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A expansão do papel das guardas municipais: Análise da decisão do STF e seus impactos na segurança pública brasileira

A decisão do STF ampliou o papel das guardas municipais, permitindo policiamento ostensivo e comunitário, impulsionando sua transformação em polícias municipais.

quinta-feira, 27 de fevereiro de 2025

Atualizado às 13:19

1. Introdução

A segurança pública é um dever do Estado, conforme estabelecido pela CF/88.

O art. 144 da Constituição Federal define a estrutura e as competências dos órgãos responsáveis por essa função, deixando claro o papel das forças de segurança na preservação da ordem pública e na proteção da sociedade. Dentre as disposições deste art., destaca-se o §8º, que prevê a possibilidade de os municípios constituírem guardas municipais para a proteção de seus bens, serviços e instalações. (BRASIL, 1988).

Dessa forma, a lei consolidou as guardas municipais como instituições de segurança pública de caráter civil, uniformizadas e armadas, responsáveis não apenas pela proteção do patrimônio municipal, mas também por ações preventivas contra infrações penais e administrativas.

No entanto, o debate sobre o papel dessas instituições ganhou ainda mais relevância com a recente decisão do STF no Tema 656 referente à lei 13.866/04 do município de São Paulo. O STF declarou a constitucionalidade do art. 1º, inciso I, desta legislação, reconhecendo que as guardas municipais podem exercer policiamento ostensivo e comunitário dentro de suas atribuições legais.

Diante desse cenário, o crescimento e a diversificação das funções das guardas municipais reforçam a necessidade de um debate aprofundado sobre seu papel no sistema de segurança pública brasileiro.

A decisão do STF representa um marco que pode influenciar a estrutura da segurança urbana no país, impactando desde a organização interna dessas corporações até suas relações com outras forças policiais e a sociedade como um todo.

RE - Recurso extraordinário 608.588, com repercussão geral (Tema 656)

No dia 20 de fevereiro de 2025, o STF concluiu o julgamento do mérito do RE 608.588, que discutia a constitucionalidade da atribuição de funções de policiamento ostensivo às guardas municipais.

O caso, que ganhou status de repercussão geral no Tema 656, teve origem na contestação da constitucionalidade do art. 1º, inciso I, da lei 13.866/04 do município de São Paulo, legislação que ampliava as atribuições das guardas municipais para o exercício de atividades de segurança pública no município.

O relator do caso, ministro Luiz Fux, votou pelo provimento do recurso extraordinário, declarando constitucional a atribuição das guardas municipais ao policiamento preventivo e comunitário, desde que respeitadas as competências dos demais órgãos de segurança pública previstos no art. 144 da Constituição Federal.

Na decisão, o Tribunal por maioria deu provimento ao recurso extraordinário fixando a seguinte tese:

"É constitucional, no âmbito dos municípios, o exercício de ações de segurança urbana pelas Guardas Municipais, inclusive policiamento ostensivo e comunitário, respeitadas as atribuições dos demais órgãos de segurança pública previstos no art. 144 da Constituição Federal e excluída qualquer atividade de polícia judiciária, sendo submetidas ao controle externo da atividade policial pelo Ministério Público, nos termos do art. 129, inciso VII, da CF. Conforme o art. 144, § 8º, da Constituição Federal, as leis municipais devem observar as normas gerais fixadas pelo Congresso Nacional" (BRASIL. STF, recurso extraordinário 608.588, relator: ministro Luiz Fux. Brasília, 2025).

Vale destacar que ao longo das últimas décadas, as guardas municipais passaram por um processo de expansão tanto em efetivo quanto em atribuições, adotando diferentes modelos organizacionais. Enquanto algumas reproduzem a estrutura militarizada das polícias militares, outras buscam desenvolver um modelo de segurança pública baseado na prevenção e na proximidade com a comunidade (KOPITTKE, 2016).

O reconhecimento do policiamento ostensivo e comunitário por essas instituições gera impactos diretos em diversos âmbitos, incluindo os concursos públicos para ingresso nas guardas municipais, a relação entre essas corporações e as polícias militares, bem como a percepção da sociedade sobre seu papel.

Além disso, a decisão abre um precedente para que outros municípios adotem legislações semelhantes, promovendo uma maior descentralização das ações de policiamento urbano.

Historicamente, a função da Guarda Municipal era restrita à proteção de bens, serviços e instalações municipais, conforme estabelecido no art. 144, §8º, da Constituição Federal (BRASIL, 1988).

