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Indenização do acionista minoritário por prejuízos diretos: Há algo de novo no front?

Em 2025, a Petrobras venceu mais uma disputa arbitral sobre perdas financeiras alegadas por acionistas, destacando a limitação para indenizações por danos indiretos.

sexta-feira, 14 de março de 2025

Atualizado em 13 de março de 2025 15:40

Em 9/1/25, foi noticiada pela Petrobras a prolação de sentença arbitral favorável à Petrobras no âmbito de procedimento arbitral instaurado por acionistas contra a companhia para pleitear indenização por alegadas perdas financeiras decorrentes de falhas informacionais. No comunicado, a companhia informa que "[a] sentença julgou improcedente o pedido, entre outros motivos, por entender que, com base no direito brasileiro, investidores não podem propor ação de indenização contra a companhia por danos indiretos, como aqueles relacionados à desvalorização do valor de ações. Esta arbitragem é confidencial, assim como as demais em curso".

A sentença arbitral não é a primeira proferida neste tipo de demanda contra a Petrobras. Em 30/10/24 a companhia informou ao mercado a prolação de decisão que lhe foi favorável pela Corte Distrital de Rotterdam, nos Países Baixos, em ação com valor estimado de US$ 15 bilhões, movida por associação (a Stichting Petrobras Compensation Foundation) formada por investidores e detentores de debêntures de diversas nacionalidades não incluídos no acordo homologado perante a justiça norte-americana em 2018. Esses investidores e detentores de debêntures buscavam indenização pelas irregularidades cometidas pela Petrobras, seus executivos e empregados.

No caso ajuizado pela Stichting Petrobras Compensation Foundation, um dos fundamentos empregados pela Corte Distrital de Rotterdam para a rejeição do pedido foi o fato de que, pela lei brasileira, o dano decorrente da alteração de preço das ações seria considerado um dano indireto aos investidores e não poderia ser cobrado da companhia. 

A reparação de investidores no mercado de valores mobiliários é um tema recorrente na doutrina e jurisprudência, cujo debate reacende com frequência em razão de periódicos casos midiáticos.

Na maior parte dos casos, os investidores são sócios minoritários. Pelo regime da lei 6.404/76 ("LSA"), a legitimação desses acionistas minoritários para pleitear reparação é relativamente restrita e não há previsões específicas sobre o objeto da ação (apenas menções mais genéricas a "danos" e "prejuízos") - o que, por si só, não autoriza a conclusão de que os danos não são indenizáveis, sobretudo em razão do princípio geral de acesso à justiça (CF/88, art. 5º, XXXV).

Os arts. 159 e 246 da LSA garantem legitimação extraordinária ao acionista minoritário, em substituição à legitimação da própria companhia (ação ut universi), para ajuizamento da denominada ação social ut singuli contra o administrador (LSA, art. 159) e o acionista controlador (LSA, art. 246). Mas, nessas hipóteses, a indenização é pleiteada em favor somente da companhia, e não do acionista (danos indiretos). Há ainda algumas barreiras ao minoritário, como a necessidade de prévia deliberação em assembleia para as ações contra administradores (LSA, art. 159, caput), a prestação de caução para as ações contra o acionista controlador (LSA, art. 246, §1º, 'b') e a participação mínima de 5% do capital social como substituto processual da companhia, para ambas as hipóteses (LSA, arts. 159, §4º e 246, §1º, 'a'). 

A ação individual em busca de reparação por dano sofrido diretamente pelo acionista é outra hipótese, que não se confunde com as vias mencionadas acima. Na LSA, há previsão da reparação por prejuízo causado ao acionista por ato de administrador no art. 159, §7º (danos diretos), mas não há previsão expressa com relação aos prejuízos sofridos em razão de atos do controlador ou da própria companhia, e foram justamente essas duas hipóteses que geraram debates no caso da Petrobras: a possibilidade da União, como controladora, ou da própria companhia indenizarem diretamente os acionistas.

