Cessão onerosa de quotas em empresas familiares: Riscos e cuidados para uma operação segura
A cessão de quotas entre familiares exige cautela para evitar riscos fiscais e sucessórios. A avaliação justa e documentação adequada garantem segurança jurídica.
quinta-feira, 13 de março de 2025
Atualizado em 12 de março de 2025 12:59
Por diversas vezes, encontramos famílias empresárias que realizam uma cessão onerosa de quotas de pais para filhos, utilizando o valor nominal das quotas. No entanto, essa prática exige uma análise criteriosa, pois pode envolver riscos jurídicos e fiscais relevantes. A cessão de quotas em sociedades empresárias familiares é um instrumento comumente utilizado em reorganizações societárias e planejamentos sucessórios, mas, se não for estruturada corretamente, pode ser reclassificada por órgãos de fiscalização ou questionada judicialmente por terceiros interessados.
A falta de um planejamento adequado e de uma avaliação criteriosa sobre a operação pode levar a implicações tributárias significativas, comprometendo a segurança jurídica da sucessão empresarial.
A cessão de quotas e seus riscos tributários
A venda de quotas de pais para filhos pelo valor nominal é uma prática comum no contexto do planejamento sucessório, muitas vezes escolhida para facilitar a transferência de patrimônio dentro da família. Entretanto, é fundamental que uma operação envolvendo pais e filhos seja respaldada por um valor real das quotas e uma efetiva movimentação financeira, garantindo que não haja indícios de simulação.
Esse cuidado é necessário porque transações simuladas podem resultar na reclassificação do ato pela autoridade fiscal como uma doação sujeita à incidência de impostos e penalidades. Um exemplo dessa fiscalização rigorosa foi a Operação Loki, conduzida pela Sefaz/SP, que buscou identificar simulações de compra e venda de quotas com o objetivo de evitar o pagamento do ITCMD.
No caso específico da venda de quotas, é importante observar que essa transação não está sujeita ao ITCMD nem ao ITBI. O imposto incidente será o Imposto de Renda sobre o ganho de capital, caso o valor da venda das quotas supere o valor histórico registrado no Imposto de Renda da Pessoa Física. Essa característica torna a venda de quotas uma alternativa atrativa dentro do planejamento sucessório, mas exige que o empresário seja plenamente informado sobre as implicações fiscais e os riscos envolvidos.
Se o valor da cessão das quotas for baseado no capital social da empresa, e esse valor nominal estiver muito abaixo do valor real da participação societária, a Secretaria da Fazenda pode interpretar a operação como uma doação disfarçada de compra e venda, especialmente quando realizada entre pais e filhos. Isso aumenta o risco de reclassificação da transação e possíveis questionamentos fiscais.
É relevante observar o entendimento dominante do STJ quanto à metodologia mais adequada para a apuração do valor das quotas sociais. De acordo com a jurisprudência consolidada, o balanço de determinação é o método mais apropriado, conforme expresso no julgamento do REsp 1.877.331/SP:
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE DISSOLUÇÃO PARCIAL DE SOCIEDADE C/C APURAÇÃO DE HAVERES. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OMISSÃO, CONTRADIÇÃO OU OBSCURIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. VIOLAÇÃO DO ART. 489 DO CPC. INOCORRÊNCIA. DIREITO DE RECEBIMENTO DOS LUCROS DECORRENTES DAS COTAS SOCIAIS RECEBIDO NA PARTILHA DE BENS. MARCO TEMPORAL. SEPARAÇÃO DE FATO. REEXAME DE FATOS E PROVAS. INADMISSIBILIDADE. MÉTODO DE APURAÇÃO DE HAVERES. ACÓRDÃO RECORRIDO EM CONSONÂNCIA COM A JURISPRUDÊNCIA DO STJ. SÚMULA 568/STJ. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. SIMILITUDE FÁTICA. AUSÊNCIA.
1. Ação de dissolução parcial de sociedade c/c apuração de haveres.
2. Ausentes os vícios do art. 1.022 do CPC, rejeitam-se os embargos de declaração.
3. Devidamente analisadas e discutidas as questões de mérito, e fundamentado corretamente o acórdão recorrido, de modo a esgotar a prestação jurisdicional, não há que se falar em violação do art. 489 do CPC.
