Desjudicialização da execução para atribuir maior efetividade ao procedimento executório
A desjudicialização da execução busca desafogar o Judiciário, permitindo maior autonomia às partes e eficiência no cumprimento de decisões.
quinta-feira, 27 de fevereiro de 2025
Atualizado em 26 de fevereiro de 2025 09:57
O século XXI trouxe consigo diversas inovações, inclusive jurídicas, que foram evoluindo e se adaptando junto à sociedade, implicando, consequentemente, no acesso à justiça e nas formas pelas quais o cidadão pode acessá-la.
Neste contexto, estamos abordando não apenas o acesso à justiça mediante o Poder Judiciário, mas mediante qualquer forma regulamentada que proporcione ao titular do direito a viabilidade de ver este direito assegurado.
Por isso, os métodos alternativos de resolução de conflitos, estão cada vez mais inseridos no meio jurídico, por terem se demonstrado igualmente, ou até mais eficientes do que a tutela jurisdicional comum.
A partir da evolução da forma da comunicação e disseminação de informações no século XXI, em virtude da internet e redes sociais, as partes passaram a ter maior participação nos processos, justamente em razão de sua maior tomada de consciência e conhecimento acerca de seus direitos, o que foi, paulatinamente, sendo incluído em nosso ordenamento jurídico (v.g. negócio jurídico processual, entre outros).
Assim, é notória a discussão acerca dos problemas da justiça brasileira com o acúmulo de processos em suas instâncias, de modo que a desjudicialização se torna outro meio de acesso à justiça, por configurar-se novo meio alternativo de resolução de conflitos, assim como a mediação, conciliação e arbitragem, consoante análise do PL 6.204/19.
Como pode ser observado no relatório "Justiça em Números" de 20231, a sobrecarga do sistema judiciário nacional encontra-se nas execuções, levando-se em consideração a fase executória (cumprimento de sentença) e a ação de execução.
Considerando serem as execuções o ponto crítico da ineficiência e ausência de celeridade da justiça brasileira, pondera-se a criação/disseminação de recursos viáveis a fim de conferir maior efetividade ao objeto dessas ações, quais seja: adimplir o crédito e satisfazer o credor, todavia, sem violar os direitos do devedor.
Neste contexto, encontramos um ponto sensível do sistema brasileiro, uma vez que ao deixar de conferir ao processo uma duração razoável e a efetividade da prestação jurisdicional, estamos diante da inobservância de referidos princípios, dispostos não apenas no art. 4º do CPC, como também, na Constituição Federal (art. 5º, LXXVIII).
A desjudicialização da execução, portanto, como forma de cooperação entre as partes, ou como alternativa ao credor para buscar o crédito que lhe é devido, consubstancia a ideia de que as partes construam a solução e não necessariamente uma decisão mandatória.
Isto é, "considerar a execução parte indispensável de um processo justo não implica que ela deva ser obrigatoriamente conduzida pelo Poder Judiciário."2
No que concerne à desjudicialização, verifica-se que ela se encontra dentro do que se entende por Jurisdição atualmente, demonstrando-se de extrema importância quanto a temática de desafogamento do Judiciário, propiciando maior participação das partes, sem deixar de observar os princípios mais comezinhos do Direito e os direitos do credor e devedor.
Nesta toada, visto que o gargalo do Judiciário brasileiro, atualmente, são as execuções, tem-se observado vários recursos a fim de dar maior vazão a esses processos que perduram anos na busca incessante pela localização do devedor e pelo adimplemento do débito, o que, nem sempre é atingido.
Sendo assim, embora a desjudicialização da execução e/ou de seus atos não consubstancie necessariamente uma autocomposição, verifica-se que na praxe ela exige maior participação das partes - especialmente do credor - para dar andamento e vazão aos recursos a ele disponíveis para obter o crédito.
Isso porque, uma das problemáticas envoltas no acúmulo das execuções e da falta de celeridade e efetividade de seus procedimentos, é justamente a acumulação de funções pelo juiz que, para além de dizer o direito (fase de conhecimento), deve satisfazê-lo na fase de execução, mediante uma série de atos que outros profissionais poderiam assumir, por estar-se diante de um direito já respaldado, seja em um título executivo judicial ou extrajudicial.