O debate, apesar de ter sido aprofundado e ganhado contornos internacionais a partir do caso da Petrobras, não é recente. Já em 2008 a 3ª turma do STJ, no julgamento do REsp 1.014.496/SC1, manifestou entendimento de que, apesar de a LSA prever mecanismo de reparação dos minoritários, eles não possuiriam legitimidade ativa para pleitear indenização por dano que tenha sido sofrido pela companhia. 

Neste caso, os acionistas pretendiam indenização em face dos administradores por alegadas fraudes contábeis que reduziram o lucro a ser distribuído. Naquele entendimento do STJ, os danos não seriam causados diretamente aos acionistas, mas, sim, à companhia. O dano do acionista seria um dano reflexo ao da companhia, na medida da sua participação social. E, com isso, entendeu-se que, com a indenização da sociedade, os prejuízos dos acionistas seriam também revertidos.

Esse entendimento foi replicado em outros casos, tanto em tribunais locais2 quanto no STJ.3

Contudo, a jurisprudência não está pacificada. Tanto que, em um caso julgado em 2016 (REsp 1.536.949/SP4), a 4ª turma reconheceu a possibilidade de indenização direta ao acionista, por atos praticados por administrador. Neste caso, os acionistas minoritários ajuizaram ação com fundamento no art. 159, §7º, da LSA e pleitearam indenização pela "depreciação fraudulenta da participação acionária" em razão de desvio de clientela, transferência de marca e ativos tangíveis e do ponto comercial para outra sociedade.

O julgamento não foi unânime. Prevaleceu o voto-vista do ministro Raul Araújo, que consignou a existência de dois danos no caso, um direto ao acionista e outro à companhia, mas que no caso havia legitimidade ativa do acionista pois "[o] pedido feito na inicial, a intenção da autora é, unicamente, ressarcir-se dos danos materiais relativos à desvalorização de sua participação acionária, prejuízos decorrentes diretamente daquele desvio patrimonial doloso perpetrado pelo sócio majoritário e administrador".

Também merece destaque trecho do voto do ministro Luis Felipe Salomão, que inaugurou a divergência e destacou a importância do pedido formulado: nesse caso, "a autora não pretende não (sic) a recomposição de todo o ativo tangível e intangível transferido para outra empresa constituída no mesmo endereço e com os mesmos funcionários da Bold Propaganda, mas tão somente a percepção do valor referente aos exatos 49% do capital social que detinha em 1996, quando se iniciaram os atos lesivos". No primeiro caso ("recomposição de todo o ativo tangível e intangível transferido"), o dano teria sido sofrido pela companhia; no segundo ("percepção do valor referente aos exatos 49% do capital social que detinha") o dano foi entendido como direto do acionista.

Na mesma linha do entendimento adotado no REsp 1.536.949/SP, vozes de peso defenderam5 que a depreciação do valor das ações, a diminuição dos dividendos ou a indução fraudulenta à negociação é um dano direto causado ao acionista.

No caso da sentença arbitral proferida em 9/1/25, mesmo com o desenvolvimento do debate sobre o tema, entendeu-se que o dano foi causado à companhia, e não diretamente aos acionistas, o que afastaria a legitimidade ativa dos acionistas para pleitear a reparação em nome próprio.

Esse julgamento não é o único nesse sentido em relação à própria Petrobras: no julgamento do AgInt no REsp 1.787.426/RS6, uma acionista minoritária da Petrobras pleiteou indenização contra a União e a companhia em razão da desvalorização das suas ações. O acórdão consigna que "o Superior Tribunal de Justiça consolidou entendimento no sentido da ilegitimidade ativa do sócio minoritário para a propositura da ação individual por prejuízos causados ao patrimônio da empresa, pois não se pode considerar como prejuízo individual do acionista aquele que o atinge apenas indiretamente, por mero reflexo dos danos supostamente causados à sociedade como um todo".