No entanto, é fundamental reconhecer que a CF/88, ao longo dos anos, tem sido interpretada e adaptada à realidade social e institucional do país. 

O futuro das guardas municipais: Rumo à transformação em polícias municipais?

A decisão do STF ao reconhecer a constitucionalidade do policiamento ostensivo e comunitário pelas guardas municipais sinaliza uma possível transformação dessas instituições em polícias municipais.

Esse movimento segue uma tendência nacional de ampliação das atribuições dessas corporações, redefinindo seu papel dentro do sistema de segurança pública e aproximando-as, cada vez mais, das funções tradicionalmente desempenhadas pelas polícias militares e civis.

A regulamentação das guardas municipais ganhou maior robustez com a da lei 13.022/14, conhecida como Estatuto Geral das Guardas Municipais, que estabeleceu diretrizes para sua organização e atuação. Essa legislação visou, conforme Kopittke (2016, p. 75): "[...] garantir que as guardas não confundam suas atribuições e sua identidade institucional com as polícias militares, mas, ao mesmo tempo, não se restrinjam ao cuidado dos prédios públicos."

A decisão do STF representa um marco na estruturação das guardas municipais, consolidando uma tendência nacional de ampliação de suas funções dentro do sistema de segurança pública.

Após a recente decisão do STF, o atual prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), já anunciou modificações, como a alteração do nome da guarda para Polícia Metropolitana.

Além disso, o prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes (PSD), já anunciou a criação da Força Municipal de Segurança, com as atribuições de policiamento ostensivo, inicialmente em região turística.

Segundo Rodas (2025), a criação da Força Municipal de Segurança da cidade do Rio de Janeiro tem como objetivo reforçar a segurança pública na capital fluminense, contando com um efetivo estimado de 13 mil agentes em oito anos. A iniciativa, amparada por decretos municipais, visa complementar a atuação da Guarda Municipal e ocorre em meio ao plano Federal de integração das forças de segurança e à suposta inércia do governo estadual diante da criminalidade.

Embora a CF/88 tenha delimitado a atuação das guardas municipais à proteção de bens, serviços e instalações municipais (art. 144, §8º), a evolução legislativa e jurisprudencial vem ampliando seu escopo de atuação.

A lei 13.022/14 (Estatuto Geral das Guardas Municipais) já havia consolidado sua natureza de órgão de segurança pública, conferindo-lhes maior autonomia e prerrogativas operacionais.

Agora, com a decisão do STF no RE 608.588, a Guarda Municipal passa a ter respaldo constitucional para realizar policiamento ostensivo, o que pode acelerar sua conversão em forças policiais municipais formalmente estabelecidas.

Nos concursos públicos, essa decisão pode resultar em algumas mudanças, como a definição de novos requisitos para ingresso, maior rigor nos testes físicos e psicológicos, além da alteração do conteúdo programático do certame.

Segundo o secretário de Segurança Urbana de São Paulo, caso seja necessário, a academia de formação da GCM poderá atualizar a capacitação dos guardas para atender às novas atribuições. Ele ressaltou que a corporação já possui formação adequada, mas que eventuais treinamentos serão disponibilizados conforme as mudanças previstas pelo prefeito Ricardo Nunes para a transformação da GCM em Polícia Metropolitana (Metrópoles, 2025).

Inclusive, com a expansão de vagas, um exemplo claro e recente é do Rio de Janeiro, como anteriormente citado por Rodas (2025), a expectativa é que a nova Força Municipal de Segurança do Rio de Janeiro seja composta por aproximadamente 13 mil agentes nos próximos oito anos, representando cerca de 30% do efetivo da Polícia Militar do Estado em 2024.

Confira a íntegra da coluna.

Ricardo Nascimento Fernandes

Ricardo Nascimento Fernandes

Militar da Reserva, Professor Doutorando em Filosofia do Direito, Advogado Especialista em Direito Processual Civil, Direito Administrativo, Direito da Pessoa com Deficiência e Concurso Público, Escritor e Palestrante.

Ana Paula Gouveia Leite Fernandes

Ana Paula Gouveia Leite Fernandes

Administradora e Advogada; Especialista em Concurso Público, Direito do Trabalho e Previdenciário.

Ana Cristina Souza de Andrade

Ana Cristina Souza de Andrade

Advogada e Pós-Graduanda em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho.

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