A exemplo disso, as diversas pesquisas procedidas nos sistemas conveniados são realizadas por profissionais vinculados ao setor jurídico, mas exercem tal função por delegação do magistrado. Ou seja, por que um tabelião, munido de poderes para atuar como um agente de execução não poderia seguir com essas mesmas funções sem a necessidade de todo aparato judiciário?
Dito isso, denota-se que o PL 6.204/19 foi inspirado no modelo de desjudicialização português (decreto-lei 226/08) no qual há a figura do agente de execução, sendo esse "um profissional liberal com formação jurídica, o qual detém poderes de autoridade no processo executivo."3
Neste ponto, o que coloca o modelo português em destaque e até como forma de inspiração à desjudicialização brasileira, é a implementação paulatina do instituto pelo procedimento pré-executivo.
No Procedimento Extrajudicial Pré-executivo, o credor munido de título executivo, seja ele judicial ou extrajudicial, poderá investigar e localizar a (in)existência de patrimônio do devedor, a fim de verificar a possibilidade de adimplemento de seu crédito, mediante expropriação dos bens do executado.
Nesse procedimento, implementado ao Brasil, podemos pensar, também, em recursos prévios de localização do devedor para responder à execução com seus bens.
Com isso, se estaria adiantando ao credor os pontos cruciais de satisfação do débito: a localização do devedor e a existência de bens aptos ao pagamento da dívida.
Isso porque, verifica-se que o tal de procedimento pré-executivo na esfera da desjudicialização proporcionaria maior liquidez aos títulos executivos portados pelos credores, assim como contribuiria com a celeridade e efetividade do procedimento executório administrativo ou, até mesmo judicial a ser instaurado posteriormente.
A idealização de um procedimento pré-executivo no modelo brasileiro seria de extrema relevância, não só para adaptação da desjudicialização da execução, mas para aferir ao credor a liquidez do título, a celeridade do procedimento a ser instaurado, bem como a efetividade na satisfação do débito.
A desjudicialização, portanto, mostra-se como um recurso apropriado, a fim de redistribuir e restringir a atuação da esfera jurisdicional na execução, limitando a atuação do juiz somente em situações que exijam intervenções de cunho litigioso e jurisdicional, ou quando houver questões que envolvam a utilização de poder polícia ou decisão de imposição de penalidades ou medidas atípicas (art. 139, IV, do CPC), que fujam da competência do agente da execução, como sugere o PL 6.204/19.
Tudo isso se mostra relevante porque "a lide de pretensão insatisfeita é doença mais grave do que a lide de pretensão resistida"4.
Isto é, o cerne do PL é descentralizar a execução das funções jurisdicionais do juiz, dando às partes maior autonomia e participação na busca pela satisfação do débito.
Segundo o PL 6.204/19, a função de ordenamento do procedimento executório se daria por um agente da execução, que nada mais seria do que um profissional da área do Direito, concursado, competente para analisar o título executivo e dar-lhe liquidez mediante os instrumentos dispostos, em sua maioria, já utilizados pelo Judiciário, mas de forma mais célere, por esses atos não terem de passar pela apreciação e autorização de um juiz.
Justamente neste ponto é que poderíamos viabilizar, mediante a disponibilização destes instrumentos aos agentes da execução, o procedimento pré-executório, à exemplo do PEPEX utilizado no modelo português.
Ademais, estratégia muito inteligente adotada pelo PL foi atribuir referida função aos tabeliães dos cartórios de protesto, inclusive porque estes se encontram de certa forma vinculados como apoio a diversas funções em processos judiciais.
Outrossim, o PL se utiliza "da estrutura dos cartórios de protesto", dando aos tabeliães a denominação de "agentes de execução"5, estando eles sob fiscalização do Conselho Nacional de Justiça para tanto.