No âmbito dos tribunais de justiça e tribunais regionais Federais, a conclusão de que os prejuízos suportados pelos acionistas decorrentes dos atos descobertos a partir da Operação Lava-Jato são indiretos foi acatada em outras oportunidades: o TJ/SP adotou este estendimento em 2019, quando do julgamento da apelação cível 1052131-96.2018.8.26.0100. O mesmo ocorreu no TRF-2, com o julgamento da apelação 0043131-31.2015.4.02.5101 em 2017, da apelação 0012669-25.2017.4.02.5165 em 2020 e da apelação 0005710-07.2015.4.02.5101 em 2021. Não foram encontrados acórdãos em sentido oposto.

A sentença arbitral é a primeira proferida nesta jurisdição. Há ainda pelo menos quatro arbitragens de acionistas da Petrobras pleiteando a mesma indenização, que não foram julgadas. Como visto, os debates ainda não foram pacificados, inclusive na doutrina. É possível que entendimento diverso seja adotado em outros casos, o que nos autoriza a concluir que não há nada de novo no front. A questão segue em aberto.

___________

1 STJ, REsp n. 1.014.496/SC, Rel. Min. Nancy Andrighi, 3ª Turma, j. 04.03.2008.

2 A título de exemplo: TJMS, Apelação Cível 0807931-86.2015.8.12.0001, Rel. Des. Claudionor Miguel Abss Duarte, 4ª Câmara Cível, j. 27.07.2016; TJSP, Apelação Cível 1003528-36.2016.8.26.0011, Rel. Des. Francisco Loureiro, 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, j. 01.03.2018; TJSP, Apelação Cível 1089065-29.2013.8.26.0100, Rel. Des. Ramon Mateo Júnior, 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, j. 10.04.2015.

3 Pode-se citar, a título de exemplo: STJ, AgInt no AREsp 1572055/SP, Rel. Min. Raul Araújo, 4ª Turma, j. 21.03.2022; STJ, AgInt no REsp 1798907/RJ, Des. Rel. Raul Araújo, 4ª Turma, j. 21.10.2024; REsp 1.207.956/RJ, Rel. para acórdão Min. Raul Araújo, 4ª turma, j. 23.09.2014.

4 STJ, REsp n. 1.536.949/SP, Rel. Min. Marco Buzzi, relator para acórdão Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, j. 06.09.2016.

5 "Em suma, a admissibilidade da ação individual ocorre toda vez que o administrador, por abuso ou desvio de poder ou por descumprimento da lei ou do estatuto, negue ou protele o exercício de direitos pelo acionista; ou, então, cause-lhe prejuízos materiais, em termos de depreciação do valor de suas ações ou dos dividendos respectivos ou da fraudulenta indução à sua negociação. Será cabível, ainda, a ação individual, no caso de ato ilícito nas relações contratuais diretas entre o administrador e o acionista, ligadas ao exercício de funções deste no seio da companhia, como o já citado exemplo das procurações outorgadas, na forma e para os efeitos do art. 126." (CARVALHOSA, Modesto. Comentários à lei das sociedades anônimas, 3º volume: artigos 138 a 205, 5ª ed., São Paulo: Saraiva, p. 473)

6 STJ, AgInt no REsp n. 1.787.426/RS, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, j. 30.11.2020.

Bárbara Spohr Gonçalves

Bárbara Spohr Gonçalves

Advogada com atuação na área de Contencioso Societário e Cível, Arbitragem, Direito Administrativo, Recuperação Judicial e Falências, Reestruturação de Crédito e Special Situations. Formada pela Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro (FGV Direito Rio). Pós-Graduação em Direito Administrativo em curso pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).

Felipe de Paula Chakur Farah

Felipe de Paula Chakur Farah

Advogado com atuação nas áreas de Contencioso Societário e Cível, Arbitragem, Direito Administrativo, Recuperação Judicial e Falências, Reestruturação de Crédito e Special Situations. Formado pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP).

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