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Sejamos todas feministas! - Para podermos sobreviver

Ser mulher no Brasil em 2025 é viver em alerta. Violência, desigualdade e exclusão política persistem. O feminismo é urgência, não escolha.

sexta-feira, 7 de março de 2025

Atualizado às 07:10

"O feminismo não é apenas para mulheres. É uma luta coletiva por justiça e equidade para todos." Chimamanda Ngozi Adichie

Ser mulher no Brasil em 2025 significa viver em estado de alerta constante. Não se trata de exagero ou retórica: os números falam por si. O Brasil é um dos países mais violentos do mundo para mulheres. Todos os dias, quatro brasileiras são assassinadas simplesmente por serem mulheres. Uma mulher sofre violência doméstica a cada quatro minutos. Crescer mulher por aqui significa lidar com o risco diário de assédio, agressão e discriminação, sabendo que a resposta institucional para essas ameaças é, na melhor das hipóteses, ineficiente e, na pior, conivente.

Criar meninas nesse contexto significa prepará-las para um mundo que insiste em desconsiderar suas vidas. Cada conselho carrega um peso: dizemos que podem ser o que quiserem, mas sabemos que, a cada 10 cadeiras no Congresso, apenas duas serão ocupadas por mulheres. Incentivamos que sonhem alto, mas temos consciência de que, no topo das empresas, os cargos de liderança ainda são, majoritariamente, masculinos. Educamos para que ocupem todos os espaços, mas sabemos que, ao caminharem sozinhas à noite, precisarão pensar em estratégias para evitar o pior. O futuro que queremos para nossas filhas colide, diariamente, com a realidade do país em que vivemos.

Mas dentro dessa realidade, sabemos que as desigualdades de gênero não afetam todas as mulheres da mesma forma. O racismo, a pobreza e a transfobia tornam a violência ainda mais brutal para algumas. O feminicídio tem um recorte racial claro: 67% das mulheres assassinadas no Brasil são negras. As mulheres negras ganham, em média, menos da metade do que os homens brancos e são maioria nos empregos mais precarizados. Mulheres trans enfrentam uma expectativa de vida de apenas 35 anos, resultado direto de um ciclo de exclusão que as empurra para a marginalização. Para elas, o risco não é apenas de assédio ou discriminação - é de não sobreviver.

E se ser mulher no Brasil já é um desafio, o caos climático adiciona mais uma camada de desigualdade. As mudanças do clima afetam desproporcionalmente as populações vulneráveis, e, dentro desses grupos, as mulheres estão na linha de frente. As secas no interior empurram milhares de mulheres para o trabalho precário. As enchentes destroem comunidades periféricas, onde são elas que sustentam seus filhos e garantem a sobrevivência de suas famílias. Em todo o mundo, há um consenso: crises ambientais acentuam desigualdades de gênero. No Brasil, onde mulheres já ganham menos e ocupam os empregos mais vulneráveis, os impactos da degradação ambiental serão mais severos para elas. E, paradoxalmente, são sistematicamente excluídas das decisões políticas e econômicas sobre sustentabilidade e mudanças climáticas.

Essa sub-representação política e econômica não é coincidência, mas um reflexo de um sistema que ainda trata mulheres como coadjuvantes. No Brasil, mesmo sendo a maioria da população, ocupamos apenas 17% das cadeiras na Câmara dos Deputados. Isso significa que a legislação do país ainda é escrita, em sua maioria, por homens. Esse desequilíbrio tem consequências concretas: onde há menos mulheres na política, há menos leis e políticas públicas voltadas à proteção contra a violência de gênero, menos incentivo para equiparação salarial e menos investimentos em educação e saúde. No setor privado, a lógica se repete. A cada 100 grandes empresas no Brasil, apenas quatro têm mulheres na presidência. A mensagem é clara: há um teto de vidro que não se quebra sozinho.

O feminismo, longe de ser uma pauta isolada ou abstrata, nos oferece instrumentos para enfrentar essas desigualdades. Ele nos lembra que não basta ensinar meninas a se protegerem - precisamos mudar a estrutura que torna necessário esse aprendizado. Não basta dizer que elas podem ocupar qualquer espaço - precisamos garantir que esses espaços sejam acessíveis e seguros para elas. O feminismo não é um discurso de resistência passiva, mas um projeto político para transformar um país que ainda nega às mulheres o direito de viver plenamente.

O Dia Internacional da Mulher não é sobre homenagens protocolares ou discursos vazios. Ele deve ser um lembrete incômodo das desigualdades que persistem e da luta necessária para superá-las. Sejamos todas feministas - não apenas porque acreditamos na igualdade, mas porque a realidade ainda exige que lutemos por ela.

Melina Girardi Fachin

Melina Girardi Fachin

Advogada e professora adjunta dos cursos de graduação e pós graduação da UFPR.

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