Ponto importante a ser observado, é que o PL abrange a desjudicialização tanto para as execuções pautadas em título executivo judicial quanto extrajudicial, desde que previamente protestados:
Em relação ao tipo de execução que será abrangida pela desjudicialização da execução civil, tem-se que a atividade será direcionada às execuções de títulos executivos judiciais de pagamento de quantia certa, líquida e exigível e extrajudiciais, ambos previamente protestados (art. 6º PL), excluindo-se, portanto, as obrigações de fazer, não fazer e obrigações de entregar coisa, eis que mais complexas.6
Neste ponto vale uma crítica ao projeto quanto a necessidade de protesto do título executivo judicial, uma vez que referido título originou-se de uma análise cognitiva do magistrado na fase de conhecimento do processo judicial, o que obstaria a necessidade do protesto.
Deste modo, denota-se, de fato, que o PL 6.204/19 pretende retirar do Judiciário a gama de funções, hoje, atribuídas ao juiz, ao agente da execução, facilitando e barateando o procedimento executório, dando-lhe maior efetividade e, ao mesmo tempo, garantindo o acesso à justiça às partes.
Em sendo o caso de intervenção judicial no procedimento executório, ao que atine a discussões de competência, Flávia Hill faz uma breve análise esclarecendo que "Embora o projeto não diga expressamente, entendemos que a competência material será do juízo cível (da execução) e não do juízo de Registros Públicos." (HILL, 2020).
Demais disso, tem-se que o Juízo ao qual o primeiro incidente do procedimento administrativo for direcionado, se tornará prevento para os demais, consoante artigo 18, §3º do PL.
Sendo assim, embora o projeto possa ser passível de críticas e melhorias, tem-se que a diminuição e descentralização da intervenção judicial no processo da execução se mostra benéfico e necessário ao Judiciário brasileiro, inclusive atentando-se ao sucesso da desjudicialização mundo afora, ainda que no Brasil sua prática e aplicação seja implementada de forma paulatina e opcional, até o momento em que a execução desjudicializada torne-se a regra do sistema.
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1 Disponível em https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2023/08/justica-em-numeros-2023.pdf - Acesso em 15/04/2024.
2 FARIA, Márcio Carvalho. Reformar e racionalizar a execução civil: um caminho necessário. Suprema: revista de estudos constitucionais, Brasília, v. 3, n. 1, p. 239 282, 2023. Disponível em: https://doi.org/10.53798/suprema. Acesso em: 01/04/2024.
3 HECKTHEUER, Pedro Abib; ASSIS, Ana Cláudia Mirando Lopes. A desjudicialização da execução civil: uma tendência universal a ser seguida pelo Brasil. Revista Eletrônica Direito e Política, Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Ciência Jurídica da UNIVALI, Itajaí, v.17, n.1, 2021. Disponível em: www.univali.br/direitoepolitica. Acesso em: 01/04/2024.
4 FUX, Luiz. Efetividade jurisdicional e execução no Código de processo civil. In: BELLIZE, Marco Aurélio et al. (coord.). Execução civil: novas tendências: estudos em homenagem ao professor Arruda Alvim. Indaiatuba: Foco, 2022. p. 13.
5 JÚNIOR. Rubens Soares Sá Viana. Desjudicialização da execução civil como instrumento de acesso à justiça: reflexões e críticas para o aperfeiçoamento do PL nº 6204, de 2019. Rio de Janeiro: EMERJ, v. 24, n.1, p. 202-222, 2022.
6 HECKTHEUER, Pedro Abib; ASSIS, Ana Cláudia Mirando Lopes. A desjudicialização da execução civil: uma tendência universal a ser seguida pelo Brasil. Revista Eletrônica Direito e Política, Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Ciência Jurídica da UNIVALI, Itajaí, v.17, n.1, 2021. Disponível em: www.univali.br/direitoepolitica. Acesso em: 01/04/2024.
Isadora de Campos Jordão
Advogada na área Cível no escritório Fraga & Trigo Advogados Associados. Pós-graduada em Processo Civil pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Pós-graduanda em Direito Digital e LGPD pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.