo Trump de negociar? Talvez a resposta seja em quase nada! E por quê?  Porque o modo de Trump negociar parece ser algo muito característico da personalidade histriônica e empreendedora do mandatário norte-americano como se viu nas polêmicas decisões retaliatórias por ele tomadas junto a históricos parceiros comerciais e políticos como, dentre outros, Brasil, México, Canadá, China e os países da comunidade econômica europeia. 

Em certa medida, quando seu governo ameaça aumentar exponencialmente as tarifas de importação para produtos desses países, ou retirar repasses a fundos internacionais dos mais diversos, ou repatriar milhares de imigrantes ilegais do dia para a noite, percebemos uma nítida barganha ou, quem sabe, um blefe. De qualquer sorte, seguramente não é uma postura colaborativa dado o seu viés ameaçador. 

Por outro lado, as ameaças ou blefes surtiram efeitos como se percebe nas reações dos governos mexicano, colombiano e canadense, abrindo seus cofres e contingentes de segurança para coibir o tráfego ilegal de pessoas e drogas. Esse estilo aterrorizador é eficiente em um primeiro momento para depois, quem sabe, buscar concessões recíprocas tão logo obtido objetivo principal com cada medida tomada. No popular, seria um método de bate-e-assopra!

O poderio econômico norte-americano permite essa política ou formato de negociação avassalador, pois nenhum outro país, nem mesmo a China, pode se dar ao luxo de prescindir de um parceiro comercial de tamanha envergadura. A alavancagem norte-americana é insuperável, o que permite o blefe ou a barganha agressiva e audaciosa de Trump com o propósito de fazer a economia dos EUA voltar a crescer de forma mais célere e consistente.

Assim agindo, o governo Trump estará atendendo aos interesses de seus eleitores, gerando mais empregos e renda em favor, sobretudo, da classe média daquele país tão afetada pelo fenômeno da globalização.

Como esse método não se sustenta no tempo, já que a boa convivência com velhos parceiros comerciais é vital, além de histórica, é bem possível que logo ali adiante vejamos o governo Trump dar um passo para trás. Ou seja, que se retome um diálogo mais colaborativo, ainda que usando do conhecido artifício do bom-e-mau policial retratado em inúmeros filmes de Hollywood, deixando para o seu estafe de negociadores o papel de bonzinho e o presidente Trump mantendo, como diria Erasmo Carlos, a sua 'fama de mau'.

Ricardo Dornelles Chaves Barcellos

Ricardo Dornelles Chaves Barcellos

Advogado e Mediador com 35 anos de experiência na resolução conflitos empresariais, disputas societárias, questões variadas de responsabilidade civil, contratos e direito imobiliário.

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