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A lavagem de dinheiro na prevenção e no processo penal

A contabilidade combate a lavagem de dinheiro ao identificar operações suspeitas, garantir transparência e fornecer provas técnicas que fortalecem a justiça e a segurança do mercado.

quarta-feira, 12 de março de 2025

Atualizado às 09:16

A lavagem de dinheiro é um crime financeiro que afeta a estabilidade econômica e social ao permitir que valores obtidos ilegalmente ingressem no sistema financeiro com aparência legal, empregando práticas sofisticadas para ocultar a origem do dinheiro, como movimentações bancárias estruturadas, empresas de fachada, investimentos de difícil rastreamento e operações internacionais complexas, associadas aos crimes como corrupção, tráfico de drogas, sonegação fiscal e financiamento do terrorismo, trazendo o entendimento de BITTAR e SOARES, "poderia ser conceituada como 'o processo em virtude do qual os bens de origem delitiva se integram no sistema legal com a aparência de terem sido obtidos de forma lícita" 1, estando na mesma toada, BADARÓ e BOTTINI, ao afirmar que "pode ser entendida como 'o ato ou sequência de atos praticados para mascarar a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, valores e direitos de origem delitiva ou contravencional, com o escopo ultimo de reinseri-los na economia formal com aparência de licitude" 2, assim, a lavagem de dinheiro representa uma ameaça real à estabilidade do mercado e à transparência das relações empresariais.

Perante esta ótica, a contabilidade tem um papel crucial na prevenção e no combate à lavagem de dinheiro, ultrapassando a mera escrituração e registros financeiros para atuar de maneira estratégica na identificação de irregularidades e na garantia da transparência econômica, e assim, detectando transações atípicas, incoerências patrimoniais e fluxos financeiros suspeitos, auxiliando para que empresas e órgãos de fiscalização adotem medidas preventivas antes que práticas criminosas se estabeleçam.

A lei 9.613/1998 criminalizou a lavagem de dinheiro no Brasil, definindo-a como a ocultação de bens ilícitos, exigindo um crime antecedente específico, mas a edição da lei 12.683/12 eliminou essa exigência, ampliando seu alcance, punindo quem converte, transfere ou guarda bens ilícitos, incluindo aqueles que empregam esses valores em atividades financeiras ou integram organizações criminosas, visando não apenas punir os envolvidos, mas também desarticular estruturas ilícitas no sistema financeiro.3

Destaca-se que a lei 9.613/1998 representou um avanço significativo no combate à lavagem de dinheiro, impondo obrigações rigorosas às instituições financeiras e a setores específicos da economia, exigindo a legislação o monitoramento contínuo das transações e a comunicação de operações suspeitas ao COAF - Conselho de Controle de Atividades Financeiras, apesar que o nome escolhido para o órgão, nas palavras de BALTAZAR JUNIOR, "não traduz exatamente suas funções, pois o COAF não controla as atividades financeiras e, apesar de ter sido criado pela Lei 9.613/98, não é responsável pela política de controle da lavagem de dinheiro, que é encargo do MJ".4

Assim, a contabilidade desempenha um papel de extrema importância no combate à lavagem de dinheiro, assegurando que empresas adotem controles internos eficazes, além de políticas de compliance e KYC - know your client para impedir a circulação de recursos ilícitos no sistema financeiro, e além da prevenção, sua atuação é determinante na investigação e no processo penal, possibilitando o rastreamento da origem e do destino de valores suspeitos, através de cruzamento de dados fiscais, auditorias, e reconstituição de movimentações bancárias, e ainda, o laudo pericial contábil, torna-se um dos principais instrumentos para comprovar a materialidade do crime e garantir que as decisões judiciais sejam fundamentadas em evidências técnicas robustas.

Outrossim, os avanços tecnológicos fortalecem a contabilidade no combate à lavagem de dinheiro por meio de inteligência artificial, big data e blockchain, que aprimoram o monitoramento de transações e dificultam a ocultação de recursos ilícitos, demais a mais, a comunicação de bancos de dados entre instituições financeiras, órgãos reguladores e autoridades policiais amplia a capacidade de rastreamento e repressão de crimes financeiros, fatos esses, nos ensinamentos de AVELAR, LAZAROU e MARIANO, ao enfatizar que "no rol de possibilidades que a complexa modernidade traz, é indispensável que, frente ao problema, passem as empresas e empresários a adotarem mecanismos internos de contenção, com uma delimitação precisa do desenho corporativo e análise atuarial de cada tipo de risco decorrente de cada atividade empreendida. Ao identificar os pontos de contato com pertinência à dinâmica dos deveres de verificação e de informação aos órgãos de controle, cobrindo cada passo em uma rigorosa estrutura de compliance, permite-se que eventuais questões passíveis de responsabilização sejam neutralizadas ainda na esfera privada, ou ainda, mesmo quando já questionadas pelas autoridades, permite demonstrar uma dissociação maior entre qualquer resultado de lavagem e a evitabilidade disso pela empresa. (...) trazendo aos processos a correção da técnica, em luta constante para alinhar os rumos de uma justiça pátria que tende a perverter a boa ciência penal para facilitar persecuções". 5