4. O reexame de fatos e provas em recurso especial é inadmissível.
5. Segundo a jurisprudência dominante do STJ, o legislador, ao eleger o balanço de determinação como forma adequada para a apuração de haveres, excluiu a possibilidade de aplicação conjunta da metodologia do fluxo de caixa descontado" (REsp 1.877.331/SP, rel. ministra Nancy Andrighi, rel. p/ acórdão ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira turma, julgado em 13/4/21, DJe 14/5/21).
6. O dissídio jurisprudencial deve ser comprovado mediante o cotejo analítico entre acórdãos que versem sobre situações fáticas idênticas.
7. Agravo interno não provido.
Esse entendimento reforça a necessidade de que a valoração das quotas em operações de cessão entre familiares seja feita com base em critérios contábeis sólidos, como o balanço de determinação. Utilizar exclusivamente o valor nominal pode levar a questionamentos fiscais, principalmente quando há uma disparidade evidente entre esse valor nominal e o valor real das quotas da sociedade.
Dessa forma, para garantir maior segurança jurídica e minimizar riscos de autuação, recomenda-se que qualquer cessão de quotas leve em consideração o valor real dos ativos da empresa, conforme a metodologia reconhecida pelo STJ. Além disso, é essencial manter toda a documentação comprobatória da operação arquivada, garantindo maior transparência e previsibilidade em eventuais fiscalizações.
Riscos sucessórios e possíveis impugnações
A cessão de quotas em sociedades empresárias deve ser conduzida com atenção especial à observância das normas legais e à proteção dos direitos dos herdeiros necessários, especialmente quando envolve transmissão gratuita ou valores significativamente inferiores ao de mercado.
Ato contínuo, a cessão onerosa de quotas exige uma análise criteriosa para garantir sua validade jurídica e otimizar a carga tributária, especialmente no que se refere ao ITCMD. Esse tipo de operação, quando bem estruturado, pode representar uma alternativa estratégica para a sucessão patrimonial.
No caso da venda de quotas entre ascendentes e descendentes, além de ser fundamental que a transação envolva a efetiva transferência financeira entre as partes, o Código Civil exige o consentimento expresso do cônjuge e dos demais descendentes para que a transação seja válida. O artigo 496 do Código Civil estabelece que a venda de ascendente para descendente é anulável caso não haja essa anuência formal.
"Art. 496 do Código Civil: A venda de ascendente para descendente é anulável, salvo se os demais descendentes e o cônjuge do alienante tiverem consentido expressamente. Parágrafo único: O consentimento do cônjuge não será necessário se o regime de bens for o da separação obrigatória."
O Direito Sucessório brasileiro garante aos herdeiros necessários a proteção da parte indisponível do patrimônio do ascendente, denominada "legítima", conforme previsto no art. 1.846 do Código Civil. Assim, qualquer disposição patrimonial que viole esse princípio pode ser questionada judicialmente.
A impugnação pode resultar na anulação do negócio jurídico caso seja demonstrado que a transação teve o intuito de burlar a ordem sucessória. Para evitar tais riscos, recomenda-se formalizar a cessão de quotas com transparência e com a avaliação dos riscos da operação.
Considerações finais
A cessão onerosa de quotas é um instrumento valioso no planejamento societário e sucessório, mas exige atenção a uma série de detalhes jurídicos e fiscais para evitar questionamentos futuros. Para garantir a segurança da operação, recomenda-se:
- Avaliação do valor justo das quotas, utilizando metodologia contábil adequada, como o balanço de determinação;
- Registro adequado da operação nos atos societários e comprovação do pagamento;
- Obtenção da anuência dos herdeiros e dos cônjuges, sempre que houver impacto na ordem sucessória.
Com uma abordagem preventiva e um planejamento bem estruturado, é possível realizar a cessão de quotas de forma segura e alinhada às melhores práticas jurídicas e contábeis.
Igor Ferreira Pinheiro
Advogado especializado em Direito Societário. Ele possui graduação em Direito pela Universidade Vila Velha e é mestre em Direito Societário pela Fundação Getúlio Vargas.
Jéssica Leal
Socia fundadora da leal Queiroz, Advogada corporativa e societarista, mestre em direito empresarial, expert em projetos de proteção patrimonial, planejamento sucessório, palestrante e mentora.