Ainda neste tocante, importante destacar a aplicação de uma compliance criminal nas palavras de CONSERINO e ARAÚJO, sustentando que "Assim, em que pese não ter havido expressa conceituação da expressão compliance, a comunicação de operações financeiras suspeitas que poderiam ou não ser consideradas ilícitas já era um traço de atividade de cooperação e prevenção à criminalidade, ou seja, início do compliance criminal no país. Também, nos exatos termos dos artigos 10 e 11, da Lei n. 9.613/98, pessoas físicas e jurídicas discriminadas no art. 9, foram obrigadas à identificação de clientes e manutenção de cadastros, ao registro das transações, adoção de políticas, procedimentos e controles internos compatíveis com o volume de operações, a manter seus cadastros atualizados, além da comunicação acima referida. Fato é que há intrínseca relação entre a Lei Federal n. 9.613/98, que criou e conceituou os crimes de lavagem de dinheiro, com a previsão de mecanismos de controle, políticas de prevenção a criminalidade, a criação do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Leis 9.613/98 e 12.683/12) e o instituto de compliance criminal no Brasil, conquanto não explicitamente conceituado nestes diplomas legais. É que a essência do compliance constou de tais normas legais".6

Nesse modo, a contabilidade continua sendo essencial no decorrer do processo penal, fornecendo laudos periciais que servem de base técnica para acusação e defesa, exigindo a materialização do crime por meio da comprovação inequívoca, fundamentando-se no axioma da prova pericial, que exige precisão, objetividade e fundamentação técnica dos dados analisados para garantir sua validade, e conforme ZAPPA HOOG 7, a axioma da verdade da prova pericial "é uma das máximas da moderna perícia contábil brasileira, e advém do embasamento científico da perícia, executado por um com perito com notória capacidade e jamais por leigos ou iniciantes, pois não se admite que a ciência da contabilidade possa ser falsa, ambígua ou polissêmica, quando se manifesta concretamente numa situação específica. O axioma da lógica imprime à contabilidade a posição de ciência social que revela a essência da verdade real, ligada aos e fatos patrimoniais", ou seja, a eficiência dessa prova está diretamente relacionada à capacidade do perito em apresentar conclusões embasadas em critérios científicos e métodos contábeis reconhecidos.

Outro mecanismo, a delação premiada, comum em crimes financeiros, depende da contabilidade para validação, pois as informações dos delatores devem ser comprovadas por registros financeiros, demonstrativos contábeis e movimentações bancárias, como bem expõe BITTAR, ao ensinar que "a relevância da colaboração precisa produzir frutos ou informações desconhecidos pelas autoridades legais, como análise de documentos aprendida, fornecimento de senhas, esclarecimentos sobre iniciais, em especial na hipótese em que somente aquele que conhece a elaboração do documento poderá informar, identificação de sinais, pessoas, enfim, tudo o que for compreendido como primordial à formação da prova". 8 Da mesma forma, a análise pericial contábil confirma ou refuta alegações, garantindo decisões baseadas em fatos concretos e não apenas em testemunhos, além do que, na defesa, a contabilidade pode expor inconsistências na acusação ou comprovar a ausência de dolo, assegurando um julgamento justo.

Por fim, cristalino está, que a contabilidade vai além de um setor administrativo ou financeiro, sendo fundamental na prevenção e combate à lavagem de dinheiro, atuando desde a estruturação de controles internos até a produção de provas técnicas, garantindo a exatidão econômica, fortalecendo a justiça e protegendo a sociedade dos impactos do dinheiro ilícito.

___________

1 BITTAR, Walter Barbosa. SOARES, Rafael Junior. Comentários ao pacote anticrime: Lei 13.964/2019: artigo por artigo - incluindo a rejeição dos vetos. 1ª. ed.-São Paulo: Tirant lo Blanch, 2021, p. 143/144

2 BADARÓ, Gustavo Henrique. BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Lavagem de Dinheiro: Aspectos penais e processuais penais: Comentários à Lei 9.613/1998, com alterações pela Lei 12.683/2012. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017, p. 29

3 art. 1º, §§ 1º e 2º, da Lei nº 9.613/1998

4 BALTAZAR JUNIOR, José Paulo. Crimes Federais - 14.ed., ver.,atual. e ampl. - São Paulo: Editora Juspodivm, 2025, p. 983

5 AVELAR, Leonardo Magalhães Avelar. LAZAROU, Alexys Campos, MARIANO, Taisa Carneiro. Novos riscos empresariais na lavagem de dinheiro: Responsabilidade criminal pela violação de deveres de conduta. Advocacia Contemporânea, e a interdisciplinaridade do Direito Penal Empresarial. Editora D. Placido, Bela Vista - São Paulo, SP, 2020, p. 77

6 CONSERINO, Cassio Roberto; ARAÚJO, Fernando Henrique de Moraes. Crime Organizado e Lavagem de Dinheiro: Teoria e Jurisprudência - 4.ed., rev., atual. e ampl. - São Paulo: Editora JusPodivm, 2025, p. 628/629 

7 ZAPPA HOOG, Wilson Alberto. Laboratório de Perícia Contábil Forense-Arbitral: Aspectos Técnicos e Científicos da Perícia Contábil - Teoria e Fundamentos - 2. ed. Ver. E atual. Curitiba: Juruá, 2023, p. 50 e 81  

8 BITTAR, Walter Barbosa. Delação premiada: direito, doutrina e jurisprudência. 3ª ed.-São Paulo: Tirant Lo Blanch, 2020, p. 193

Juarez Arnaldo Fernandes

VIP Juarez Arnaldo Fernandes

Especialista em Direito Constitucional e Tributário, Empresarial e Recuperação de Empresas, Penal e Econômico, Contábil e Financeiro. Contador. Perito Contábil Judicial. Parecerista.

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